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Apostas esportivas no Brasil sob outro ângulo de percepção

Há uma expectativa muito grande ao derredor da regulamentação das apostas esportivas no Brasil. Naturalmente, este é um efeito decorrente da edição da Lei Federal nº 13.756/2018, que as trouxe para a legalidade, já nos estertores do governo do então Presidente Michel Temer.

Naquele diploma foi reconhecido como lícita a atividade, cabendo ao Estado a sua regulamentação, dentro de um prazo de 2 (dois) anos, havendo a possibilidade da sua prorrogação por igual período.

Desde a vigência se evidenciou movimentação natural no mercado, passando o Brasil a ser objeto de desejo das grandes casas de aposta do mundo, que passaram, a partir dali, a patrocinar eventos, entidades de administração do desporto e de prática desportiva, licitamente. Um compreensível interesse de já se fazerem conhecidas enquanto marcas para seus potenciais consumidores, tão logo editada a regulamentação[1].

D’outro giro, os clubes de futebol, igualmente, despertaram e iniciaram negociações com as principais empresas de apostas. Ainda no passado, 13 dos 20 clubes que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro tinham celebrado contratos de patrocínios com empresas do ramo, segundo nos assegura Udo Seckelmann[2].

Cada vez mais é frequente a pressão para que sejam as apostas devidamente regulamentadas, tendo como lastro principal o discurso de que fará um enorme bem aos stakeholders do futebol nacional, sobretudo, agora, em tempos cuja aridez econômica foi agudizada com a pandemia de covid-19. Apesar de caminhar a passos lentos, a regulamentação é vista como realidade e virá, invariavelmente.

Todo o discurso construído sempre pensa e mira as apostas esportivas na perspectiva das empresas estrangeiras. Há, com efeito, uma curiosa excitação quando se fala no tema, quiçá, se deva aos longos anos em que nos enganamos, envoltos por hipocrisia ao derredor do assunto jogos de azar. Negou-se por anos a fio o direito de se explorar licitamente os jogos – e, lógico, as apostas esportivas-, sempre pautando-se por um discurso moral e – verdadeiramente – falso.

E, agora, como um adolescente que descobre as delícias do amor carnal, lançamo-nos de corpo e alma para ver efetivar-se as apostas esportivas, para, quem sabe, dar coragem ao Congresso Nacional, de uma vez por todas, para aprovar logo o Marco Regulatório dos Jogos[3]. Somente assim o véu será rasgado!

Porém, malgrado a importância do êxito da regulamentação das apostas esportivas, ainda pecamos. Insistimos em voltar olhares somente para a Europa (de onde provém as mais conhecidas bancas de apostas) em detrimento de fazermos uma autoanálise e perceber que o mercado interno existe e precisa ser contemplado (friso, que um dia foi ilegal e, hoje, é apenas irregular, após a edição da lei já mencionada[4]).

O que quero dizer é algo bem simples, todo o iter percorrido até agora não contempla solucionar uma questão existente em nossa realidade: a exploração de apostas esportivas no Brasil (geralmente, ligados do Jogo do Bicho[5]).

Ora, como os que exploram tal negócio são vinculados a este segmento, compulsoriamente são marginalizados e estigmatizados. Como sempre se tratou o jogo do bicho e quem o explora como fora-da-lei, natural a sua aproximação como negócios e cultura criminais.

Há uma grave deficiência na abordagem dos números de ingresso de dinheiro e do volume do consumo por partes dos jogadores. Um verdadeiro buraco negro. Não se sabe ao certo, com maior precisão, sobre tal realidade, porque se fez uma opção de lançá-la no mundo da marginalidade, abrindo-se mão do seu controle pelo Estado.

A bem da verdade, sabe-se que existe um mercado oculto de apostas esportivas no Brasil, onde um elevado número de pessoas dele fazem parte. Apesar dos servidores destes sites se encontrarem em nações que autorizam a prática das apostas – geralmente na Europa-, existem pontos físicos de vendas, pessoas contratadas para prestar serviços de agentes de apostas (os chamados cambistas), ou seja, o negócio flui e se desenvolve naturalmente.

Somente a título ilustração, com esteio em apresentação feita pelo Instituto Brasileiro Jogo Limpo, na Câmara dos Deputados, durante audiência pública, em 2016, estima-se que o jogo do bicho, as máquina caça-níqueis, o bingo e as apostas em sites girem algo em torno de R$ 19,9 bilhões por ano, sendo que R$ 3 bilhões fossem provenientes de apostas feitas via internet[6].

