A conhecida condição de jogo é uma matéria estritamente desportiva, mas que se reflete sobre a dimensão trabalhista. Sem adentrar nos reflexos laborais, mas de uma maneira bem didática e resumida, condição de jogo é o adimplemento de obrigações legais e regulamentares que permite ao clube utilizar os serviços desportivos do jogador em uma partida ou competição sem sofrer nenhuma sanção legal ou regulamentar pela Justiça Desportiva.
São institutos familiares que nascem da chamada condição de jogo, o registro no Boletim Informativo Diário (BID), o número de inscrição do jogador federado, o número de registro do contrato especial de trabalho desportivo no Departamento de Registro e Transferência da Confederação Brasileira de Futebol (DRT/CBF), a listagem do nome do atleta na súmula da partida, dentre outros.
A condição de jogo tem o suporte legal que exige do clube contratante a verificação de documentos públicos para que o atleta seja inscrito e registrado na DRT/CBF, tais como: apresentação dos documentos de identificação do jogador, Carteira de Trabalho e Previdência Social, atestado de exames clínicos e médicos, visto de trabalho no caso de atletas estrangeiros, etc. (arts. 28, § 5°, 34, I, 46, da Lei n. 9.615/98-Lei Pelé).
Por outro lado, a condição de jogo também tem o suporte regulamentar do sistema federativo. No caso do futebol, os regulamentos da CBF devem ser cumpridos e exigem do clube contratante: a observância das épocas de transferência, o número máximo de jogadores que podem ser inscritos numa competição, a quantidade máxima de atletas não profissionais que podem ser inscritos por um mesmo clube em uma competição, o limite de transferência anual que possibilite o atleta jogar por outros clubes e as restrições de atuação em uma mesmo campeonato por outro clube, etc.
Em caso atual do campeonato brasileiro série A 2021, um tradicional clube nordestino contrata um jogador que já haveria “atuado” sete (7) vezes na mesma competição por outro clube tradicional do sul. O regulamento específico do campeonato brasileiro série A 2021 veda que em uma transferência nacional, um atleta atue por outro clube na mesma competição, caso haja atuado mais de seis (6) vezes pelo clube de onde veio. Art. 11 do referido REC:
Art. 11 – Um atleta somente poderá se transferir para outro clube do Brasileirão Assaí, após o início do CAMPEONATO, se tiver atuado em um número máximo de 6 (seis) partidas pelo clube de origem.
- 1º – Considera-se como atuação o ato de iniciar a partida na condição de titular ou entrar em campo no decorrer da mesma como substituto.
- 2º – O atleta que tenha atuado por um clube no CAMPEONATO somente poderá atuar por mais um clube.
- 3º – Uma vez iniciado o CAMPEONATO, cada clube poderá receber até 5 (cinco) atletas transferidos de outros clubes do Brasileirão Assaí; de um mesmo clube do Brasileirão Assaí, somente poderá receber até 3 (três) atletas.
O que significa “atuar” para o Regulamento Geral de Competições (RGC/CBF 2021) e o Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF/CBF 2021): jogador que entra em campo como titular desde o início da partida, que entra em campo como reserva no decorrer de uma partida ou jogador que mesmo sem entrar em campo seja apenado com cartão amarelo ou vermelho
Art. 43 do RGC/CBF 2021 – O fato de ser relacionado na súmula na qualidade de substituto não será computado para aferir o número máximo de partidas que um atleta pode fazer por determinado Clube antes de se transferir para outro de mesma competição, na forma do respectivo REC.
Parágrafo único – Se, na condição de substituto, o atleta vier a ser apenado pelo árbitro, será considerada como partida disputada pelo infrator, para fins de quantificação do número máximo a que alude o caput deste artigo.
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Art. 13 do RNRTAF/CBF 2021 – O registro do atleta na CBF é requisito indispensável para a sua participação em competições oficiais organizadas, reconhecidas ou coordenadas pela CBF, por Federação, pela CONMEBOL e/ou pela FIFA.
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- 3º – O registro e a atuação do atleta submetem-se às seguintes limitações:
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- II) o atleta que já tenha atuado por 2 (dois) clubes durante uma temporada, em quaisquer das competições nacionais do calendário anual coordenadas pela CBF, não pode atuar por um terceiro clube, mesmo que esteja regularmente registrado.
