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Chega de invasões

Não, nessa coluna não vamos falar de nenhum movimento social ou de defesa da propriedade privada. Isso fica para os debates dos presidenciáveis no fim do ano. O que nos importa é proteger o espaço de jogo e garantir que as regras sejam válidas para todos. E é observando questões específicas que podemos compreender melhor os conceitos.

Por muito tempo o artigo 258-B foi interpretado de forma simplória e restritiva, o que acabou gerando uma série de infrações sem punição. Sim, a invasão de campo acontece de forma muito mais frequente do que vemos relatados nos tribunais desportivos.

Em geral, as pessoas consideram configurada a invasão de campo única e exclusivamente quando uma pessoa ingressa fisicamente na área de jogo ou no espaço reservado à arbitragem. Mas o artigo não fala em momento algum que essa invasão precisa ser física.

Mas como assim? Tem como invadir um lugar sem ser fisicamente?

A resposta é sim, e só fui perceber isso a partir de uma súmula recebida na Procuradoria da STJD da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais. Diferentemente dos esportes praticados por pessoas que não possuem deficiências, os esportes de deficientes visuais dependem sobremaneira dos outros sentidos. No caso específico do futebol de cegos, a audição é o sentido fundamental, e foi exatamente nesse ponto que ocorreu a invasão.

Discutido há algum tempo no direito imobiliário, o conceito de invasão sonora consiste na perturbação do padrão sonoro de um local por fonte externa. E esse conceito nos leva a uma definição mais ampla de invasão do que a tradicionalmente utilizada, podendo ser a invasão considerada qualquer perturbação de um espaço por fonte externa.

No caso concreto, um integrante da comissão técnica de uma equipe de futebol para cegos gritou na lateral do gramado, algo que é proibido na modalidade e, por este motivo, atrapalhou o andamento da partida, impedindo um ataque da equipe adversária. Vejamos, nesse caso houve clara perturbação do ambiente interno da partida por fator externo, o que configuraria a invasão.

Fora dos esportes para cegos, seria possível falar em invasão por equipamentos visuais que impeçam ou dificultem a prática da modalidade, como lasers verdes apontados para a visão de atletas, luzes que piscam em determinada frequência ou reflexo solar.

Mas se o som emitido pode ser considerado uma invasão, toda manifestação da torcida poderia ser considerada uma invasão de campo de jogo, é isso? Não, não é bem assim. Também no julgamento mencionada foi levantada duas condicionantes para que se possa considerar uma perturbação como invasão: o potencial de causar prejuízo ao andamento da competição e o dolo na prática.

Ou seja, ainda que um espaço possa ser alterado por fonte externa, se essa alteração não tiver potencial para provocar prejuízo à prática esportiva, como não possuem os cantos das torcidas nos estádios de futebol por exemplo, essa perturbação não pode ser considerada como uma invasão. Se cumprido o primeiro requisito, ainda assim é necessário observar mais um fator antes de falar em invasão, que é a intenção do agente.

E foi exatamente esse o fator que levou à absolvição do citado membro da comissão técnica. Por mais que ele tenha invadido o local de jogo ao gritar na lateral do campo de jogo, e que essa invasão tenha sido suficiente para afetar o ambiente e prejudicar o andamento da partida, essa invasão não teve o intuito de paralisar o jogo.

O tribunal reconheceu a possibilidade de invasão sonora levantada pela Procuradoria, mas absolveu o denunciado em razão da ausência de dolo específico na ação. De qualquer forma, reconhecida a possibilidade de invasão que não seja física, outros casos devem surgir.

No caso dos e-sports, por exemplo, e aqui considerando que corretos estão aqueles que defendem que videogame é esporte, há uma razoável possibilidade de invasão sem que alguém precise entrar fisicamente no ambiente de competição. Isso porque a competição ocorre ao mesmo tempo nos ambientes físico e virtual, e este último está sujeito a invasões de outra espécie. E por mais que o parágrafo segundo do artigo 258-B fale que “considera-se invasão o ingresso nos locais mencionados no caput sem a devida autorização”, em nenhum momento ele diz que esse ingresso é físico.

E da mesma forma que o som pode ingressar na quadra, uma sequência de códigos pode ingressar no ambiente virtual de uma competição de e-sports, com potencial de afetar seu prosseguimento. Desta forma, se realizada de forma dolosa, a invasão deve ser reconhecida e punida, entre outras, na forma do previsto no artigo 258-B do CBJD.

Qual será o próximo tipo de invasão reconhecido pela Justiça Desportiva?

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