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A responsabilidade tributária dos dirigentes desportivos no Brasil

A gestão dos clubes no Brasil mesmo que inserida em um modelo de gestão menos rígido – que não sofre tantos embaraços por parte do Estado – e com as inúmeras benesses experimentadas, ainda assim tem como marca registrada seu enorme passivo tributário. Verifica-se que a concessão de tamanhas regalias em matéria tributária não vem surtindo o efeito pretendido pelo legislador, não há uma devida contrapartida ou qualquer eficácia prática do ponto vista fiscal, pois o referido passivo se arrasta de governo em governo a décadas e não se vê responsabilização alguma dos culpados.

Diante deste cenário faço alguns questionamentos: quem de fato tem ou deveria ter a responsabilidade em relação a gestão dos tributos e seu adimplemento? Teriam os dirigentes algum tipo de responsabilidade quando do não pagamento dos tributos?

Por óbvio, deveríamos partir da presunção de que quando um determinado indivíduo pretender assumir a administração de um clube, seja lá qual for a sua motivação, que ele tenha no mínimo conhecimento prévio da realidade que encontrará ao assumir suas atividades ou que tenha uma equipe competente para tal.

Colocar todos os dirigentes no mesmo lado da balança em relação a gestão de tributos e seu adimplemento seria no mínimo irresponsabilidade de minha parte, ao se analisar balanços de clubes como Athletico-PR, Fortaleza, Ceará, Cuiabá e alguns outros, percebe-se que existe nos clubes citados um certo cuidado em relação a pauta em questão.

A razão para a existência de um enorme passivo tributário reside, no meu sentir, em dois fatores, a total irresponsabilidade fiscal de alguns dirigentes aliada a falta de conhecimento da legislação tributária e suas consequências jurídicas.

A total irresponsabilidade na gestão tributária dos clubes fica latente quando assistimos determinados dirigentes voltando ao poder fazendo uso de velhas práticas, deixando nítida a falta de qualificação e experiência na gestão tributária. Fato é que o despreparo e falta de conhecimento, por conseguinte, resvala também nas questões e responsabilidades tributárias dos clubes.

A Lei n° 10.406/2002, em seu art. 1.011, expressamente, dispõe sobre o mínimo cuidado que o administrador de qualquer sociedade tem de ter em seus atos de gestão.

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

Embora o mercado da gestão desportiva muita das vezes se limite ao escopo da legislação específica do esporte, precisamos entender que tais atividades não pertencem a um mundo paralelo, mas estão situadas em um microcosmo legal em que coexistem normas gerais e específicas aplicáveis a todos, inclusive, as normas gerais que permeiam as relações tributárias em nossa República.

O Código Tributário Nacional (CTN), no art. 121, inciso III, regula a sujeição passiva tributária, definindo de forma clara em seus incisos quando tal sujeição será exercida como contribuinte direto da obrigação tributária ou como responsável.

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

A relação do dirigente com o Fisco em hipotético cenário de inadimplemento fiscal terá consequências distintas a depender do seu enquadramento, daí vem a importância do gestor entender e se resguardar em suas decisões. O ideal seria que estas fossem tomadas com base em um parecer tributário prévio. Na prática isso dificilmente ocorre, os dirigentes apenas buscam se resguardar com pareceres de profissionais capacitados somente após já ter sido instaladas as celeumas administrativas ou judiciais.

A figura do Responsável Tributário advém da complexidade que o ente tributante teria para exercer de forma eficaz suas atividades de fiscalização, logo, partindo da premissa que gestores empreenderão suas atividades pautados em melhores práticas, atribui a estes a responsabilidade para reter e repassar a quem de direito determinadas receitas tributárias, sendo a respectiva responsabilidade atribuída por lei, como podemos verificar quando da leitura do art. 128 do Código Tributário Nacional.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Diante da possibilidade de o dirigente figurar como responsável tributário, precisamos entender os impactos e riscos quando de suas práticas resultarem em inadimplemento fiscal e quais seriam as suas consequências. Percebam que até o momento não adentramos no estudo da qualquer lei que regule especificamente as relações tributarias no esporte, deixando claro que o esporte não foge a aplicação da legislação tributária de forma ampla.

Em verdade, vejo no atual cenário uma verdadeira falta conhecimento da responsabilidade pessoal que os dirigentes possuem em suas atividades. De forma ampla, temos inúmeros dispositivos que versam sobre a reponsabilidade pessoal do dirigente desportivo. O Art. 135 do Código Tributário Nacional trata da responsabilidade pessoal em relação as obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poder, infração de lei, contrato social ou estatuto.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Ainda no âmbito da responsabilidade pessoal, o CTN expressa objetivamente a responsabilidade do agente  (art. 137, do CTN).

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Adentrando especificamente no escopo legislativo desportivo, a Lei n° 9.615/1998, conhecida como Lei Pelé, em seu Art. 27, trata sobre a responsabilização dos dirigentes podendo abranger seus bens particulares.

Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.

No mesmo dispositivo, encontra-se o §11 que trata da responsabilidade solidária de forma ilimitada por atos de gestão temerária.

§11.  Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

A Lei n° 13.155/2015 em seu artigo 4º elenca como condicionante para manutenção no Profut a regularidade das obrigações tributária federais correntes, acentuando principalmente a gestão do recolhimento dos tributos como responsável tributário.

Art. 4º Para que as entidades desportivas profissionais de futebol mantenham-se no Profut, serão exigidas as seguintes condições:

I – regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais correntes, vencidas a partir da data de publicação desta Lei, inclusive as retenções legais, na condição de responsável tributário, na forma da lei;

Embora a gestão temerária seja instituto consagrado de forma folclórica do ponto de vista de sua aplicação, visto não se ter notícias de qualquer dirigente que tenha sido responsabilizado com base no respectivo instituto. A Lei n° 13.155/2015, art. 24, mais uma vez responsabiliza em seu caput os dirigentes com seus bens particulares. Para esclarecer quaisquer dúvidas, nos § 1°, 2° e 3° do referido artigo de lei, há a definição de dirigente para tal responsabilização, a classificação dos seus atos e sobre as possíveis alegações de desconhecimento da lei.

Art. 24. Os dirigentes das entidades desportivas profissionais de futebol, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

§1º Para os fins do disposto nesta Lei, dirigente é todo aquele que exerça, de fato ou de direito, poder de decisão na gestão da entidade, inclusive seus administradores.

§2º Os dirigentes de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto.

§3º O dirigente que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu predecessor ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato ao órgão estatutário competente será responsabilizado solidariamente.

Ainda no campo da legislação desportiva, atualmente um dos grandes debates jurídicos no esporte está relacionado a Lei n° 14.193/2021, que instituiu em nosso ordenamento jurídico a figura da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que de forma eficaz também não renunciou o tema da responsabilidade pessoal dos dirigentes, conforme previsão expressa em seu Art.11.

Art. 11.  Sem prejuízo das disposições relativas à responsabilidade dos dirigentes previstas no art. 18-B da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, os administradores da Sociedade Anônima do Futebol respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no art. 10 desta Lei, assim como respondem, pessoal e solidariamente, o presidente do clube ou os sócios administradores da pessoa jurídica original pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme estabelecido nesta Lei.

Em verdade, percebemos que o tema vem sendo tratado do ponto de vista legislativo de forma responsável, visto que a Lei da SAF, extremamente atual, além de reforçar tal responsabilidade também não traz prejuízo ao que está disposto no art. 18-B da Lei n° 9.615/1998.

Art. 18-B.  Os dirigentes das entidades do Sistema Nacional do Desporto, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

§1º  Para os fins do disposto nesta Lei, dirigente é aquele que exerce, de fato ou de direito, poder de decisão na gestão da entidade, incluídos seus administradores.

§2º  Os dirigentes de entidades desportivas respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto.

§3º  O dirigente será responsabilizado solidariamente quando tiver conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu antecessor ou pelo administrador competente e não comunicar o fato ao órgão estatutário competente.

Quando falamos em responsabilidade, via regra estamos a falar da responsabilidade solidária, responsabilidade subsidiária e responsabilidade pessoal. De fato, para o Código Tributário Nacional pouco importa a nomenclatura, visto que para aplicação de suas normas não se admite benefício de ordem, ou seja, não existe qualquer obrigatoriedade de os dirigentes serem responsabilizados juntamente com o clube ou somente se o clube não for responsabilizado. Isso quer dizer que pode ser responsabilizado somente o dirigente ou somente o clube, ou podem ser responsabilizados os dois simultaneamente.

Do todo apresentado, me parece no mínimo temerário que o dirigente de qualquer entidade, seja ela de prática desportiva ou de administração do desporto, renuncie cuidados com a presente pauta, exceto que este não tenha apreço pelo construído em suas atividades laborais pessoais, deixando assim sua linha sucessória a ver navios por conta de práticas que muitas das vezes são pautadas pelo não conhecimento do escopo legislativo tributário e suas consequências jurídicas. O que se espera é que a entidade obtenha do gestor dedicação e absorva deste o emprego do bem, não de seus bens.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

BRASIL. Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015. Estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT; dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; cria a Loteria Exclusiva – LOTEX; altera as Leis n º 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis n º 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória nº 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências. Disponível em: 13 de jan. de 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13155.htm. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

SILVA, F. F. A Responsabilidade Tributária dos Administradores e de Entidades de Prática Desportiva. Em: I Simpósio de Gestão, Marketing, Direito Desportivo. Palestra: A Responsabilidade Tributária dos Administradores e de Entidades de Prática Desportiva. Faculdade Brasileira de Tributação – FBT, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tm0uAdiEGOY. Acesso em: 13 de jan. de 2022.

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