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Caso Fred: xeque-mate da CNRD?

A Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) foi criada para julgar, nos termos do art. 2º de seu regimento, de forma privada, as demandas desportivas que envolvam I – as federações; II – as ligas de futebol vinculadas à CBF; III – os clubes; IV – os atletas profissionais e não profissionais, inclusive os brasileiros registrados em associações estrangeiras e os estrangeiros registrados na CBF; V – os intermediários registrados na CBF; e VI – os treinadores e demais membros de comissão técnica, inclusive os brasileiros vinculados a clubes estrangeiros e os estrangeiros vinculados a clubes brasileiros.

A CNRD pode, nos moldes do art. 3º de seu regimento, julgar, inclusive, questões trabalhistas, desde que em comum acordo.

No caso “Atlético/MG X Fred”, a questão gira em torno da legalidade ou não da cláusula contratual constante no distrato do contrato de trabalho do atleta, que estabelece multa caso o jogador firme novo contrato de trabalho com o Cruzeiro.

Isso porque, logo após rescindir com o Atlético, Fred assinou com o Cruzeiro e, ao se recusar a pagar a multa, foi acionado na CNRD.

A Câmara julgou procedente o pedido do Atlético e condenou Fred ao pagamento da multa no valor de 10 milhões de dólares.

O Cruzeiro, que se habilitou no processo como terceiro interessado, emitiu nota oficial e se manifestou, por meio de seus dirigentes, afirmando que recorrerá ao Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), conforme prevê o art. 36 do regimento – e que, se preciso for, poderá ir à Justiça do Trabalho.

A legislação brasileira coloca à disposição do cidadão, para solução de conflitos, o Poder Judiciário (Justiça pública) e a arbitragem (Justiça privada), sendo que esta última, nos termos do art. 1º da Lei 9.307/1996, pode ser utilizada, apenas, para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, que envolvam direito ao qual a parte pode renunciar.

A CNRD, em seu regimento, não se define como Câmara Arbitral, mas pode ser considerada como tal caso cumpra os requisitos da Lei de Arbitragem, o que, por si só, pode trazer questionamento ao Poder Judiciário sobre a validade de suas decisões, uma vez que, conforme destacado, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza de forma excepcional a utilização da Justiça privada arbitral.

No caso Fred, como se trata de questão laborativa, há grande discussão jurídica sobre a viabilidade ou não de se utilizar a Justiça privada para demandas laborais, eis que grande parte dos estudiosos entende se tratar de direito indisponível, mesmo com a previsão do art. 507-A, CLT, transcrita abaixo:

Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Há uma tendência de que o Superior Tribunal de Justiça entenda que, apesar de não estar expresso no art. 507-A da CLT, as partes podem prever a arbitragem no contrato de trabalho, mas a cláusula compromissória somente será eficaz caso o empregado opte, livremente, por levar a questão para o árbitro, ou quando o trabalhador manifestar expressamente sua concordância com a arbitragem perante o próprio juízo arbitral.

Dessa forma, se o empregado optar por levar a questão para a Justiça do Trabalho, não se deve acolher o entendimento de que a cláusula contratual de arbitragem impossibilite a análise pelo Judiciário.

No caso Fred, o Atlético, empregador, buscou a Justiça privada, ou seja, segundo entendimento do STJ, Fred pode levar a questão para a Justiça do Trabalho, que, por seu turno, pode entender que a cláusula da multa é nula, por limitar a empregabilidade do trabalhador.

A CNRD foi criada para tornar mais célere e especializada a solução de litígios jus-desportivos, e para isso é de suma importância que seus jurisdicionados, elencados no art. 2º de seu regimento, reconheçam a legitimidade de suas decisões, aceitando-as sem questionamentos ao Poder Judiciário, pois, caso haja questionamentos judiciais e, principalmente, reformas ou anulações das decisões prolatadas, a CNRD pode acabar por ser esvaziada.

Diante disso, manifestações públicas de um clube do tamanho do Cruzeiro que questionem a imparcialidade e a legitimidade da CNRD podem trazer abalo à legitimidade da Câmara, pois eventual decisão judicial tende a contribuir para deslegitimar o órgão.

É preciso que os clubes e demais jurisdicionados da CNRD se unam em torno da legitimação do órgão e de seus membros, sob pena da excelente iniciativa de levar celeridade e especialidade para as questões jus-desportivas sofrer irreversível xeque-mate.
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Foto: hlaadvogados.com.br

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