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Caso na Suprema Corte dos EUA pode redefinir o debate sobre atletas transgêneros no esporte

O caso United States v. Skrmetti, atualmente em discussão na Suprema Corte dos Estados Unidos, pode ter implicações significativas no debate sobre a participação de atletas transgêneros no esporte. Este caso desafia a constitucionalidade de uma lei do Tennessee que proíbe certos tipos de cuidados médicos de afirmação de gênero para menores transgêneros[1].

Em 22 de março de 2023, a Câmara dos Representantes do Tennessee aprovou (com apoio bipartidário) a HB1, proibindo formas específicas de cuidados de afirmação de gênero para menores transgêneros com diagnóstico de disforia de gênero[2]. Isso inclui bloqueadores de puberdade, terapia hormonal e cirurgias (embora a proibição destas últimas não esteja em questão no caso). A lei não restringe o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios para outros fins médicos, como o tratamento da puberdade precoce.

A discussão chegou à Suprema Corte porque três pais de crianças e adolescentes que se identificam como transgêneros questionaram a lei, alegando que ela não apenas interferia em seus direitos de obter esse tratamento médico específico para seus filhos, mas que também seria uma lei discriminatória em relação ao sexo, o que a tornaria ilegal e inconstitucional sob a Cláusula de Proteção Igualitária.

Bom, mas por que seria uma lei discriminatória em relação ao sexo, afinal?

O argumento é o de que, como a lei permite o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios por razões não relacionadas à transição, o sexo do paciente se tornaria um fator determinante na decisão sobre se esses tratamentos são permissíveis. Por exemplo, um adolescente do sexo masculino seria autorizado a tomar testosterona como tratamento para puberdade tardia, mas o mesmo medicamento seria proibido para um paciente cujo sexo de nascimento é feminino (tomando-o com o propósito de induzir mudanças físicas consistentes com uma identidade de gênero masculina ou não-binária).

O Tennessee nega que a lei faça classificações baseadas no sexo, argumentando que a lei faz uma distinção de acordo com os propósitos para os quais um tratamento é dado, distinguindo entre “menores que buscam medicamentos para transição de gênero e menores que buscam medicamentos para outros fins médicos”.

Tanto o Tribunal Federal de Primeira Instância quanto o Tribunal de Apelações do Sexto Circuito decidiram a favor do estado do Tennessee, determinando que a lei satisfazia os requisitos constitucionais e tinha todo o interesse em proteger menores de procedimentos não comprovados e ainda cientificamente controversos, e que isso estava dentro de seu poder de polícia como estado.

Quando o caso chegou ao Sexto Circuito, o governo federal dos Estados Unidos apresentou uma moção para intervir; o governo federal pode fazer isso quando uma lei estadual que desafia uma violação da cláusula de proteção igualitária (constitucional) está em debate. Assim, quando chegou à Suprema Corte, ela concedeu revisão apenas da reivindicação dos Estados Unidos e não da reivindicação dos direitos parentais. Portanto, o que está sendo discutido na Suprema Corte é se a lei esta constitui ou não discriminação sexual sob a Cláusula de Proteção Igualitária.

O caso levanta questões importantes sobre a distinção entre sexo biológico e identidade de gênero, que podem ter implicações para as políticas de participação de atletas transgêneros em competições femininas de elite.

Vejamos, por exemplo, o cenário da natação. A Federação Internacional de Natação (FINA) adotou uma posição restritiva em relação à participação de atletas transgêneros em competições femininas de elite. Em junho de 2022, a FINA anunciou uma nova política que proíbe atletas transgêneros que passaram por qualquer etapa da puberdade masculina de competir em categorias femininas de elite[3]. Para serem elegíveis a competir em categorias femininas, as atletas transgêneros devem ter completado sua transição até os 12 anos de idade. A FINA argumenta que esta política é baseada em evidências científicas e visa preservar a equidade competitiva. Segundo a federação, a transição após os 12 anos pode conferir vantagens físicas injustas às atletas transgêneros sobre competidoras cisgênero.

A manutenção da integralidade da lei do estado do Tennessee pela Suprema Corte dos Estados Unidos tornaria virtualmente impossível a atuação de atletas transgênero nas competições femininas de natação daquele estado. Como já há projetos de leis bastante similares em outros estados, a tendência é a de que isso não se restrinja ao Tennessee.

O debate é certamente complexo. Uma matéria famosa do The Economist, intitulada “Permitir que mulheres trans participem em esportes femininos é frequentemente injusto”, abordou este tema controverso, destacando as complexidades biológicas e éticas envolvidas neste debate[4].

O relatório final do The Cass Review[5], conduzido pela Dra. Hilary Cass, também traz considerações importantes para este debate. O estudo conclui que o aumento de jovens com identidades trans ou diversas de gênero resulta de uma interação complexa entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. Há divergências sobre a abordagem clínica, com expectativas de cuidados às vezes distantes da prática usual. O uso de bloqueadores de puberdade e hormônios em menores de 18 anos apresenta muitas incógnitas e falta de dados de acompanhamento a longo prazo. Os clínicos não conseguem determinar com certeza quais jovens manterão uma identidade trans duradoura.

O estudo recomenda, dentre outros, extrema cautela no uso de hormônios masculinizantes/feminilizantes em crianças e adolescentes e comunicar claramente as implicações dos cuidados de saúde, enfatizando uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências.

Este debate é fundamental para o futuro do esporte feminino. As decisões tomadas agora terão impactos duradouros na equidade competitiva, na inclusão e na própria definição de categorias de gênero no esporte. O que parece estar claro é que medida que a sociedade continua a navegar por estas questões complexas, é crucial que as políticas sejam baseadas em evidências científicas sólidas e considerem cuidadosamente os direitos e o bem-estar de todos os atletas envolvidos.

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[1] https://www.scotusblog.com/case-files/cases/united-states-v-skrmetti/

[2] https://casetext.com/statute/tennessee-code/title-68-health-safety-and-environmental-protection/health/chapter-33-health-and-welfare-of-minors/section-68-33-103-prohibitions

[3] https://www.bbc.com/portuguese/geral-61860367

[4] https://www.economist.com/leaders/2020/10/15/letting-trans-women-play-in-womens-sports-is-often-unfair

[5] https://cass.independent-review.uk/home/publications/final-report/

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