O atacante argentino Ricardo Centurión sempre demonstrou ter talento com a bola nos pés, mas na mesma proporção que ele enfileira zagueiros com seus dribles desconcertantes, ele se envolve em confusões. Já tirou foto ostentando arma, tentou subornar agentes de trânsito para não passar pelo teste do bafômetro e bateu o carro na tentativa de fugir da polícia. A lista de confusões é extensa. A pior foi quando ele foi acusado pela então namorada Melisa Tozzi de quebrar três dentes dela e deixá-la com os olhos roxos. Centurión não foi indiciado pelas agressões. Mas ligou o sinal de alerta no Vélez Sarsfield.
“Eu não concordava com a contratação [de Centurión] por conta do seus antecedentes de violência”, afirma Paula Ojeda, advogada e chefe do departamento contra a violência de gênero do Vélez Sarsfield, em entrevista exclusiva ao Lei em Campo. Quando surgiu a oportunidade de contratar Centurión, o presidente do clube, Sergio Rapisarda, consultou a advogada. Embora no final o atacante tenha sido contratado, Paula prefere valorizar o fato de o Vélez ter colocado uma cláusula no contrato prevendo que o vínculo será encerrado se Centurión se envolver em novo episódio de agressão às mulheres.
“Trabalhamos para detectar e evitar estereótipos e preconceitos, respeitar o outro, valorizar seu espaço, sua personalidade, suas crenças e seu corpo, podendo ser inspirados pela mudança de que tanto precisamos. Uma mudança levará muito tempo. O futebol é muito machista. Mas montando equipes trabalhando na prevenção e assim alcançar uma maior sensibilização no meio esportivo é um bom começo. O esporte é uma boa ferramenta para isso”, defende a advogada, que também é torcedora e sócia do Vélez.
Até então a saída padrão para encarar jogadores como Centurión era repassar o problema vendendo o atleta para outro clube. O agora atacante do Vélez passou, de 2015 para cá, por São Paulo, Boca Juniors-ARG, Genoa-ITA, Racing-ARG, Atlético San Luis-MEX, até desembarcar em Liniers, tradicional bairro de Buenos Aires onde fica o Vélez.
“Eu acho que era essencial agir sobre a violência de gênero, mas ter o conhecimento, a preparação e a experiência sobre o assunto para poder fornecer ferramentas para evitar e intervir em situações de discriminação e violência”, destaca Paula Ojeda, que estruturou a área para o combate à violência de gênero do Vélez. “Apresentei um projeto ao Comitê de Gestão de Clubes e, assim, a Área foi formada, buscando desempenhar um papel fundamental na construção de uma instituição mais igualitária”, recorda.
No Brasil, o Grêmio, escaldado pela atuação de Thiago Neves no Cruzeiro, colocou no contrato do meia com o clube clube gaúchos cláusulas comportamentais, que permitem que o vínculo tenha seu fim antecipado, com o Grêmio pagando somente até o dia da rescisão.
“É importante que essas cláusulas passem a constar nos contratos dos atletas porque o clube pode perder ao permitir que um atleta que tem esse tipo de conduta permaneça na equipe. O clube pode perder patrocinadores, pode perder condições comerciais e isso não é interessante. Um atleta que que tenha condutas reiteradamente condenáveis como é o caso, por exemplo, da violência de gênero. O clube por conta de um profissional pode ter a sua marca prejudicada pela fuga de patrocínios. E a única forma de você afastar um atleta seja afastado sem que o clube tenha que pagar uma cláusula compensatória é fazer constar isso em contrato. Ou seja, a possibilidade de rompimento do vínculo caso esse tipo de atitude aconteça. Se isso não estiver no contrato, por mais reprovável que a situação seja, dificilmente o clube conseguirá afastar esse atleta, que é extremamente tóxico e prejudicial à sua marca, sem que tenha que indenizar o atleta pelo rompimento antecipado”, alerta a advogada especialista em direito esportivo Danielle Maiolini.
Foi o que faltou ao São Paulo, que teve de lidar com o indiciamento do goleiro Jean, que agrediu a então mulher Milena Bemfica e foi preso nos Estados Unidos. Sem ter como rescindir o contrato, a saída foi emprestá-lo para o Atlético-GO para diminuir o prejuízo à marca e o financeiro, deixando assim de ter que arcar com os custos do salário de Jean.
“No Brasil ainda não é socialmente feio você ser um agressor de mulheres, essa que é a verdade. Esse debate, principalmente nos últimos anos, tem criado uma falsa relação de que são homens contra mulheres, como se existissem dois pontos de vista, o que não é uma verdade. Na violência contra as mulheres, você tem um agressor e uma agredida. Nós ainda estamos construindo esse tipo de debate como se fosse algo a ser debatido e não como fosse algo a ser combatido. O Brasil está muito atrasado. Então eu não acredito que no Brasil isso seja uma política que vá ser adotada. A gente não tem nem política pública, nem a força ainda na sociedade institucional para bancar essas mudanças”, dispara a advogada especialista em violência de gênero Mônica Sapucaia.
Agora Centurión pode, mesmo que indiretamente, servir para o avanço no combate à violência de gênero.
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