Em novembro passado, eclodiu no cenário esportivo a notícia de que, em Assembleia Geral Extraordinária, as 27 federações estaduais aprovaram uma profunda alteração no Estatuto da CBF (art. 28) no sentido de, a partir das próximas eleições, o presidente da entidade agora terá a possibilidade de exercer 3 (três) mandatos consecutivos, por meio de 2 (duas) reeleições. Até então, somente 1 (uma) reeleição era permitida. Como o atual presidente Ednaldo Rodrigues assumiu interinamente em 2021 e foi eleito em 2022 para um mandato de 4 (quatro) anos, caso se considere que o “mandato-tampão” não deve ser levado em conta para tal efeito, haveria a possibilidade de o atual mandatário permanecer no cargo até o ano de 2034, caso vença os pleitos. Em troca, as federações estaduais ficaram liberadas para decidir sobre o número de reconduções nos pleitos locais, pois o Estatuto da CBF deixa de prever a antiga limitação dos mandatos estaduais a, no máximo, 8 (oito) anos.
Como era de se imaginar, o efeito cascata foi imediato. A FERJ, de pronto, se apressou em também aprovar uma mudança estatutária que autoriza reeleições ilimitadas na entidade, o que certamente deverá ser seguido por outras federações.
Vale ressaltar que, embora as referidas deliberações sejam muito questionáveis sob o ponto de vista da moralidade e da impessoalidade, não são eivadas de ilegalidade. Isto porque, em primeiro lugar, a CBF é uma entidade privada, não sujeita aos mesmos princípios que regem a Administração Pública. No mais, por não receber dinheiro público, as federações não se sujeitam à limitação de 2 (dois) mandatos prevista da Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/23), além de que as entidades de administração do desporto gozam da autonomia constitucional prevista no art. 217 da Constituição Federal, no sentido da autorregulação, auto-organização e do autogoverno.
Embora as próximas eleições na CBF só ocorram em 2026, já em março deste ano deve ser fixada a data do pleito. Natural que as movimentações políticas já estejam no horizonte. Foi exatamente neste contexto que Ronaldo Fenômeno manifestou, em dezembro último, seu desejo de ser candidato à Presidência da entidade. O ex-jogador e campeão do mundo com a seleção brasileira manifestou o desejo de apresentar seus planos e projetos para a entidade, com o escopo de recuperar o prestígio do futebol brasileiro e deixar um legado agora na qualidade de dirigente. A questão que se coloca é a seguinte: independentemente de uma valoração qualitativa de seu projeto, o que seria prematuro neste momento, como Ronaldo deve proceder para viabilizar sua candidatura?
O ex-atleta poderá inscrever sua chapa e participar do pleito, mas terá um longo caminho pela frente. Isto porque o artigo 41 do Estatuto da CBF prevê que o registro da chapa deverá ser subscrito por, no mínimo, 8 (oito) integrantes do Colégio Eleitoral, sendo 4 (quatro) federações e 4 (quatro) clubes da primeira ou segunda divisões. A dificuldade é furar a bolha e obter os apoios necessários, lutando contra o uso da máquina por quem detém o poder. É sabido como a CBF, há décadas, lança mão dos campeonatos estaduais e da boa relação com as Federações locais para estabelecer uma espécie de curral eleitoral. Sendo assim, o ex-jogador terá de fazer política com muita habilidade até lá, valendo-se do seu prestígio para tal.
Além do mais, Ronaldo precisará se afastar de parte de seus negócios para evitar qualquer tipo de conflito de interesses. De imediato, será imperioso vender sua participação acionária no Real Valladolid, clube espanhol do qual é acionista majoritário, evitando-se, com isso, violar os Estatutos da CBF e da FIFA, que proíbem que dirigentes tenham vínculos com clubes. Ainda será preciso esclarecer a situação envolvendo a SAF do Cruzeiro, posto que nas últimas semanas vazou na imprensa a informação de que o ex-jogador ainda manteria vínculos negociais e jurídicos com o clube até 2035, figurando como uma espécie de credor fiduciário, o que lhe daria o direito de retomar as ações da SAF no caso de atraso de alguma das 11 (onze) parcelas do pagamento total de R$ 600 milhões devidas até o final daquele ano. Nos dois casos, o eventual conflito de interesses seria patente, pois Ronaldo manteria interesse direito e/ou indireto no bom desempenho e nos resultados esportivos das referidas agremiações.
Isto quereria dizer que, desconsideradas as vedações estatutárias e vencido o pleito, Ronaldo usaria do seu cargo necessariamente para buscar beneficiar os clubes com os quais ainda mantém algum tipo de vínculo? Obviamente que não, seria leviana qualquer afirmação nesse sentido. De qualquer forma, vale a velha máxima de não basta ser efetivamente honesto, é preciso parecer honesto. Trata-se de questão de credibilidade, valor inegociável.
Veremos como o cenário se delineia nos próximos meses.
De qualquer sorte, é hora de dar as boas-vindas à temporada 2025 do futebol brasileiro. Seguiremos repercutindo em nossa coluna os principais temas do esporte nacional e internacional sob o viés do direito desportivo. Que os jogos comecem!
Crédito imagem: CBF/Divulgação
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