As infrações em espécie no CBJD (parte V.2): das infrações relativas à administração desportiva, às competições e à Justiça Desportiva

Chegamos à sexta da série de colunas tratando das infrações em espécie na Justiça Desportiva, quais sejam, aquelas reguladas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Na última semana, iniciamos o enfretamento do capítulo que trata das infrações relativas à administração desportiva, às competições e à justiça desportiva, compreendido entre os arts. 191 e 219. Dado o elevado número de infrações previstas, dividimos o estudo em duas colunas. Desta vez, finalizaremos o referido capítulo comentando os principais tipos infracionais a partir do art. 207. Vamos a eles.

O art. 207 trata da convocação dos atletas para as seleções nacionais e, basicamente, se ocupa de dar concretude à previsão do RSTP da FIFA (anexo 1), replicada na LGE (art. 92), no sentido de que os clubes são obrigados a liberar seus atletas convocados para defender suas seleções nacionais nas janelas internacionais (datas FIFA), cujo calendário é divulgado com antecedência pela entidade máxima do futebol para um período de 4 ou 8 anos, sob pena de sofrerem sanções do sistema associativo (multa e proibição de utilizar os atletas por um período adicional de até 5 dias após o término da janela). No âmbito interno, o CBJD, então, pune com multa o clube que ordenar ao atleta que deixe de atender à convocação feita por federação nacional ou que se omitir, de qualquer modo, para dificultar sua apresentação, já que o clube é responsável por intermediar junto à respectiva federação a tomada de providências para viabilizá-la. Como se nota, a conduta do clube denunciado pode ser tanto comissiva como omissiva, sendo que, no primeiro caso, o clube interfere indevidamente na interação entre o clube e a entidade de administração convocadora, podendo tal conduta, em última análise, caracterizar até assédio moral do empregador, com naturais repercussões na seara trabalhista.

Os arts. 211 e 213 tratam de tipos afins, de modo que muitas vezes os clubes acabam denunciados com base nas duas previsões, em concurso de infrações. Refletem a preocupação com a segurança, a ordem e a organização do evento esportivo, indo ao encontro das previsões do velho Estatuto do Torcedor (revogado) e da atual Lei Geral do Esporte, e colocam em relevo a responsabilidade do clube mandante naquela seara.

O art. 211 pune com multa e possível interdição da praça esportiva o clube que deixar de manter o local que indicou para a realização do evento com a infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para sua realização ou que não garantir acesso ao referido local ou aos vestiários à delegação visitante. Exemplos da infração em tela seriam, a título de exemplo: o clube mandante deixar de oficiar as autoridades de segurança requisitando efetivo policial para a disputa da partida; deixar de contratar seguro de acidentes pessoais para os torcedores que adquiriram ingressos; deixar de contratar stewards para garantir segurança adicional ou de disponibilizar médicos e ambulâncias para atender o público em caso de necessidade.

O art. 213, por sua vez, trata da conduta omissa de deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir desordens, invasão ou lançamento de objetos (copos, sinalizadores, calçados, etc.) em campo. A pena é de multa e, quando o evento for considerado de elevada gravidade, o clube mandante pode ser punido com perda de mando de campo por até 10 partidas. O clube visitante também fica sujeito à punição caso sua torcida tenha contribuído para a baderna. De qualquer maneira, os clubes podem se isentar de responsabilidade em caso de identificação dos responsáveis e lavratura de boletim de ocorrência contemporâneo à partida, o que romperia o nexo causal. Para tal, os clubes têm investido em campanhas educativas, biometria facial, instalação de câmeras de alta resolução e contam até, muitas vezes, com a colaboração dos bons torcedores que denunciam os “brigões”, o que corrobora o fato de que não basta requisitar força policial e “lavar as mãos”, é preciso que os clubes atuem ativamente na prevenção e repressão aos vandalismos, uma vez que sua responsabilidade é objetiva.

Em seguida, o art. 214 trata de infração relativamente comum, nem sempre intencional, mas que gera consequências graves ao andamento das competições. Trata-se da escalação irregular de atleta, que seria aquela em situação que, mesmo sem condições de jogo, aquele é incluído na equipe e/ou na súmula da partida. As duas situações mais comuns envolvendo a referida infração seriam aquelas nas quais: a) o atleta escalado ainda não teve o nome lançado ou publicado no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF ou da respectiva entidade de administração do desporto (o mesmo tem o seu contrato válido, devidamente registrado na federação, mas lhe falta “condição de jogo”); b) o jogador é incluído na partida mesmo estando suspenso por acumulo de cartões ou por punição imposta pela justiça desportiva. Não é preciso entrar efetivamente em campo: basta que o atleta conste na súmula, ficando à disposição no banco de reservas.

