Caso Mateus Norton x Fluminense Football Club

O atleta Mateus Norton ingressou com uma ação trabalhista contra o ex-empregador desportivo, Fluminense Football Club. Em grau de recurso promovido pelo tricolor carioca a reclamação chegou ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho (C.TST), que manteve a condenação de segunda instância da ex-entidade empregadora a quitar verbas rescisórias: saldo de salário, décimo terceiro proporcional, férias vencidas, férias proporcionais em gratificação por dois jogos e as multas dos arts. 467 e 477, § 8o, da CLT, em decorrência de atraso no pagamento destas parcelas.

Na referida condenação da 4a Turma do C.TST, especificamente no voto de divergência, descreve-se sucintamente: “Ademais, a existência de acordo entre as partes para rescisão antecipada, como no caso dos autos, afasta indenização do art. 28 da Lei Pelé bem como qualquer outro tipo de multa.” (grifos nossos).[1]

Ressalve-se, o art. 28, § 5o, I, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) e o art. 90, I, da Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE) preveem a existência do distrato (resilição contratual entre as partes), mas sem minuciar as formas cabíveis e os limites de negociação que podem constar do instrumento de extinção do contrato laboral desportivo por acordo dos distratantes.

A ratio iuris das delimitações de transação para a cessação por acordo bilateral das partes deve se inspirar subsidiariamente no regime geral das relações empregatícias, leia-se: extração interpretativa do art. 484-A da CLT por via do art. 28, § 4o, da Lei Pelé e art. 85, caput, da LGE.

Em entendimento expedido também no nosso Livro Curso de Direito do Trabalho Desportivo[2], o distrato no contrato especial de trabalho desportivo, conforme é o âmago causal deste caso, detem limites.

Tudo depende do instrumento de distrato e se este realmente está formalizado. Na falta de norma específica da Lei Pelé, da LGE e do art. 848-A da CLT, o distrato deve ser promovido nos mesmos moldes formais da contratação (art. 472 do CC). Seria inimaginável pensar, em um contrato especial de trabalho desportivo de conteúdo regularmente tão complexo, que um distrato fosse realizado oralmente.

Sendo assim, em distrato formalizado o que pode ser transigido são as multas legais/contratuais por se constituírem figuras parcelares indenizatórias, ao passo que as verbas rescisórias são imunes à transação em face de suas naturezas estritamente salariais, dotadas de caráter alimentar, portanto indisponíveis, pelo menos em nível de negociação extrajudicial.

Se o empregador desportivo realiza distrato com o jogador devidamente disposto em instrumento escrito, ambos podem compensar as cláusulas indenizatória e compensatória desportivas por completo, sendo instransigível com quaisquer tipos de multa em favor da entidade empregadora do desporto as parcelas rescisórias, como o décimo terceiro (13o), férias, saldo de salário, etc., pois estas são um direito indisponível do atleta empregado, que não pode ser afastado por qualquer acordo em hipótese alguma.

Por outra face, se não há distrato por escrito entre as partes, o acordo para dissolução contratual sofrerá as delimitações subsidiárias do art. 484-A da CLT, só podendo compensar a cláusula compensatória desportiva até o seu piso (restante do pagamento de salários até aquele que seria o termo final do contrato, segundo o art. 28, § 3o, da Lei Pelé (art. 86, § 3o, da LGE).[3]

O que não resta esclarecido no voto de divergência do caso em análise é o que especificamente está descrito no termo de distrato, quais foram os institutos e os valores contratuais transigidos. Por conseguinte, o que se pode elucubrar é a compensação total das cláusulas indenizatória e compensatória desportivas de maneira detalhadamente escrita.

Acerca das verbas rescisórias, objeto de condenação da empregadora desportiva, esta é réu confessa nos próprios autos, restando a confirmação judicial de que deve quitar tais parcelas de natureza salarial, indisponível, irrenunciável e de caráter alimentar (direito humano fundamental do trabalhador desportivo) – acórdão do C.TST sob a relatoria da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi.[4]

Quanto aos argumentos do voto de divergência a respeito do art. 30, parágrafo único, da Lei Pelé que afasta os arts. 445 e 451 da CLT para a não aplicação das multas dos arts. 467, 477, § 8o, da CLT, após uma leitura do acórdão com maior acuidade, requer-se a devida retratação ao leitor sobre a entrevista concedida em meio da semana para o site Lei em Campo,[5] pois há um equívoco interpretativo.

A melhor interpretação deve ser no sentido de que não se aplica o regime jurídico dos contratos a prazo determinado previsto na CLT ao contrato especial de trabalho desportivo, pois este pode ser renovado por acordo das partes sempre e jamais se transfigura em contrato a prazo indeterminado. As referidas multas por atraso no pagamento de numerários salariais abrangem quaisquer modalidades de contratos de trabalho, a sua aplicação ou não devem constar expressamente na Lei, assim demandam os princípios de direito punitivo e o art. 28, § 10o, da Lei Pelé ao excluir explicitamente as multas dos arts. 479, 480 da CLT, a título de exemplo.

A propósito, mesmo em sanções pecuniárias laborais, deve existir a previsão legal para multas, especialmente neste tema de atraso na quitação de verbas rescisórias que avoca o tráfego entre o direito material e instrumental do trabalho.

Nessa ordem, é incabível “garimpar, inferir raciocínio profundo de que o art. 30, parágrafo único, da Lei Pelé”, por tabela, teria afastado a incidência das multas dos arts. 467, 477, § 8o, da CLT, somente porque adotou um regime singular sobre o prazo determinado e irrestrita renovação contratual, diferente das regras contidas nos arts. 445, 451 da CLT.

Reitere-se, as multas dos arts. 467, 477, § 8o, da CLT decorrem exclusivamente do atraso no pagamento das verbas rescisórias, segundo há confissão do reclamado nos próprios autos, nada se relacionando com o prazo contratual e o distrato em si.

Nessa medida, também acerta a relatoria e o voto de companhia em condenar o empregador desportivo ao pagamento das verbas rescisórias, bem como aplicar as multas por mora na quitação destas verbas, pois não há nenhum argumento plausível que ateste a incompatibilidade de tais sanções pecuniárias com a existência estrutural do contrato especial de trabalho desportivo, tampouco a mora no pagamento de suas verbas. Ao contrário, a aplicação subsidiária da legislação laboral geral dispõe que na falta de pagamento pontual, independentemente do tipo contratual, impõe-se a incidência as multas (melhor inteligência do art. 28, § 4o, § 10o, da Lei Pelé, art. 85, caput, da LGE, usque arts. 467, 477, § 8o, 484-A da CLT).

Crédito imagem: Fluminense/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] TST. Disponível em: <https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=49130&anoInt=2022>. Acesso em: 13 abr. 2025.

[2] RAMOS, Rafael Teixeira. Curso de direito do trabalho desportivo: as relações especiais de trabalho no esporte. 2. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 216-218.

[3] Este é o posicionamento exposto em Id. Ibid., 2022, p. 217-218.

[4] TST. Disponível em: <https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=49130&anoInt=2022>. Acesso em: 13 abr. 2025.

[5] COCCETRONE, Gabriel. Fluminense é condenado a pagar multas por atraso em verbas rescisórias de ex-volante. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/fluminense-e-condenado-a-pagar-multas-por-atraso-em-verbas-rescisorias-de-ex-volante/>. Acesso em: 13 abr. 2025.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.