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Carta Olímpica

Por Tarcísio Miranda Bresciani[1], membro da ANDD- LAB

O ideal olímpico, concebido por Pierre de Coubertin, transcendeu a mera esfera esportiva, buscando promover a paz, a educação e valores éticos por meio do esporte. Esse ideal se materializou na Carta Olímpica, documento que, desde sua gênese em 1899, se propôs a regulamentar não apenas os Jogos Olímpicos, mas também o próprio Movimento Olímpico. A Carta Olímpica, consolidada em sua forma atual em 1978, representa a concretização do sonho de Coubertin, estabelecendo um conjunto de princípios e diretrizes para guiar o esporte em direção a um futuro mais harmonioso.

A Carta Olímpica, como um farol para o Movimento Olímpico, ilumina o caminho para a construção de um mundo melhor por meio do esporte. Desde a Grécia Antiga, berço dos Jogos Olímpicos, o esporte sempre esteve ligado a ideais de paz, união e busca pela excelência. Coubertin, inspirado por esses valores, buscou reviver o espírito olímpico no mundo moderno, reconhecendo no esporte um poder transformador capaz de unir nações e promover a fraternidade. A Carta Olímpica, nesse contexto, surge como um instrumento fundamental para garantir que o legado de Coubertin se perpetue, norteando as ações do Movimento Olímpico e inspirando gerações futuras a construir um futuro mais justo e pacífico.

Em 1899, Pierre de Coubertin iniciou a descrição da Carta Olímpica, documento que regulamentaria não apenas o que acontece durante os Jogos Olímpicos, mas também tudo o que estivesse relacionado ao tema Olimpismo. Contudo, o manuscrito só foi ganhar forma e receber o nome atual em 1978.

De acordo com a Carta Olímpica, podemos entender que Olimpismo é: “uma filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente. Aliando o esporte à cultura e à educação, o Olimpismo procura ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais” “une philosophie de vie, exaltant et combinant en un ensemble équilibré les qualités du corps, de la volonté et de l’esprit. Alliant le sport à la culture et à l’éducation, l’olympisme se veut créateur d’un style de vie fondé sur la joie dans l’effort, la valeur éducative du bon exemple et le respect des principes éthiques fondamentaux universels“.

Também podemos apontar que o Olimpismo compreende uma série de expressões que contribuem para o seu conteúdo. Tais expressões estão presentes nos Jogos Olímpicos e nas manifestações do Movimento Olímpico e, nesse sentido, podemos pontuar as principais: Cidade Olímpica, Comissão de Atletas, Espírito Olímpico, Estádio Olímpico, Mascotes Olímpicos, Pictogramas Olímpicos, Voluntariado Olímpico e o programa cultural olímpico[2].

Da breve análise da conceituação de Olimpismo, extraímos que não estamos apenas no universo puramente esportivo, haja vista que temos nela uma visão sobre filosofia de vida, baseada no respeito entre os cidadãos e no desenvolvimento e evolução do ser humano, tanto de forma individual quanto em sua coletividade.

A Carta Olímpica é distribuída em seis capítulos e, observando que as línguas oficiais do Comitê Olímpico Internacional são o inglês e o francês e que as sessões são traduzidas simultaneamente para alemão, espanhol, russo e árabe, pontuamos que, a princípio, a Carta Olímpica é traduzida para esses idiomas.

É incontroverso que estamos diante de um dos principais textos normativos do mundo esportivo e, nesse sentido, trago um trecho do livro “Direito Internacional Privado do Esporte”, de autoria do professor Jean Eduardo[3]: “A Carta Olímpica constitui uma espécie de núcleo duro da ordem esportiva internacional. Assim, as federações internacionais são compelidas a observar certas regras de base do sistema esportivo, sob pena da eventual exclusão de suas respectivas modalidades dos eventos olímpicos organizados ou chancelados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI)” e, mais adiante, conclui: “A propósito, saliente-se que, no topo da pirâmide normativa da lex olympica, situa-se a Carta Olímpica. Sob tal perspectiva, ela ocuparia, no seio da ordem olímpica, a posição que as constituições ocupam nos ordenamentos nacionais”.

Podemos dizer que a Carta Olímpica é um código que contém uma série de conceitos e regulamentações sobre o Movimento Olímpico, além de instituir as regras e condições de como deve operar o Comitê Olímpico Internacional, as condutas de todos os envolvidos com os Jogos Olímpicos, os princípios éticos fundamentais que devem ser sempre respeitados. Ela também fixa as condições para a celebração dos Jogos Olímpicos.

Nesse sentido, destaco do artigo do advogado Rodrigo Tittoto Acra[4] a seguinte passagem do jurista Guilherme Campos de Moraes:

O próprio Movimento Olímpico funcionou quase que sem regulamentação em seu início, por um período de mais de uma década, visto a influência liberal do barão Pierre de Coubertin, o qual preconizava a flexibilidade das organizações olímpicas. A vontade de subtrair o esporte do aparelho estatal e se dotar de um corpo normativo próprio traduziu-se na adoção de um instrumento de aplicação universal, a Carta Olímpica, termo utilizado pela primeira vez em 1924. Enquanto organizações baseadas num princípio de unicidade, as várias instâncias esportivas desenvolveram um conjunto de normas adaptadas ao seu fenômeno, retirando da instância estatal o protagonismo de sua regulação.”

