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Aspectos peculiares da relação de emprego dos atletas profissionais: o caso Gabigol e o caso Coman

A tábua de obrigações a que está sujeito o atleta profissional, revela as peculiaridades a que se devem subordinar as atividades desportivas, escapando ao regime do contrato comum de trabalho” (LYRA FILHO, João – 1952)

Dois fatos que chamaram a atenção nesta semana diziam respeito a relação contratual de atletas com os seus clubes empregadores, nada obstante a diferença de gravidade das infrações e a reação de cada entidade de prática desportiva.

De acordo com notícia divulgada no site Lei em Campo, o atacante Gabigol protagonizou grande polêmica por ter sido flagrado pela polícia em um cassino clandestino em São Paulo, desrespeitando as medidas sanitárias impostas pelo governo paulista no combate à Covid-19. As duzentas pessoas flagradas nessa condição foram levadas para a Delegacia de Crime contra a Saúde Pública e assinaram um termo se comprometendo a prestar depoimentos futuros[1].

Em outro caso, que ao contrário do primeiro não colocou em risco a saúde de outras pessoas, o atleta Coman foi multado pelo Bayern de Munique em 50 mil euros pelo fato de ter comparecido nos treinos com um carro da Mercedes-Benz. Contudo, desde janeiro de 2020, todo o elenco do time deve comparecer ao centro de treinamento e eventos oficiais da equipe apenas em veículos da Audi, patrocinadora do clube e que detém 8,33% das ações do Bayern de Munique.

De acordo com o site globoesporte, os jogadores do clube recebem carros da Audi de presente. O contrato deverá vigorar até 2029 e rende 50 milhões de euros por ano ao time alemão. A seguradora que dá nome ao estádio da equipe e a fornecedora de material esportivo também são acionistas[2].

As situações são distintas, porém ambas relacionadas com as peculiaridades que envolvem o contrato de trabalho do atleta profissional.

Em relação ao primeiro caso, nada obstante o fato do atleta estar em gozo de férias naquele momento, estamos diante de infrações que envolvem a possível prática de contravenção penal e violação do dever de recolher obrigatório e não observância de medidas sanitárias impostas para a contenção da Covid-19.

Mesmo que o jogador esteja em momento de lazer ou sem compromisso profissional, não se pode perder de vista que o atleta é exemplo para as pessoas e principalmente jovens crianças e o respeito às normas de isolamento poderia ser incentivada por esses profissionais.

O contrato de trabalho desportivo está situado na área limítrofe do Direito do Trabalho com o Direito Desportivo, em constante tentativa de equilíbrio entre a lógica da tutela trabalhista e a lógica que envolve as competições desportivas

O art. 35 da Lei Pelé enumera, de forma não taxativa – e por isso exemplificativa –, quais são os deveres dos atletas e dentre eles consta o de exercer a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas, bem como o de preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas.

Por seu turno, não se pode perder de vista a aplicação subsidiária da CLT, em especial o seu art. 482, quando trata da incontinência de conduta do atleta profissional, devendo ser consideradas circunstâncias ligadas ao seu comportamento moral e social.

Em relação ao atleta Coman, correta está a atitude do clube ao punir o atleta por um descumprimento contratual, tendo em vista os compromissos assumidos com o patrocinador e acionista.

Ressalte-se que sequer pode ser invocada, na defesa do atleta, uma preferência pessoal por determinada marca de veículo, tendo em vista a própria vida do atleta passa ter severas restrições no campo individual quando se abraça essa carreira.

As peculiaridades das obrigações contratuais do atleta profissional e a “variedade das prestações a que este está sujeito”, correspondem a vários tipos de contratos, sendo que “tais obrigações não dependem apenas da vontade das partes que celebram o instrumento”.[3]

Tal assertiva traduz, com precisão, os aspectos multidisciplinares da relação mantida entre o atleta, enquanto empregado e o seu clube, enquanto empregador e foi cunhada há mais de 70 anos (!!!) pelo célebre João Lyra Filho, mas permanece atualíssima.

Outrossim, além das cláusulas que prevalecem com o instrumento contratual e com as disposições dos regulamentos das entidades desportivas de hierarquia superior, o clube pode determinar a adesão de outras normas originárias de seus próprios regulamentos internos. Não há sequer a contrapartida de um estatuto em que se definam os direitos e as concessões inerentes as atletas, em face de suas relações com as entidades desportivas, como acontece nas próprias relações entre o Estado e os servidores públicos.

Nota-se, portanto, que os deveres do atleta são amplos e abrangentes e não se limitam aos preceitos da lei especial desportiva (Lei Pelé) e da lei ordinária trabalhista (CLT), pois este se estende a outras fontes e normas decorrentes do contrato especial de trabalho desportivo.

……….

[1] Disponível em: https://leiemcampo.com.br/alem-do-flamengo-quem-mais-poderia-punir-gabigol-por-episodio-do-cassino-clandestino-especialistas-explicam/ Acesso realizado em 16.03.2021.

[2] Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-alemao/noticia/coman-e-multado-pelo-bayern-por-ir-ao-treino-com-carro-de-concorrente-de-patrocinador.ghtml . Acesso realizado em 16.03.2021.

[3] LYRA FILHO, João – “Introdução ao Direito Desportivo” – Irmãos Pongetti Editores – p. 318.

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