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As vantagens competitivas da química coletiva

Por Fabio Araujo

É comum afirmar que, no futebol, ao adicionar atletas de talento em equipe, as chances de vitória dentro de campo aumentam consideravelmente. No entanto, estudos acadêmicos comprovou que, em esportes com alto grau de interdependência como o futebol, talento funciona como fator positivo de performance do time até certo ponto ideal. A partir desse patamar, surge o chamado “efeito de talento excessivo” e conflitos de coordenação e liderança surgem com frequência.[1] Para evitar que esse e outros efeitos nefastos possam interferir no desempenho esportivo, o aprimoramento entrosamento coletivo (“team chemistry”) de atletas de um mesmo time tem surgido como fator indispensável na busca pelo alto rendimento.

Em estudo divulgado em 2018, pesquisadores afirmam que jogadores com fortes relações pessoais e que tenham histórico de experiências conjuntas melhoram o conhecimento de hábitos individuais, técnicas e habilidades dos colegas de equipe, aumentam o entrosamento do time e melhor entendem a estratégia coletiva.[2] Em outras palavras, o “team chemistry”, não importa o esporte, parece ser essencial para melhorar as chances de vitória dentro do campo.

“Team chemistry” é fator de vantagem competitiva em indústrias diversas, porém, o ganho adicional produzido no futebol é ainda mais evidente, visto que a interdependência entre jogadores é elemento essencial da natureza do esporte. Talento resolve, mas não resolve sozinho. Por isso, intensificar diretrizes como assegurar que os jogadores que façam parte do elenco carreguem os mesmos valores pessoais e profissionais, assegurar o tratamento igualitário entre atletas e, principalmente, fomentar relacionamentos interpessoais vão contribuir para a solidificação da química coletiva que trará benefícios adicionais na busca pela vitória.

É recomendado que as diretorias tenham sempre presentes os valores de suas equipes e que trabalhem intensamente esses princípios, sempre no intuito de alimentar o entrosamento e a coletividade. Ao formar elenco de jogadores que carregam os valores que se espera de um “team player”, facilita-se o trabalho de potencialização da química coletiva.

Atletas necessitam de tempo para desenvolver familiaridade e relacionamentos com outros membros do grupo para maximizar suas performances. Assim, o tempo empreendido com atividades fora de campo que incrementem a integração e o senso de coletividade dos jogadores é tão importante quanto os treinamentos voltados para aprimorar a técnica e o entrosamento tático da equipe. Por isso, contratar jogadores descomprometidos com a cultura imposta pelo clube, simplesmente porque o atleta é habilidoso com a bola nos pés, não trará os resultados esperados. Mesmo que os jogadores de uma equipe nunca tenham atuado juntos, essas iniciativas contribuirão para transformar o comprometimento com a equipe em alta performance em tempo relativamente curto.

O Philadelphia 76’s, time de basquete da NBA, durante quatro temporadas seguidas foi acusado de perder jogos de propósito com o intuito de beneficiar-se do sistema de “draft” de jogadores para a liga. Muitos críticos do suposto método utilizado pelo time afirmavam que as derrotas – 253 em 328 possíveis durante quatro anos de temporadas regulares – iriam consolidar uma cultura perdedora com efeitos nefastos na reconstrução da organização, mesmo que jogadores de alta qualidade técnica fossem recrutados nos “drafts”. Enquanto o número de derrotas acumulava, os administradores do “Sixers” apostavam em medidas que visavam garantir a solidificação do entrosamento pessoal entre os atletas, além de manterem elevadas a motivação e as aspirações da equipe. Como consequência, o que o mundo via como um time desesperançado e fraco, a equipe, embora ciente de suas limitações, estava concentrada em transformar a experiência desastrosa em quadra em aprendizado para cultivar uma mentalidade vitoriosa e construir senso de coletividade entre os atletas.

A direção do time priorizou palestras frequentes com celebridades locais para reforçar a identidade e comprometimento do time com a cidade, além de organizar aparições regulares de pessoas que superaram situações desfavoráveis, como ex-condenados que cumpriram penas privativas de liberdade injustamente. Mais importante, pelo menos uma vez por mês, toda a organização se renuía para café da manhã, no qual atletas preparavam apresentações aleatórias em PowerPoint, mas que possuíam algum relevante significado pessoal para que o atleta pudesse apresentar para todo o time.

O Philadelphia transformou em “team building” uma das vocações humanas mais básicas: todos querem contar a sua história. O sucesso da equipe – que conta com três titulares menores de 25 anos – nas duas últimas temporadas é atribuído às medidas tomadas pela direção e comissão técnica durante o período de consecutivas derrotas. É claro que o talento da equipe fala alto em quadra, porém a confiança coletiva da equipe é destacada por todos na organização.[3]

A discussão sobre a possibilidade de forjar “team chemistry” no futebol ainda não tem opinião uníssona. O próprio conceito de “química” é nebuloso na indústria esportiva. No entanto, é comumente aceito que um time, mesmo que repleto de talentos, não encontrará sucesso se o entrosamento interpessoal coletivo não for trabalhado intensamente. Embora muitos acreditem que a química entre atletas de uma equipe seja evento marcado pelo acaso, é inegável que buscar reunir jogadores de valores profissionais e pessoais que estejam em sintonia com os princípios tidos como essenciais ao clube, contribui para a unir o grupo em nível de afinidade que vai além do entrosamento tático.

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[1] https://www.psychologicalscience.org/news/minds-business/the-trouble-with-too-much-talent.html

[2] Mukherjee, Satyam & Huang, Yun & Neidhardt, Julia & Uzzi, Brian & Contractor, Noshir. (2018). Prior shared success predicts victory in team competitions. Nature Human Behaviour.

[3] “All of that was a time of learning, a time of progression, a time of really seeing the type of person you can become when you endure hard time,” says Covington, who started 165 games for the Sixers during the lean years. That journey made us who we are. The 18-win season, the 10-win season. All that, it built us up for this moment.” In Arnovitz, K. (2018, April 19). Pythons and PowerPoints: How the Sixers cracked the culture code. Disponível em https://6abc.com/sports/pythons-and-powerpoints-how-the-sixers-cracked-the-culture-code/3365328/

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Fabio Araujo é vice-cônsul do Consulado Geral do Brasil em Santa Cruz de la Sierra, mestre em Gestão Esportiva pela Columbia University (EUA), mestre em Direito Esportivo Internacional pelo Instituto Superior de Derecho y Economía (ESP).

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