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Carta aberta a Mario Celso Petraglia

Por Renato Gueudeville

Presidente Mario Celso Petraglia, muito prazer, meu nome é Renato. Sou soteropolitano, torcedor do Bahia (pertencente aquele grupo que você qualificou como “resto”), admirador das boas gestões corporativas e um apaixonado pelos grandes símbolos que o futebol nos traz. Símbolos estes que possuem fortes alicerces nas histórias dos clubes brasileiros.

O motivo dessa carta é provocar uma reflexão a partir das declarações feitas na semana passada sobre alguns dos nossos clubes. No início, pelo ímpeto e no calor da leitura das suas palavras, a minha trilha seria de criticá-lo duramente, mas aí eu cairia justamente na armadilha que normalmente você cai: o alçapão das declarações polêmicas.

É certo que muitas gestões que aí estão – e outras que já passaram – não merecem o mínimo de respeito. Algumas dessas foram irresponsáveis, fraudulentas e você foi correto ao tratar sobre isso numa carta posterior direcionada ao jornalista Paulo Vinícius Coelho (PVC). Em busca do imediatismo e do título a qualquer preço, o futebol brasileiro foi sendo sucateado ao longo das décadas e, é claro, isso não poderia ser sustentável. Uma hora esse castelo de cartas cairia. E caiu.

Você também é correto ao afirmar que “é um cara cansado de correr na direção contrária”, se inspirando nos versos de Cazuza. Diversas vezes você bateu de frente com o sistema, encarou a Globo, CBF e Federações. Todos detentores do poder econômico em nosso futebol já foram alvos seus. Não há como não reconhecer que é preciso ter muita coragem e convicção das escolhas para chacoalhar o sistema. Alguém tem que fazer esse papel e pelo visto, só você deu a cara para bater.

Além disso tudo, é inegável reconhecer o crescimento do Athlético e a sua participação nesse processo. Um visionário que construiu algumas pautas que muitos clubes demoraram décadas para abordar. Investiu em infraestrutura de CT, modernizou o estádio, inclusive inovando ao colocar grama sintética, trouxe técnicos estrangeiros, mudou o nome do clube e até rebranding do escudo foi feito.

Se formos para dentro das quatro linhas, o Athlético é um grande case de performance esportiva nos últimos anos. Após ganhar o Brasileirão de 2001, foi vice da Libertadores em 2005, ganhou 2 Sul-americanas (2018 e 2021), 1 Copa do Brasil (2019) e foi vice 2 vezes da Recopa Sul-americana (2019 e 2022) e 1 vice da Copa do Brasil (2021). Só de premiação o clube faturou quase R$ 90 milhões em 2021.

O sucesso no campo fez o clube aumentar economicamente, mudando inclusive o patamar de negociação de atletas. As vendas de Renan Lodi e Bruno Guimarães tiveram valores normalmente praticados para CEP’s de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Athlético “furou” essa barreira e já se configura como um player relevante no mercado de transferências.

O completo Relatório Convocados XP 2022 – Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro ilustra a confirmação dos fatos apontados acima.

Os dados apontam para um clube com relevante dependência de receitas não recorrentes (venda de atletas), com dívidas concentradas no longo prazo (financiamento do estádio) e com investimento crescente na formação de elenco. Os números atestam que o modelo construído está sendo bem executado e gerando riqueza para o clube.

No quesito liderança, alguns ex-jogadores que atuaram contigo afirmam que você tem a figura do paizão, luta pelo grupo, consegue olhar os dois lados.

Mas como nem tudo são flores, Presidente, alguns momentos da sua jornada são recheados de espinhos. Comecemos pelos episódios recentes quando da apresentação de Fernandinho.

“O Athlético passou o Santos de trator.” O alvinegro praiano possui 3 Libertadores, 8 campeonatos brasileiros, 1 Copa do Brasil e ganhou 7 dos últimos 20 daquele que é o Estadual mais difícil do país: o Paulistão. A quantidade de títulos é do tamanho da história desse glorioso clube. Até sou obrigado a concordar com você que história por si só não garante o futuro de nenhuma instituição. Ele precisa fazer do seu presente as bases do que colherá no futuro e, de fato, a situação financeira do Santos é delicada. E com tudo isso o clube chegou a um 2º lugar no Brasileirão de 2019 e a uma final de Libertadores em 2020. É um grande gerador de talentos e reconhecido internacionalmente pelo mercado da bola. Perdão, Presidente, mas o Santos significa muito não só em relação ao Athlético, mas a todo futebol brasileiro.

