Por Felipe Abrantes Rossetto[1] e Victor Targino de Araujo[2]
O mês de janeiro, verão brasileiro, normalmente remete a recesso e férias, sejam escolares, sejam laborais, inclusive no mundo do Futebol.
Assim, a expectativa do amante do Futebol em janeiro, além do mercado de transferências, claro, é, no máximo, acompanhar o início da Copa São Paulo de Futebol Júnior, competição em que jovens atletas se apresentam ao torcedor em busca de uma oportunidade de carreira.
Mas não em 2021.
Em decorrência da pandemia, a Copa São Paulo de Futebol Júnior foi cancelada, algo inédito desde 1987.
Da mesma forma, o calendário do futebol do ano de 2020 foi prorrogado para 2021, com previsão de jogos até o mês de fevereiro. Logo após, já se iniciará a nova temporada do ano de 2021, com o início dos estaduais.
E, diante desta nova dinâmica imposta pela pandemia, surge a dúvida: como ficarão as férias dos atletas profissionais de futebol, normalmente gozadas entre dezembro e janeiro, meses de recesso das atividades desportivas?
A Constituição Federal de 1988 garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais, no inciso XVII do artigo 7.º, o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.
E, quando a Constituição fala de todos os trabalhadores, inclusos estão os atletas profissionais de futebol.
A regra geral das férias, prevista na CLT, em seus artigos 129 a 152, prevê que a cada ano de serviço (período aquisitivo) o empregado terá direito a 30 dias de férias, que é reduzido de acordo com as faltas ao serviço. As férias são concedidas a critério do empregador nos 12 meses subsequentes à obtenção do benefício, quando deverá ser pago o adicional de 1/3 por força da norma constitucional.
Porém, a regra geral não se aplica aos atletas profissionais, por força do artigo 28, §4º, V da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), norma específica que rege a matéria da seguinte forma:
V – férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas.
(nota dos autores, quando o legislador falou em “abono de férias”, se referiu ao terço adicional previsto na Constituição).
Da leitura acima, é possível interpretar que ao atleta profissional não se aplica a regra do artigo 136 da CLT[3], portanto, eis que a concessão das férias não fica a critério do empregador, mas depende do calendário anual desportivo, que é editado pelas entidades de administração do desporto (CBF e Federações Regionais, no caso do futebol), eis que estas devem ser concedidas sempre junto ao recesso das atividades desportivas.
Da mesma forma, é garantido ao atleta profissional 30 (trinta) dias de férias anuais, independente do período aquisitivo anterior ao recesso de férias. A título de exemplo, um atleta que firma um contrato especial de trabalho desportivo em setembro, com previsão do recesso das atividades desportivas entre dezembro e janeiro, terá direito ao gozo de 30 (dias), ainda que não tenha decorrido o período de 12 meses previsto no artigo 130 da CLT. Neste caso, apenas a remuneração do terço adicional é que será proporcional ao período de vigência contratual decorrido até o momento da concessão.
Lição de Domingos Sávio Zainaghi:
“Esse artigo tem aplicação, por analogia, aos atletas profissionais de futebol, ou seja, contratados há menos de doze meses, gozarão de férias proporcionais, isto é, se um atleta celebrou contrato com um clube em 1º de junho, iniciando o recesso em 18 de dezembro, ele, mesmo sendo-lhe concedido trinta dias de descanso, somente terá direito a quinze desses dias, correspondendo a período de férias. Isso tem grande influência no que diz respeito à remuneração, já que, como visto, o atleta, nas férias, tem direito ao recebimento da remuneração acrescida de um terço. Portanto, no caso aqui explicado exemplificado, o atleta fará jus a quinze dias de férias acrescidas de um terço, e quinze dias sem esse acréscimo. ”[4]
Entretanto, o atípico ano de 2021 não teve o recesso das atividades desportivas em dezembro/janeiro, como de costume por aqui (na Europa e nos Estados Unidos, o calendário desportivo normalmente prevê o recesso anual entre junho e agosto, verão por lá). Especificamente, diante da pandemia de 2020, a grande maioria dos clubes brasileiros antecipou a concessão o período de férias anuais para os meses de abril e maio de 2020, quando houve a suspensão / recesso das competições desportivas mundo afora, retomando os treinamentos em junho / julho.