- a) As copas regionais e os certames estaduais constituem exceção e não serão computados para fins dos limites de atuação e de registro fixados nos incisos I e II deste §3º;
- b) Ressalvado o disposto no art. 5.4 do FIFA RSTP, entende-se por temporada o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano para os fins deste parágrafo, com exceção da temporada de 2021, que se inicia em 27 de fevereiro;
- c) O cômputo para o limite de registros constante do inciso I ocorre quando o atleta é inscrito pelo clube em competição nacional coordenada pela CBF e integrante do calendário anual;
- d) Entende-se por atuar o ato do atleta (i) entrar em campo para a disputa da partida, desde o início ou no decorrer da mesma, ou (ii) ser apenado pelo árbitro na condição de substituto. (grifos nossos).
Embora o Regulamento Específico da Competição (REC) do campeonato brasileiro série A 2021 seja completamente omisso, silente (vazio, lacônico) a respeito do tema de “atuação considerada” quando o atleta receba cartão amarelo ou vermelho, mesmo sem entrar na partida, parece lúcido que na falta de norma específica se aplique de forma subsidiária e complementar os demais regulamentos gerais da CBF acerca da matéria, sob pena de inócuos e não servirem de nada. É esta a melhor leitura interpretativa a ser realizada perante o art. 1° do próprio REC do campeonato brasileiro 2021:
Art. 1º – O Brasileirão Assaí 2021, doravante denominado CAMPEONATO, é regido por 2 (dois) regulamentos:
a) Regulamento Geral das Competições (RGC) – o qual trata das matérias comuns aplicáveis a todas as competições coordenadas pela CBF;
- b) Regulamento Específico da Competição (REC) – que condensa o sistema de disputa e outras matérias específicas e vinculadas ao CAMPEONATO, prevalecendo sobre o RGC em caso de conflito.
Sendo assim, se a falta de regulamentação expressa sobre o que é “considerado atuar sem entrar nas partidas” não puder ser regida por disposições comuns que estão no RGC/CBF 2021 e RNRTAF/CBF 2021, então, estes regulamentos só servem para determinados tipos de competições e o brasileirão série A não serviria? Seria uma intepretação, no mínimo, desproporcional e incoerente.
A boa hermenêutica ensina que “uma norma não pode figurar na ordem jurídica para não servir de nada”, portanto, não faria sentido normativo algum, seja jurídico ou social que, os regulamentos gerais não sejam observados em uma matéria quando o REC de uma competição seja omisso no campo.
Por demais, na disposição preambular do RGC/CBF 2021 resta claro: “Salvo se expressamente determinado de outra forma por este RGC, entende-se: (…) III – por condição de jogo a situação regular do atleta para ser relacionado na súmula de determinada partida, cumprindo-se o disposto neste RGC e no respectivo REC;”.
Por outra banda, o preâmbulo do RNRTAF/CBF também reforça: “Observação: Neste Regulamento, referência a “atleta”, “técnico de futebol” ou “membro de comissão técnica” aplica-se indistintamente a homens e mulheres, com exceção dos artigos 11, parágrafo único, “c” e 84, parágrafo único, “c”, que se aplicam apenas a mulheres.”
O fato de o REC do campeonato brasileiro série A 2021 ser completamente omisso acerca do que significa “atuar pelos casos de punição por cartão amarelo ou vermelho quando o atleta está no banco de reservas”, não significa vedação (proibição) da previsão cristalina deste tipo de “atuação” previsto tanto no art. 43, parágrafo único, do RGC/CBF 2021, quanto no art. 13, § 3°, II, d), do RNRTAF/CBF 2021, citados destacadamente alhures.
Tal esforço interpretativo tornaria sem sentido a existência das demais normas federativas expressadas acima, que regulam a “atuação de um jogador sem que ele entre em campo”, desvalorizaria as normas federativas do sistema CBF, seria uma falta de hermenêutica. Afinal para que servem as outras regulamentações, se na falta de uma previsão específica não puderem ser usadas subsidiariamente e complementarmente.
O RNRTAF/CBF 2021 regula as transferências nacionais de jogadores e devem reger todo o tipo de transferência, observadas as nuances de cada regulamento competitivo, mas se não há previsão específica restritiva, afastar aplicação de suas normas gerais, é perigoso, pode infirmar os princípios da ética desportiva, da par conditio (igualdade de condições) nas competições, respingando na incerteza dos resultados.
Diante do esposado até aqui, caso se comprove que realmente o atleta “atuou” por outro clube tradicional do sul sete (7) vezes, incluindo as duas (2) vezes que o atleta não entrou na partida, mas recebeu cartões, não há outra decisão mais razoável do que o STJD cominar as sanções previstas no art. 214 do CBJD: “no mínimo a perda de 3 pontos disputados pelo tradicional clube nordestino em cada partida em que atuou o atleta supostamente irregular, podendo ainda incidir a multa de R$ 100,00 a R$ 100.000,00 reais”.