Há algum tempo venho dizendo nesse espaço que os dirigentes precisam ser pessoalmente responsabilizados pelos casos de gestão temerária, conforme a própria Lei 9.615 já prevê desde 2011. Mais do que o debate do clube empresa, o debate sobre a responsabilização pessoal dos gestores é crítica para o processo de profissionalização do futebol brasileiro.
E no meio de tanta crise aparece uma luz. O Cruzeiro, afundado em dívidas, parece buscar se socorrer do que a lei determina e incluir aos antigos dirigentes no polo passivo dos processos que enfrenta. Isso pode representar uma revolução no modo de agir dos dirigentes daqui em diante.
O comportamento administrativamente irresponsável prevalecia pela sensação de que o indivíduo jamais seria atingido. É uma sensação similar àquela que motivam torcedores organizados a praticar atos de violência. Caso as punições comecem a ser aplicadas e os dirigentes passem a ser responsáveis por seus atos de gestão, esse sentimento tende a desaparecer.
Mais do que isso, dirigentes complacentes com gestões temerárias anteriores podem temer que deixar de aplicar o que a lei garante seja também considerado um ato de gestão temerária de sua parte, podendo representar risco para seu próprio patrimônio. E esse risco sabidamente faz com que os gestores sejam mais cautelosos em suas decisões, algo que já é bastante conhecido no universo empresarial.
A crise hoje observada no Cruzeiro deve se repetir em alguns outros clubes, em razão da pandemia de Covid-19 e de seus reflexos financeiros. E ainda que seja difícil caracterizar os problemas atuais como gestão temerária, dada a imprevisibilidade da pandemia, atos anteriores podem vir a ser cobrados agora. A difícil missão de identificar o que é decorrente de gestão temerária e o que é reflexo da pandemia, logo, imprevisível, caberá aos julgadores, no judiciário ou na CNRD, a depender de cada caso.
O Cruzeiro deu o exemplo, os outros clubes deverão decidir se querem seguir no caminho positivo de profissionalização e responsabilização da administração ou se seguirão tratando o futebol como propriedade privada. Nesse caso, a chance de vermos clubes tradicionais afundando de forma definitiva se torna cada vez maior.