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Caso Robinho: o direito de acesso ao trabalho e a repressão sócio-moral

O presente texto não detém a pretensão de analisar aprofundadamente os reflexos jurídico-penais das decisões do Poder Judiciário italiano sobre a vida pessoal e profissional de Robinho, mas tão somente abordar concisamente as suas repercussões sociais para fins de acesso ao emprego desportivo.

Costuma-se estudar na introdução da responsabilidade jurídica a diferença entre esta e a responsabilidade moral. Em seguida, didaticamente, estuda-se a primeira classificação bifronte da responsabilidade jurídica: responsabilidade civil e responsabilidade penal.

A responsabilidade jurídica apura condutas humanas que são apenáveis pelo Estado, sanções institucionalizadas em órgãos estatais àqueles que se comportam de maneira antijurídica, ilícita, regulamentadas nas normas de boa convivência social (neminem laedere – brocardo jurídico que significa “a ninguém é autorizado causar dano a outrem”), legitimadas pelo poder soberano delegado pelo povo ao Poder Público.

A responsabilidade exclusivamente moral é aquela em que os seres humanos se autoreprimem por questões de um conjunto de valores predominantes em dada sociedade em uma certa época, por crenças religiosas, espirituais, ou ainda, por filosofias próprias de suas vidas. Neste campo de responsabilidade não existe sanções institucionalizadas pelo Estado sobre a legitimidade do poder soberano delegada pelo povo ao Poder Público. Portanto, nesta dimensão, o individuo pode cometer um ato considerado imoral, mas não necessariamente sancionável pelos órgãos públicos competentes para tal.

Na responsabilidade civil e penal decorre a violação da ordem jurídica, entretanto, o tipo de sanção é específica de acordo com cada esfera violada. A diferença entre os dois é que na responsabilização civilista a sociedade elegeu as suas infrações decorrentes como predominantemente particulares, individualizadas, atraindo apenações menos severas diante do crivo social e humano. Já na responsabilização criminal, esta mesma sociedade atribui às transgressões penais, sanções mais severas, sob a justificativa de que elas atingem mais difusamente a todos os seres humanos, portanto, as suas punições devem ser mais rigorosas.

Apresentadas resumidamente as bases da responsabilidade jurídica, vale ressalvar que, atualmente, há um estudo mais segmentado de sua identificação, tais como: responsabilidade administrativa, responsabilidade trabalhista, responsabilidade tributária, responsabilidade empresarial (muito estudada da governança corporativa e no compliance) e até mesmo responsabilidade desportiva (a partir do art. 217, § 1o, § 2o, da CF/88).

No caso Robinho, o cerne da questão reside na repressão social e moral que se repercute com muita força na seara laboral, mesmo sem possibilidades de aplicação de sanções regidas pelo Estado, porém se tratanto de condenação em crime de estupro diante do sistema jurídico de outro país.

O direito humano fundamental de ter acesso ao trabalho, emprego desportivo (art. 5o, XIII, 6o, 7o, caput, 217, III, da CF/88) é comprimido pela repressão sócio-moral da opinião publica manifestada em redes sociais e demais canais de comunicação com os clubes pelos próprios torcedores.

Recorde-se que o “ato de improbidade” ou a “decisão penal transitada em julgado, caso não haja suspensão da execução da pena”, presentes no art. 482, a) e d), da CLT se aplicam aos contrato de trabalho em vigência, podendo ensejar a penalidade máxima para o empregado, ocasionando a extinção do pacto laboral por justa causa, mas não expressam fundamentação de exceção para o direito de livre acesso ao trabalho (emprego desportivo), descrito acima.

Acrescente-se que, a condenação penal de Robinho é perante o Poder Judiciário italiano, de imediato inexiste força jurisdicional para a execução penal ser aplicada no território brasileiro ao jogador, pois enquanto brasileiro nato não pode ser extraditado para cumprir pena na Itália e por entendimento doutrinário predominante não pode haver homologação da decisão judicial itálica para que o atleta a cumpra no Brasil.[1]

Por outra via, o atleta referido está com 38 anos e a sua última partida foi pelo ex-empregador, clube turco, Instambul Basaksehir, em julho de 2020, ocorrendo a extinção do seu contrato por questões de mérito trabalhista desportivo, como se consta até o momento e acordado entre as partes.

Em outubro de 2020 o jogador em pauta chegou às tratativas preliminares com o clube que o revelou, o Santos, mas não chegou a firmar o contrato de trabalho por pressão da própria torcida para não contratá-lo em face do processo penal em curso no Poder Judiciário italiano.

Este acontecimento comprova que a repressão social moral dos torcedores acaba por ter um “poder de punição maior” ao vedar o direito de acesso ao trabalho (emprego) para o Robinho, traduzido na falta de novas propostas.

Todavia, juridicamente, os clubes empregadores brasileiros também podem utilizar a justificativa de mérito trabalhista desportivo para não ofertarem contrato de trabalho ao jogador, sendo muito difícil de restar provado juridicamente que a motivação seria de responsabilidade exclusivamente moral e social em derredor da decisão do Poder Judiciário italiano, não imediatamente executável no Brasil.

Enfim, o caso Robinho é mais um daqueles em que o Direito/Ordenamento Jurídica não consegue obter uma resposta completamente satisfatória ou socialmente contemplativa, pois a força da repressão social e moral (responsabilidade exclusivamente moral) se reflete de forma insuportável para o direito de acesso ao trabalho, emprego desportivo.

……….

[1] FRANCO, Antonio Rodolfo; MARTINS FILHO, Felinto. É possível executar a pena de Robinho no Brasil? Uma questão constitucional. Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/e-possivel-executar-a-pena-de-robinho-no-brasil-uma-questao-constitucional>. Acesso em: 30 jan. 2022.

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