A queixa justa sua em relação ao jornalista não posicionar o Athlético como um time grande em relação a escolha de Fernandinho, você joga tudo por terra quando afirma, após passar metralhando os clubes do Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul que “Vá para Minas Gerais, depois esqueça o resto”. Num país com mais de 670 clubes em atividade, não colocar Bahia, Ceará, Fortaleza, Vitória e Sport em qualquer lista de grandes clubes brasileiros é flertar com o injustificável. Você comete o mesmo erro de quem fez a pergunta do porquê Fernandinho não ter escolhido um clube grande.

“Pega os dois gaúchos endividados. Problema deles, nós não temos absolutamente nada a ver com isso e não me compete analisar.” Você acerta ao falar isso sobre o Internacional que, durante muito tempo, gastou de forma irresponsável, mas falar isso do Grêmio…

Abaixo, um trecho do Relatório da Análise Financeira dos Clubes (2021) da EY, uma das Big Four do mercado. O ranking abaixo é o de Endividamento Líquido x Receita Total.

O tricolor gaúcho possui uma relação de 0,75, aliás, muito próximo do Athlético que foi de 0,68. Abaixo ou igual a 1 é um indicador aceitável, demonstra a saudabilidade da estrutura de financiamento do clube.

E outra: quando você afirma que “nós não temos nada a ver com isso” em relação a essas dívidas, não deveria ser esse o pensamento de alguém que se propõe a ser um dos líderes do processo de transformação do futebol brasileiro. Um sistema quebrado levará também seu clube para o atoleiro.

“Quem mantém um teto alto é o Palmeiras pelo mecenas que tem. A Leila quer ser campeã do mundo porque é uma piada, um meme (risos). Ela quer quebrar isso …” aqui, você esquece e acaba desvalorizando todo um trabalho feito no Palmeiras desde a época de Paulo Nobre. O clube, que chegou a ir para a B, fez sua reestruturação e é um dos modelos bem sucedidos de gestão. Vencedor das 2 últimas Libertadores, aliou desempenho esportivo e equilíbrio financeiro como atores fundamentais nesse processo. Reduzir isto a dinheiro da Crefisa é miopia em grau avançado. E tenho certeza de que você não é míope, Presidente.

Você foi sócio de uma das maiores empresas de infraestrutura do Brasil, a paranaense Inepar. Falar de modelo de gestão e liderança com você, caro Presidente, certamente é cair no lugar comum.

Eu também não cairei naquelas provocações de manchetes de sites do tipo: “Petraglia, herói ou vilão?” Precisamos estar longe dessas bobagens e dos clickbaits dos tempos atuais. A questão foge desse prisma. A discussão deveria ser se o modelo que você tem praticado nas relações com seus pares e todo o ecossistema são sustentáveis no longo prazo.

Desmerecer instituições, pessoas e jornadas de trabalho trazem aversão não só para você, mas para o clube que você dirige.

Por que você insiste em construir muros quando o momento pede pontes?

Nós sabemos, Presidente, que no mundo dos negócios e das corporações nem toda a briga deve ser comprada. Nós precisamos selecionar até aquilo que vale o desgaste da relação e da imagem da instituição. A percepção é que seu filtro para esse assunto é bem reduzido.

Num áudio vazado, você acabou se referindo à sua própria torcida como um “bando de interesseiros e ingratos. Não temos nenhuma esperança de fazer alguma coisa com torcida. Estou há mais de 25 anos aqui e jamais esperei alguma coisa de torcedor, que é um egoísta e ingrato.” Poxa, até mesmo para sua torcida está sobrando ataques? O que é a beleza de um clube de futebol senão a paixão incondicional da sua legião de apaixonados?

Existe um vácuo, um espaço vazio de boas lideranças no futebol brasileiro. Se a sua intenção é cumprir esse papel, repense um pouco sobre o explanado aqui.

Se a sua intenção também não for essa, repense da mesma forma. A imagem da instituição que você dirige também está no pacote das suas atitudes.

O Athlético merece o seu melhor, coisa que você tem feito nas últimas décadas. Procure deixar essa parte que precisa ser evoluída fora das cercanias do CT do Caju e do bom debate para a modernização do futebol brasileiro. O momento exige o melhor de cada um.

Atenciosamente,

Renato Gueudeville

Crédito imagem: Um dois esportes

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Renato Gueudeville é administrador de empresas com MBA em Finanças Corporativas, conselheiro consultivo, gestor com conhecimento em reestruturação empresarial e atuação pelas principais instituições financeiras do país. Acredita que no mundo da bola, fora da gestão não há salvação. É sócio do Futebol S/A.

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