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Como redução de dívidas trabalhistas turbinou Flamengo na luta por títulos

A cada rodada que passa, o título do Campeonato Brasileiro fica mais próximo do Flamengo. Além disso, o clube carioca também está na disputa para levantar a taça da Libertadores.

No livro “ A Bola Não entra por Acaso”, Ferran Soriano, ex-gerente do Barcelona, afirma que “quem quiser ter sucesso em alguma atividade deverá identificar e compreender a lógica que existe por trás dela, reinterpretá-la e adequá-la às novas realidades e desafios”. Na obra, Soriano conta como ele ajudou a profissionalizar o clube e refez a estrutura de negócio do Barcelona. O livro traz em detalhes como para vencer as partidas e consequentemente campeonatos, os clubes não podem contar apenas com o acaso, como se o jogo fosse decidido por sorte ou azar. No caso do Flamengo, um dos pilares para essa mudança foi a diminuição do passivo trabalhista.

Quando foi iniciada a gestão anterior do Flamengo, com a eleição o presidente Eduardo Bandeira de Mello, em 2013, o grupo vencedor do pleito assumiu o comando do clube com mais de 500 processos trabalhistas contra o Flamengo, o que gerava uma dívida superior a R$ 55 milhões de reais.

“O Flamengo não tinha dinheiro para pagar salários, não tinha dinheiro pra pagar as rescisões, não depositava o FGTS, não fazia as demissões da forma correta. E isso gerava novas ações. O valor não era suficiente para pagar as ações através do Ato Trabalhista. O Flamengo devia inclusive para o escritório que cuidava das ações trabalhistas. Era um ciclo vicioso. Havia um certo descontrole gerencial também em relação a essas quinhentas ações. O Flamengo tinha cerca de mil funcionários e atletas e quinhentas ações. Ou seja, na média, a cada dois funcionários tinha uma ação trabalhista. E aí começamos um trabalho primeiro de identificação para ter certeza exatamente de quantas ações a gente tinha e em que fase cada uma delas estava”, relembrou para o Lei em Campo Bernardo Accioly, que foi diretor jurídico do Flamengo por seis anos, de 2013 até 2019.

Os resultados começaram a aparecer dois anos depois de o grupo encabeçado por Bandeira de Mello assumir: das 500 ações trabalhistas iniciais, o número havia caído para 60 ações. De 2013 até 2018 foram realizados 180 acordos com credores que moviam ação contra o Flamengo na esfera trabalhista.

A tarefa de cortar na carne foi ajudada com o Ato Trabalhista, instrumento assinado entre Flamengo e o Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro que funcionava para organizar pagamentos de ações trabalhistas contra os clubes, evitando penhoras e bloqueios de créditos. Entre 2013 e 2017, o Flamengo pagou R$ 90 milhões em dívidas trabalhistas através do ato. No final de 2017, o TRT-RJ anunciou a saída do rubro-negro do acordo. Com isso, o Flamengo pôde deixar de recolher 15% de receitas como bilheteria de partidas, verbas de patrocinadores e direitos comerciais de TV, entre outras, que ele era obrigado.

“O Flamengo foi identificando aquelas ações em que não havia nenhuma chance e nenhuma razão para se continuar a discussão durante anos. Qualquer ação trabalhista ela tem uma uma correção mensal. E isso vira uma bola de neve. Então não faz sentido manter a discussão durante anos, uma discussão que vai ser perdida. Então o Flamengo procurou antecipar o encerramento daquelas ações que já eram perdidas e com isso conseguiu reduzir bastante o número de ações”, explica Accioly.

Segundo Accioly, outro ponto importante a ser destacado é a integração grande entre os departamentos financeiro, de recursos humanos e jurídico do clube, para que todos os procedimentos internos do clube passassem a ser feitos de forma correta, para se evitar novas ações. “A partir de 2013 o pagamento de salários era algo religiosamente obrigatório para se evitar novas ações por pagamentos ou pelo atraso no recolhimento de verbas como o FGTS. Passaram a ser totalmente obrigatório. A questão das horas extras passaram a ser controladas com maior rigidez”, analisa Accioly. Com isso, a dívida trabalhista que fechou 2012 abocanhando R$ 55 milhões do Flamengo, ao final de 2018 despencou para R$ 2,7 milhões.

Um dos casos mais emblemáticos desta reestruturação foi o acordo firmado com Ronaldinho Gaúcho. “Essa era uma ação complexa. Houve rompimento do vínculo pelo Flamengo e ainda havia uma discussão de danos morais. O risco de perda dessa ação era enorme”, relembra Accioly. O “bruxo” pedia na justiça que o Flamengo pagasse R$ 70 milhões. No fim, o Flamengo pagou, através do Ato Trabalhista, R$ 17 milhões para o ex-camisa 10 e encerrou a pendência.

Tudo isso foi possível através do tripé credibilidade, planejamento e criatividade. Assim, o Flamengo ganhou um novo fôlego financeiro que permitiu o clube intensificar sua busca por qualificar o elenco e entrar de vez na briga pelos títulos mais importantes em disputa no país e no continente.

Em dezembro de 2017, com o fim dos pagamentos do Ato Trabalhista, o Flamengo viu entrar nos cofres um saldo de R$ 17 milhões. Antes usado para pagar dívidas, a grana agora estava liberada para ser usada na contratação de jogadores. Chegaram Paolo Guerrero, Diego, Éverton Ribeiro, Diego Alves e Henrique Dourado. Em 2019, o elenco seria recheado ainda mais, com a contratação de Arrascaeta, Bruno Henrique, Rodrigo Caio, Rafinha, Felipe Luís, Pablo Marí e Gérson, com Gabriel Barbosa chegando por empréstimo.

Agora, além de se preocuparem com quantas taças o Flamengo vai levantar, os torcedores pensam até quando essa austeridade na administração do clube será mantida. Há chance de antigos dirigentes, que colocaram o Flamengo nesta incômoda situação, voltarem a comandar o clube?

“Creio que o Flamengo tenha hoje uma situação bastante sólida em relação à administração. Houve esforço e vontade política para tornar o estatuto bem rigoroso em relação à responsabilidade dos administradores, com regras claras de transparência e boa gestão. É claro que é necessário sempre fiscalizar e acompanhar o rumo da administração, mas o Flamengo é hoje um clube transparente, auditado por uma das maiores empresas do mundo. Muito difícil esse ciclo virtuoso se perder. A tendência é que o clube aumente ainda mais a distância em relação aos rivais, dentro e fora do campo, pois o que muitos estão começando a fazer agora o Flamengo começou em janeiro de 2013. É difícil que no Flamengo nas próximas eleições alguém que não seja ou ligado ao [atual presidente Rodolfo] Landim ou ao [ex-presidente Eduardo] Bandeira tenha qualquer chance. E assim provavelmente continuará por muitos anos. Aventureiros não terão chances nas eleições e a estrutura profissional em sua grande parte será mantida”, crê Accioly.

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