E, diante desta excepcionalidade, uma polêmica entra em pauta: com a previsão de encerramento da temporada de 2020 para o fim de fevereiro de 2021 (Campeonato Brasileiro – série A e B) e a previsão de início do calendário 2021 logo em seguida, sem recesso imediato de atividades, os atletas só gozarão de férias em dezembro de 2021.
Assim, os atletas que fruíram férias em 2020 terão de trabalhar aproximadamente 18 (dezoito) meses até a concessão do próximo período de férias, o que, em tese, lhes geraria um crédito de férias proporcionais indenizadas.
Em tese. Isso porque o período aquisitivo do atleta equivale à temporada em vigência, já que a lei faz expressa remissão ao recesso desta como período concessivo. E a temporada desportiva não supera o período anual. Ou seja, sempre há um recesso de 30 (trinta) dias por ano, no mínimo. Essa é a lógica do artigo 28, § 4.º, V, da Lei Pelé.
Agora, porém, a temporada de 2020 superou o interregno anual, adentrando a 2021. Deve a entidade de administração do desporto ter o cuidado, então, para que a temporada de 2021, seja inferior a 1 (um) ano, assegurando o recesso de 30 (trinta) dias em dezembro.
Se isso ocorrer, ainda que os atletas venham a trabalhar mais do que 1 (um) ano em sequência para poderem fruir férias novamente (aproximados 18 meses), o contexto de força maior (que levou à antecipação das férias de 2020) e o fato de que a Temporada de 2021 será inferior a 12 (doze) meses (março a dezembro) possibilitam argumentar que não haverá saldo de férias proporcionais a ser fruído ou indenizado.
Com efeito, se os atletas fruíram de férias anuais de 30 (trinta) dias no recesso de 2020, excepcionalmente antecipado pela pandemia, e fruirão de férias anuais de 30 (trinta) dias no recesso de 2021, respeitada estará a Lei Pelé, estando assegurados descansos anuais de, no mínimo, 30 (trinta) dias, nos respectivos períodos concessivos legais.
Portanto, caso o calendário desportivo de 2021 venha a respeitar o recesso desportivo anual de 30 (trinta) dias, em dezembro de 2021, não haverá saldo de férias a indenizar aos atletas, ainda que tenham transcorrido aproximadamente 18 (dezoito) meses entre cada concessão.
De qualquer modo (e cientes das dificuldades em contemplar tantas competições num ano “curto”), é recomendável, claro, a inserção de ao menos uma janela no calendário, a fim de permitir com que os clubes possam melhor dispor das férias anuais devidas a seus atletas, podendo segmentá-las em 2 (dois) períodos, por exemplo, à dicção do artigo 139, § 1.º, da CLT[5], cuja redação não se mostra incompatível à Lei Pelé, caso o recesso das atividades desportivas seja segmentado (ou, mesmo, ampliado) pela entidade de administração do desporto.
Portanto, ainda que, a princípio, seja possível argumentar pela inexistência de saldo de férias proporcionais indenizadas no atípico calendário de 2020-2021 (se respeitado o recesso de 30 dias previsto para dezembro de 2021), a sugestão é, a despeito das dificuldades de compreender o calendário tão apertado que é o do futebol, pela inserção de uma janela de 10 (dez) dias, para que os clubes possam, discricionariamente, assegurar a seus atletas a fruição o período de férias anuais que lhes é devido por lei, mitigando, ainda mais, o risco de eventual (e custosa) indenização proporcional adicional.
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[1] Advogado em Direito do Trabalho e Direito Desportivo no Santos Futebol Clube. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-graduando em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia.
[2] Advogado e Consultor em Direito Desportivo e Direito do Trabalho no Esporte. Especialista em Direito Desportivo pela PUC/SP, MBA em Gestão Desportiva e Direito pelo ISDE, Barcelona. Professor na CBF Academy e no MBA em Gestão do Esporte na UNIP. Consultor jurídico e de recursos humanos na E-Flix eSports.
[3] Art. 136 – A época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador.
[4] Zainaghi, Domingos Sávio. Os Atletas Profissionais de Futebol no Direito do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo: LTR, 2018.
[5] CLT, Art. 139 (…) § 1º – As férias poderão ser gozadas em 2 (dois) períodos anuais desde que nenhum deles seja inferior a 10 (dez) dias corridos.