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Considerações jurídicas sobre governança e transparência da SAF

A Lei nº 14.193/2021, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), trouxe avanços significativos na estruturação e gestão dos clubes de futebol no Brasil. Dentre suas disposições, destacam-se medidas de compliance e integridade, visando prevenir conflitos de interesse, fortalecer a governança corporativa e garantir transparência na administração das entidades desportivas. Dois dispositivos fundamentais nesse contexto são o artigo 4º e o artigo 6º, que estabelecem restrições quanto à participação societária e impõem regras de divulgação da composição acionária.

Como prevenção de conflito de interesse, integridade e equidade competitiva, o art. 4º da Lei da SAF proíbe que um mesmo acionista controlador detenha participação, direta ou indireta, em mais de uma SAF. Essa restrição é essencial para evitar situações que comprometam a equidade e a integridade das competições esportivas. A preocupação central é impedir que um investidor tenha influência simultânea sobre duas equipes concorrentes, o que poderia resultar em decisões desportivamente questionáveis, como manipulação de partidas, favorecimentos táticos ou interferências em negociações de jogadores, podendo, inclusive, ocorrer na prática de interferência de terceiros, vedada pela FIFA (Third Party Influence – “TPI”).

Ademais, o parágrafo único do art. 4º estabelece que, mesmo que um investidor não seja  controlador de uma SAF, caso detenha 10% ou mais do capital social, este também não poderá exercer direito a voz ou voto nas assembleias gerais nem participar da administração de outra SAF.   Esse mecanismo é um ponto essencial de governança corporativa, visando evitar que minoritários com participação significativa influenciem decisões em múltiplas entidades, preservando a autonomia das organizações esportivas.

A regulação também está alinhada às melhores práticas internacionais, como as da UEFA, que já impõe restrições a investidores que busquem controle ou participação relevante em clubes que disputam a mesma competição. A existência de normas claras e objetivas fortalece a credibilidade das SAFs, garantindo um mercado competitivo e afastando conflitos que poderiam comprometer a imparcialidade dos resultados esportivos.

Por sua vez, o art. 6º da Lei da SAF reforça a necessidade de transparência na estrutura acionária das sociedades anônimas do futebol. O citado dispositivo determina que qualquer pessoa jurídica que detenha 5% ou mais do capital social de uma SAF deve informar não apenas à entidade esportiva, mas também à entidade nacional de administração do desporto (como a CBF), os dados completos dos beneficiários finais, incluindo nome, qualificação, endereço e informações de contato.

O objetivo da citada exigência consiste em combater práticas fraudulentas e lavagem de dinheiro, evitando que investidores ocultos ou “laranjas” influenciem decisões nas SAFs, além de garantir transparência na gestão e responsabilidade dos dirigentes, permitindo que as autoridades desportivas e os stakeholders (incluindo torcedores e patrocinadores) tenham clareza sobre quem efetivamente controla as entidades.

Caso essa obrigação de transparência não seja cumprida, a legislação impõe penalidades rigorosas, como a suspensão dos direitos políticos e retenção de dividendos, juros sobre capital próprio e outras formas de remuneração até que a informação seja devidamente prestada, incentivando os investidores a manterem um compromisso com a transparência, prevenindo situações de ocultamento de propriedade que poderiam prejudicar a gestão das SAFs.

A implementação dos artigos 4º e 6º da Lei da SAF representa um avanço significativo no compliance esportivo, uma vez que estabelece parâmetros claros para evitar influências indevidas e fraudes dentro das entidades desportivas. Tratam-se de medidas de conformidade que visam garantir a segregação de interesses, impedindo que um mesmo investidor atue em duas SAFs de forma a comprometer a lealdade esportiva, bem como impõe o “accountability”, obrigando que todos os agentes econômicos envolvidos na SAF sejam conhecidos e fiscalizados, além de objetivar a estabilidade e credibilidade, de modo que clubes estruturados sob a SAF passam a ser percebidos como organizações seguras para investimentos.

As mencionadas normas buscam fortalecer a governança corporativa das SAFs, assegurando que sua gestão se dê em conformidade com padrões éticos e legais, afastando riscos de gestão temerária e garantindo que o futebol brasileiro possa evoluir dentro de uma estrutura financeiramente sustentável e desportivamente justa.

Os dispositivos analisados evidenciam um compromisso do legislador com a integridade e o compliance esportivo, ao estabelecer mecanismos concretos de controle e transparência na administração das SAFs. A prevenção de conflitos de interesse e a obrigação de divulgação da estrutura societária são instrumentos essenciais para a credibilidade e sustentabilidade das SAFs, garantindo que o futebol brasileiro seja gerido com responsabilidade e equidade competitiva. Essas regras, ao convergirem com as melhores práticas internacionais, contribuem para um ambiente esportivo mais profissional, seguro e atrativo para investidores, torcedores e demais partes interessadas.

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