Os lamentáveis episódios de violência registrados no jogo entre Colo-Colo e Fortaleza pela Copa Libertadores da América, não surpreendem quem há anos se debruça sobre o fenômeno da violência nos espetáculos esportivos. Pelo contrário: são sintomas previsíveis de uma doença antiga que seguimos ignorando — ou pior, tratando com placebos populistas.
Assim como os casos trágicos ocorridos na Arena Joinville em 2013 (Atlético-PR x Vasco) e no Estádio do Arruda em 2014 (Santa Cruz x Paraná), em que torcedores foram brutalmente agredidos — e até mortos —, o episódio no Estádio Monumental David Arellano revela que seguimos repetindo erros estruturais. Mudam os países, os clubes e os nomes das vítimas, mas o roteiro é o mesmo:
- A violência acontece.
- A comoção pública exige resposta.
- Surgem propostas apressadas, paliativas e desconectadas da realidade.
- Nenhuma medida estrutural é efetivada.
Nos dias que seguiram o confronto em Santiago, autoridades brasileiras e sul-americanas começaram, mais uma vez, a sacar soluções mágicas da cartola: proibição de torcidas organizadas, repressão indiscriminada, aumento de penas. Nenhuma delas foi eficaz no passado. Nenhuma delas será eficaz agora.
O que a experiência internacional nos ensina — e que detalho na obra Violência nas Canchas, fruto de anos de pesquisa na Espanha, Inglaterra e nos Estados Unidos — é que o combate à violência nos estádios exige políticas públicas integradas, modernização da gestão esportiva, e, acima de tudo, respeito ao torcedor enquanto cidadão.
Na Inglaterra, o Report Taylor, elaborado após o desastre de Hillsborough, não culpou o torcedor. Ele diagnosticou um problema de Estado. A resposta foi a reforma estrutural dos estádios, a humanização da experiência esportiva e a punição eficaz (e individualizada) aos violentos.
Na Espanha, as leis esportivas tratam o futebol como atividade de interesse público, estabelecendo uma cadeia de responsabilidade que inclui clubes, dirigentes, organizadores e o poder público. O resultado? Baixíssimo índice de violência em jogos, mesmo nos clássicos mais acirrados.
Já nos EUA, a abordagem trata o torcedor como consumidor. Há investimento em conforto, segurança e um aparato policial preparado para prevenir conflitos, e não apenas reprimi-los. O resultado? Eventos gigantescos como o Super Bowl praticamente zeram os registros de violência.
No Brasil e na América do Sul, insistimos no oposto. Criminalizamos a paixão popular, punimos o coletivo ao invés do indivíduo, e sucateamos nossos estádios. Muitas vezes, é mais fácil culpar a “torcida organizada” ou a “bebida alcoólica” do que enfrentar a ausência de gestão, de estrutura e de inteligência policial.
O caso Colo-Colo x Fortaleza (2025) é apenas mais um sintoma. A pergunta que deixo é: até quando aceitaremos as tragédias como parte da rotina do futebol sul-americano?
Se quisermos um futuro diferente, precisamos de coragem para quebrar o ciclo da repetição. Que esse episódio, doloroso para todos os envolvidos, sirva de ponto de virada — e não apenas de mais um capítulo na triste história da violência nos gramados latinos.
Crédito imagem: Getty Images
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