Quando vigorava o antigo Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), a punição principal era a transferência automática dos pontos da partida para o adversário (art. 301), o que prejudicava a noção de mérito esportivo e causava transtornos a terceiros. O imbróglio envolvendo a escalação irregular do atleta Sandro Hiroshi do São Paulo no Campeonato Brasileiro de 1999 e suas consequências (o rebaixamento do Gama/DF para a série B) é bastante ilustrativo e marcou a história do futebol brasileiro. Mudanças eram necessárias no regramento disciplinar.

Até que o CBJD foi reformado para que, na versão atual, haja a perda, por parte do clube infrator, do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória (independentemente do efetivo resultado da partida), além de que os pontos eventualmente obtidos por aquele não serão computados, sem prejuízo da fixação de multa. Privilegia-se o resultado da disputa, que fica mantido para efeito de tabela (embora o clube infrator não possa se valer do mesmo para efeito de critérios de desempate), não beneficiando automaticamente o adversário, que só fica com os pontos porventura conquistados dentro de campo. Supondo que a partida na qual tenha ocorrido a escalação irregular de um atleta tenha terminado em empate, o infrator perderá 3 pontos e não ganhará o ponto relativo ao empate e o adversário somará somente 1 ponto. Caso o clube punido não tenha pontuação suficiente, poderá ficar com pontos negativos na tabela de classificação (pontos corridos). Do contrário, caso a competição seja disputada no sistema “mata-mata”, o clube infrator será excluído da mesma.

Temos defendido que, para efeito preventivo, seria preciso criar uma espécie de “passaporte” eletrônico, atualizado diariamente, sob controle das federações e dos tribunais desportivos, onde constassem informações sobre punições pendentes, acúmulo de cartões, registro de contratos e/ou publicação (ou ausência de) no boletim informativo correspondente. Caso ali constasse que o atleta não tem condições de jogo, a própria arbitragem não permitiria sua inclusão em súmula. Trata-se de medida simples, que preveniria a ocorrência da infração constante do art. 214, a qual já acabou por decidir campeonatos, além de que evitaria a onda de denuncismos nas rodadas finais das competições. Sempre nos pareceu inconcebível o fato de que um atleta irregular ou até um “curioso” poder livremente ser escalado e entrar em campo sem ser barrado.

O art. 216 prevê como infração disciplinar o ato de celebrar contrato de trabalho com dois ou mais clubes, com tempo de vigência sobrepostos, levados a registro. O sujeito ativo, naturalmente, é o atleta que celebra contratos de trabalho concomitantes com mais de uma equipe, cuja duplicidade fere a boa-fé contratual e compromete a noção de segurança jurídica que deve permear tal esfera. A pena é de suspensão por tempo determinado e multa. Também ficam sujeitos à mesma punição aquele que requerer sua inscrição por mais um clube (ou omitir sua vinculação a outra agremiação no pedido de inscrição) ou o próprio clube que celebrar, no mesmo ato, dois ou mais contratos de trabalho consecutivos com o mesmo atleta, para períodos seguidos.

Pela legislação nacional, o contrato especial de trabalho desportivo (CETD) tem duração mínima de 3 meses e máxima de 5 anos (art. 86 da LGE). Naturalmente, eventual celebração de novo contrato requer o exaurimento daquele em vigor, sua renovação ou a realização de uma novação, o que permite que um atleta permaneça no mesmo clube durante toda sua carreira. O que não se admite é que, por exemplo, como tentativa de burla à lei, que sejam celebrados, no mesmo ato, um contrato de 5 anos e outro de 3, totalizando 8 anos. Cumpre ressaltar ainda, que um atleta que assina um pré-contrato com outro clube nos últimos 6 meses de vigência da avença atual não incorre nas penas do art. 216, posto que tal conduta é permitida na legislação internacional da FIFA após a extinção do instituto do passe como repercussão do caso Bosman.

Por fim, chegamos à previsão do art. 219, que pune com multa e suspensão por tempo determinado aquele que danificar praça de desportos, sede ou dependência de clube. O tipo é comissivo e exige dolo. Embora o dispositivo tenha um relevante escopo de proteção, neste caso patrimonial, seu alcance é limitadíssimo, tendo que tal infração, em tese, seria normalmente cometida por torcedores (multidões), que não são jurisdicionados do CBJD (art. 1º) e não responderão desportivamente, o que somente ocorrerá perante os canais judiciários tradicionais nas esferas cível e/ou criminal.

Na próxima semana, adentraremos o último capítulo relativo às infrações disciplinares previstas no CBJD, desta vez tratando da proteção à ética no esporte.

Crédito imagem: Getty Images

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