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Cântico discriminatório: Série B do Brasileiro

No último jogo entre Remo e Goiás, pelo campeonato brasileiro da série B, parte da torcida remista entoou cânticos homofóbicos para um dos atacantes da equipe goiana que havia trabalhado no arquirrival local, Paysandu.

A priori, o art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) tipifica condutas homofóbicas como discriminatórias para fins de sanção disciplinar diretamente aos submetidos à competência material da Justiça Desportiva, conforme o previsto em seu art. 1o, quais sejam: federações, confederações, clubes, jogadores, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e pessoas naturais que trabalhem na gestão/administração das entidades desportivas filiadas (federadas).

O raciocínio acima segue uma linha de coerência acerca do estabelecido no art. 217, § 1o e § 2o, da CF/88, na medida em que somente as pessoas jurídicas e naturais vinculadas ao sistema federativo são jurisdicionadas pela Justiça Desportiva, a incidir o seu respectivo processo desportivo (arts. 49 a 55, da Lei n. 9.615/98).

Nesse amálgama, a torcida, em parte ou em sua totalidade, não é jurisdicionada pela Justiça Desportiva, mas é submetida normalmente às apenações contidas no Estatuto de Defesa do torcedor, às sanções penais e cíveis regidas pelas demais Leis e o Poder Judiciário.

Entretanto, para que não houvesse injustiça e falta de justa medida plena sobre os reflexos negativos que uma torcida pode causar nas competições e vivência diuturna da prática desportiva formal, há algumas condutas infratoras que são tipificadas reflexivamente sobre o clube da torcida transgressora.

É o que ocorre nesse caso em análise, afigura-se uma tipicidade de infração desportiva reflexiva sobre o clube quando parte da torcida do remo entoa cânticos homofóbicos (discriminatórios) sobre um atleta do time adversário. Ilustra-se no art. 243-G, §§ 2o e 3o:

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

  • 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
  • 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
  • 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 170. Às infrações disciplinares previstas neste Código correspondem as seguintes penas:

I – advertência;

II – multa;

III – suspensão por partida;

IV – suspensão por prazo;

V – perda de pontos;

VI – interdição de praça de desportos;

VII – perda de mando de campo;

VIII – indenização;

IX – eliminação;

X – perda de renda;

XI – exclusão de campeonato ou torneio.

  • 1º As penas disciplinares não serão aplicadas a menores de quatorze anos.
  • 2º As penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas de prática não-profissional.
  • 3º Atleta não-profissional é aquele definido nos termos da lei.
  • 4º As penas de eliminação não serão aplicadas a pessoas jurídicas. (AC).
  • 5º A pena de advertência somente poderá ser aplicada uma vez a cada seis meses ao mesmo infrator, quando prevista no respectivo tipo infracional. (AC).

Se extrai dos dispositivos em evidência, que se a torcida de um clube, em parte ou totalmente, entoa cânticos discriminatórios em razão do sexo, o seu próprio clube pode ser processado e apenado com perda de pontos da partida, multa pecuniária, e em situações de gravidade, repercussão, comoção social, pode ainda perder o mando de campo e ser excluído da competição.

Em matéria de cânticos discriminatórios, existe até precedente na Justiça Desportiva, em um caso envolvendo o Grêmio. Na ocasião a torcida gremista ecoou sons discriminatórias em razão da etnia/raça (art. 243-G, caput, do CBJD) do goleiro do time adversário, e por ser Copa do Brasil formada de jogos eliminatórios, a Justiça Desportiva ao decidir pela condenação da equipe de Porto Alegre/RS a excluiu da competição.

Essas tipificações excetivas do codex da Justiça Desportiva se justificam pelo dever dos clubes em reeducar as suas torcidas, minorar as reflexões negativas sobre a prática desportiva formal que uma torcida pode gerar com atitudes antissociais/criminosas, o que pode afetar até mesmo a gestão econômica e financeira do desporto.

A nota de retratação do Clube do Remo pelas atitudes de sua torcida deve ser considerada uma atenuante na hora da aplicação da sanção disciplinar. Mas não apenas, demonstrações de sinalizações de placas no estádio, avisos, divulgação em redes sociais ou sites oficiais de clubes no pré-jogo, na tentativa de reeducar a torcida a não cometer infrações de tais tipo, também servem de atenuante, assim como, deter os torcedores para registro de Boletins de Ocorrências (BO), etc.

Tal entendimento se coaduna com a excludente de antidesportividade expressa no art. 213, § 3o, do CBJD, que exclui a sanção aos clubes se os torcedores que invadem o campo forem detidos para registro de BO ou quando se possa provar por outros meios que esses torcedores infratores foram detidos penalmente.

Todavia, relembre-se que no caso em exame, circularam na mídia imagens da violenta repercussão dos cânticos homofóbicos fora do estádio, o que significa atestar uma agravante na medida de proporção da transgressão cometida.

Em síntese, detectada em processo desportivo os cânticos discriminatórios em razão do sexo, o clube pode ser apenado com as sanções descritas alhures, e na aplicação da apenação pela Justiça Desportiva, deve-se realizar a mensuração da sanção de acordo com as atenuantes e agravantes.

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