Com o intuito de promover e desenvolver o esporte olímpico, sempre visando à harmonia entre os povos e rechaçando qualquer tipo de discriminação, temos, na parte introdutória da Carta Olímpica, os sete princípios fundamentais do Olimpismo: “1. O Olimpismo é uma filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente. Aliando o esporte à cultura e à educação, o Olimpismo procura ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais. 2. O objetivo do Olimpismo é o de colocar o esporte a serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana, em vista de promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana. 3. O Movimento Olímpico é a ação concertada, organizada, universal e permanente, de todos os indivíduos e entidades que são inspirados pelos valores do Olimpismo, sob a autoridade suprema do COI. Estende-se aos cinco continentes. Atinge o seu auge com a reunião de atletas de todo o mundo no grande festival esportivo que são os Jogos Olímpicos. O seu símbolo é constituído por cinco anéis entrelaçados. 4. A prática do esporte é um direito do homem. Todo e qualquer indivíduo deve ter a possibilidade de praticar esporte, sem qualquer forma de discriminação e de acordo com o espírito olímpico, que requer entendimento mútuo, com espírito de amizade, solidariedade e fair play. 5. Reconhecendo que o esporte ocorre no contexto da sociedade, as organizações esportivas no seio do Movimento Olímpico devem ter direitos e obrigações de autonomia, que incluem a liberdade de estabelecer e controlar as regras da modalidade esportiva, determinar a estrutura e a governança de suas organizações, gozar do direito a eleições livres de qualquer influência externa e a responsabilidade de assegurar que os princípios da boa governança sejam aplicados. 6. Toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa, com base na raça, religião, política, sexo ou outra, é incompatível com a pertinência ao Movimento Olímpico. 7. Pertencer ao Movimento Olímpico exige o respeito pela Carta Olímpica e ser dotado do reconhecimento do COI[5]”.

Dos artigos 1.2 e 1.3 da Carta Olímpica, observamos que as principais funções do Comitê Olímpico Internacional são atuar como colaborador e mediador entre todos os outros integrantes do Movimento Olímpico: as Federações Internacionais Esportivas, os Comitês Olímpicos Nacionais, os atletas e corpo técnico, os Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos, além de outras organizações e instituições reconhecidas pelo COI.

Note-se que a Carta Olímpica é o principal documento a ser observado em relação aos Jogos Olímpicos, pois nela, além dos princípios, da organização e das regras, temos informações sobre o hino olímpico, o símbolo olímpico, a bandeira olímpica, a tocha olímpica, além de outras manifestações dos Jogos Olímpicos, como, por exemplo, a inclusão de novas modalidades esportivas.

Nesse sentido, convém lembrar que cada um dos símbolos olímpicos mencionados acima tem seu próprio significado e que todos devem ser identificados nas Cerimônias de Abertura dos Jogos Olímpicos.

É incontestável que a Carta Olímpica também exerce seu papel de Estatuto do Comitê Olímpico Internacional, haja vista que, no capítulo segundo, temos as normas e regulamentações do COI, sendo identificados os direitos e obrigações, a forma de composição, o quórum de votações, as línguas oficiais e a previsão e regulamentação dos recursos do Comitê.

Já nos capítulos terceiro e quarto da Carta, vislumbramos o reconhecimento, o papel e as missões das Federações Internacionais e dos Comitês Olímpicos Nacionais.

No capítulo sexto da Carta Olímpica, temos as sanções e os procedimentos disciplinares que poderão ser adotados, principalmente quando há alguma violação ao Código Mundial Antidoping – código a que todas as entidades filiadas ao COI, direta ou indiretamente, devem se sujeitar como condição sine qua non para fazer parte desse sistema esportivo.

Por fim, lembramos que um dos principais objetivos do Movimento Olímpico é a evolução do homem, utilizando o esporte como ferramenta para aproximar-se da perfeição. E assim surge a expressão “Mens fervida in corpore lacertoso” (espírito ardente em corpo musculoso), que já contextualizava a ideia de valorização da cultura e da educação, ficando à margem a questão material.

Logo, a leitura da Carta Olímpica revela a intenção de Coubertin de perpetuar os princípios nela contidos, fomentando o esporte e a educação, livres de influências políticas. A Carta Olímpica se consolida como um dos principais, senão o principal, ordenamento jurídico desportivo mundial, transcendendo as barreiras esportivas e influenciando a ética, a cultura e a organização do esporte global.

Contudo, o Movimento Olímpico enfrenta desafios contemporâneos que exigem constante reflexão e atualização da Carta Olímpica. Questões como a igualdade de gênero, a inclusão de atletas refugiados, a sustentabilidade dos Jogos e a luta contra a corrupção e o doping exigem medidas efetivas para garantir a integridade e o espírito olímpico. A Carta Olímpica, em sua essência mutável, precisa se adaptar aos novos tempos, assegurando que os valores de união, respeito e excelência, idealizados por Coubertin, continuem a inspirar gerações futuras.

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Bibliografias:

[1] Advogado  Trabalhista e Desportivo, com destaque em negociações e casos de alto perfil em setores variados. Fundador da Bresciani e Almeida Sociedade de Advogados. Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Desportivo, em Direito do Trabalho Marítimo e Portuário, Especialista em Negociação pela FGV. Membro do Núcleo de Pesquisa de Direito do Trabalho da USP, e Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo – Lab (ANDD-L).

[2] TUBINO, Manoel José Gomes. O que é olimpismo. Edição ebook 2017. Editora Brasiliense.

[3] NICOLAU, Jean Eduardo. Direito Internacional Privado do Esporte.São Paulo: Quartier Latin, 2018.

[4] http://blog.institutovalente.com/carta-olimpica/

[5] Carta Olímpica. https://www.fadu.pt/files/protocolos-contratos/PNED_publica_CartaOlimpica.pdf

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