Assim, portanto, por que não pensar em se construir uma ponte de ouro para esses “empresários” poderem tirar as aspas que pus e ingressar numa vida dentro dos padrões de plena legalidade?

Seria muito mais lúcido – e lucrativo- contemplar no horizonte de qualquer produção legislativa a inclusão de tais pessoas ao segmento formal das apostas.  Todavia, nada se fala. A minuta de decreto publicada e submetida ao crivo da sociedade, para ofertar sugestões, não contempla qualquer hipótese dessa natureza, parece que somente há interesse de se ter como exploradores das apostas as empresas estrangeiras.

Está-se, pois, diante de oportunidade única de retirar-se da criminalidade uma boa parcela de pessoas. Sabe-se, naturalmente, que o processo de marginalização de condutas acaba por conduzir quem as pratica à aproximação e assimilação de outras, inclusive mais gravosas[7].

No entanto, me questiono se, nalguma vez, o legislador sequer pensou nessas pessoas, se há qualquer anseio de legalizar no Brasil a já existente exploração de apostas esportivas; ou, se o ânimo era unicamente de tornar lícita a atuação de gigantes empresas mundiais.

O atual cenário proposto pelo Estado para regulamentação não atende plenamente os anseios de todos, por isso, provavelmente, há uma delonga, somando-se ao total desconhecimento do segmento e o desconforto no enfrentar o tema internamente (sobretudo porque o governo atual evoca, de forma contumaz, o discurso moralista com fortes pitadas religiosas).

A grande questão, ao menos para mim, é se se pretende ou não alcançar aqueles que já exploram os serviços e têm sede e público no país (principal ativo para os donos de casa de apostas).

Temo que haja um desinteresse em se contemplar este segmento, que seria bastante significativo para diversos Estados e Municípios, que contariam com maior potencial de recolhimento de impostos, novos postos de trabalho formal garantidos, dentre outras benesses.

Não há um diálogo para se construir esta ponte, que seria útil também na desvinculação destes grupos de outras tantas atividades criminais, uma reaproximação ao mundo da legalidade.

As apostas esportivas e a legalização dos jogos no Brasil podem significar mudanças copérnicas, não somente no campo da economia, mas, como dito, também na contenção e revisão dos índices de criminalidade, caso sejam promovidas com as devidas cautelas e destemor.

Dizem que a oportunidade é igual um cavalo selado que passa à nossa frente; este tem dados voltas e mais voltas diante do Estado Brasileiro, no entanto, a insegurança e o medo, aparentemente, fazem com quem hesitem. E nisso, perderemos a chance de verdadeiramente mudar.

……….

[1] Esse é um movimento natural, basta observar idêntico relacionamento entre entidades esportivas e casas de aposta em diversas ligas em países onde a questão está bem solucionado. Veja a matéria: Sites de aposta investem cada vez mais em ligas por todo o mundo. Disponível em: <https://esporte.ig.com.br/futebol/2020-04-27/sites-de-apostas-investem-cada-vez-mais-em-ligas-por-todo-o-mundo.html> Acesado em 24 ago 2020.

[2] Disponível em: <http://www.bicharaemotta.com.br/artigos/all-in-para-o-brasil-como-regulamentar-um-multibilionario-mercado-de-apostas-esportivas/> Acessado em 24 ago 2020.

[3] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/marco_jogos/index.html> Acessado em 24 ago 2020.

[4] Esse é um debate muito bacana sobre uma reformatio in mellius que teria promovido a Lei Federal nº 13.756/2018, revogando a Lei de Contravenções Penais, em especial o artigo 50, § 3º. O tema é defendido pelo querido Luciano Bandeira, com quem já tive a alegria de dividir mesa de debates sobre o assunto.

[5] Entenda-se como aqueles que controlam a exploração deste secular jogo nacional e terminaram, neste processo de marginalização, migrando para adicionar outras tantas condutas proibidas no seu currículo, associando-se ao mundo da criminalidade.

[6] Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-0442-91-marco-regulatorio-dos-jogos-no-brasil/documentos/audiencias-publicas/magnho-jose-santos-de-sousa> Acessado em 24 ago 2020.

[7] Inclusive, não avançarei na análise e investigação desta questão, porque em breve publicarei artigo em conjunto com Mariana Chamelette a respeito das interações entre apostas esportivas, criminologia e direito penal.

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