No último texto da coluna em 2024, comentamos sobre o compromisso assumido por Bill Belichick junto à universidade de North Carolina.
Uma das mais consagradas instituições do basquete universitário norte-americano e lar de Michael Jordan antes da chegada à NBA, a UNC, como é popularmente conhecida, buscou em Belichick a grife e a autoridade de um profissional que venceu oito vezes o Super Bowl.
Nesta semana, quando a CBS reportou que ainda não há um contrato formalmente assinado entre o treinador e a UNC, começou-se a especular sobre a “zona cinzenta”, em termos jurídicos, que pode levar a um complicado litígio: afinal, o que acontecerá se Belichick decidir abortar o projeto no College e retornar ao futebol americano profissional?
Quando o acordo com a UNC foi anunciado, divulgou-se que o treinador receberia US$ 10 milhões anuais durante cinco anos. O que mais chamou a atenção, contudo, foi a estrutura estabelecida em relação à multa rescisória.
Para deixar a universidade até 1º de junho de 2025, Belichick teria de pagar US$ 10 milhões. Daí em diante, a multa cairia para US$ 1 milhão.
Seria esse arranjo uma manobra articulada para um retorno à NFL já na próxima temporada? É o que muitos se perguntam.
Acredita-se que Belichick tenha assinado, até o momento, apenas um documento chamado Proposal of Contract Terms and Conditions, que costuma conter os seguintes dizeres (ou algo equivalente):
“As partes declaram que a aceitação desta proposta não constitui um acordo vinculante e que pretendem, rapidamente e de boa-fé, consolidar em um contrato completo e definitivo os termos e condições aqui estabelecidos”.
Não é incomum, no futebol americano universitário, que exista um intervalo de tempo considerável entre a aposição do “de acordo” em uma proposta e a celebração do instrumento contratual propriamente dito. E é fato que Belichick está efetivamente trabalhando no recrutamento de atletas e na montagem da comissão técnica de UNC.
Porém, sem fazer juízo de valor em relação ao caráter do treinador, o histórico de Belichick deixa dúvidas sobre a continuidade ou não dele na Carolina do Norte.
Quer saber o porquê?
Prepare-se para conhecer um dos capítulos mais fascinantes dos 106 anos de história da NFL…
Bill Belichick e Bill Parcells começaram a trabalhar juntos no New York Giants em 1981. Parcells era o coordenador defensivo e Belichick era um de seus auxiliares.
Quando Parcells foi promovido a treinador principal do Giants em 1983, Belichick foi convidado a permanecer na comissão técnica, primeiro como treinador de linebackers, depois como coordenador defensivo.
A defesa montada por eles, apelidada de Big Blue Wrecking Crew, venceu o Super Bowl nas temporadas de 1986 e 1990 e é considerada, até hoje, uma das mais dominantes que a NFL já viu.
Dali em diante, os caminhos dos “dois Bills” se separaram. Em 1991, Parcells se aposentou e virou comentarista da NBC, enquanto Belichick deixou o Giants para se tornar o treinador principal do Cleveland Browns.
O reencontro ocorreu em 1996, quando Parcells, que retornara da aposentadoria em 1993 para treinar o New England Patriots, escolheu Belichick para ser, novamente, o seu coordenador defensivo.
Apesar de levar o time até o Super Bowl, em que foi derrotado pelo Green Bay Packers, Parcells manteve, durante todo o período em New England, uma relação tensa e difícil com a família Kraft, proprietária da franquia.
O treinador queria mais autonomia para tomar as decisões esportivas, mas não conseguia. Naquele cenário, ficou famosa uma frase de Parcells que sintetizava o sentimento dele em relação à disputa por poder com os Kraft:
“Se eles querem que você cozinhe o jantar, pelo menos deveriam deixar você escolher os ingredientes no mercado“.
Sem ambiente no Patriots, Parcells foi chamado para treinar o New York Jets. Belichick seria, pela terceira vez, o coordenador defensivo. A mudança para um rival de divisão, entretanto, causou controvérsia.
Bill Parcells queria assumir imediatamente como treinador principal do Jets, o que era vedado pelo contrato ainda vigente com o Patriots. A equipe de New England, então, suscitou junto à NFL a ocorrência de violações às regras de contratação de treinadores.
Coube à liga mediar o conflito. A composição obtida foi esta: Parcells exerceria apenas uma função de consultor do Jets ao longo de 1997 e Belichick ficaria como treinador principal; em 1998, Parcells assumiria o cargo para o qual, no fundo, havia sido contratado. Além disso, o Patriots receberia, como compensação, escolhas de draft enviadas pelo time de Nova Iorque.
Ocorre que, no final de 1999, Parcells decidiu se aposentar novamente do cargo de treinador principal. Quem seria o substituto? Ele mesmo, Bill Belichick, que continuava integrado à comissão técnica do Jets.
E é aí que o caso ganha o seu mais interessante e pitoresco detalhe…
Em 4 de janeiro de 2000, um dia depois se ser efetivado e durante a coletiva de imprensa em que seria oficialmente apresentado, Belichick surpreendeu a todos ao mostrar um guardanapo de papel em que estava escrito:
“Eu renuncio ao cargo de treinador principal do New York Jets.”
O guardanapo foi entregue aos dirigentes e Belichick utilizou a entrevista coletiva para expor suas razões, alegando, em resumo, que não se sentia confortável com a forma como a franquia era conduzida.
Após “rescindir” com o Jets por meio da declaração no guardanapo de papel, Belichick foi procurado pelo Patriots, o que causou revolta em Nova Iorque. A rigor, o treinador ainda estava sob contrato.
Para resolver o imbróglio, foi a vez de o Patriots enviar escolhas de draft ao Jets para poder contar com Belichick. O resto desse roteiro você já conhece…
Graças ao episódio da “rescisão” em um guardanapo de papel, jamais saberemos se o Patriots, com Tom Brady, mas sem Belichick, teria se tornado a dinastia que se tornou, vencendo seis Super Bowls neste século.
Tampouco nos é dado saber se o Jets teria sido uma potência sob as rédeas de Belichick e se ele seria considerado, como é, o maior treinador da NFL em todos os tempos.
Pode ser que Bill Belichick cumpra normalmente o seu contrato com a UNC.
Ou pode ser que ele decida treinar o Las Vegas Raiders, o que vem sendo veiculado pela mídia dos Estados Unidos.
Se essa última hipótese ocorrer, aliás, teremos um dos maiores plot twists que o esporte já presenciou: Tom Brady, que foi comandado por Belichick durante vinte temporadas, é, justamente, um dos acionistas do Raiders.
Enfim, em meio a todas essas incertezas, a única certeza que temos é que esta era a oportunidade perfeita para retomar o extraordinário caso da “rescisão” em um guardanapo de papel.
Crédito imagem: Getty Images
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