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Criação de liga independente da CBF é viável juridicamente e pode desenvolver o futebol brasileiro

O Campeonato Brasileiro poderá sofrer uma importante mudança a partir da próxima temporada. Conforme revelou o ‘GE’ mais cedo, dezenove dos vinte clubes da Série A assinaram nesta terça-feira (15) um documento na qual concordam em fundar uma Liga para organizar a competição nacional, que hoje pertence à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Assim como no caso da Superliga Europeia, ao se pensar em criação de ligas independentes, é necessário antes de mais nada saber se ela é viável juridicamente.

“Legalmente, é viável. Na prática, o diálogo deve imperar para que a construção seja conjunta e harmônica entre confederação e clubes, de modo a potencializarem a rentabilidade e alcance do enorme produto que têm. Inúmeros são os exemplos positivos mundo afora, como a Premier League, criada em 1991, e a Bundesliga”, afirma Victor Targino, advogado especialista em direito desportivo.

Já o advogado Alberto Goldenstein, cita que “de acordo com art. 20 da Lei Pelé é possível a criação de ligas independentes desde que seja comunicada a entidade de prática desportiva”.

“A possibilidade (de se criar uma liga independente) sempre existiu, o que faltava era uma união dos clubes, fato que parece que ocorreu nesse momento”, completa o especialista em direito desportivo.

“A questão sempre foi muito mais política do que jurídica. Caminho legal existe, na Constituição e na Lei Pelé. Agora, esse movimento só ganhará força para que a CBF aceite uma negociação, ou mesmo para uma ruptura – se for um entendimento coletivo, sem desertores. Unidos, clubes superam déficit democrático e se cacifam politicamente para exercer um direito que têm”, diz Andrei Kampff, advogado e colunista do Lei em Campo.

O documento (confira à baixo) foi entregue para a diretoria da CBF em uma reunião na tarde dessa terça, na sede da entidade, no Rio de Janeiro. O Sport foi a única equipe da Série A dessa temporada a não assinar o documento, mas não por ser contrária à ideia, e sim porque o Leão está sem presidente, uma vez que Milton Bivar renunciou ao cargo e ainda não foi marcada uma nova eleição.

“‘A união dos clubes de futebol é uma ingenuidade sua’. Não, não era. Hoje 19 clubes de Série A assinaram o compromisso de criação imediata da Liga de Futebol do Brasil. Série B já foi convidada. Pedimos também equiparação nos votos na eleição da CBF e fim dos filtros de candidatura”, escreveu o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, em seu Twitter.

Após o afastamento de Rogério Caboclo da presidência da CBF devido à abertura de uma investigação de assédio moral e sexual contra uma funcionária, dirigentes dos clubes deram início a um movimento para ocuparem espaços de poder na confederação. Um dos desejos deles é uma maior participação na eleição e em tomadas de decisões da entidade, uma vez que seus votos (peso 2), têm menor peso do que as federações (peso 3).

“A criação de uma liga de clubes, com todos os clubes da primeira divisão do futebol brasileiro, pode ser uma forma de união dos clubes, os quais poderão buscar, ainda mais, seus interesses. Uma liga formatada será também um passo para uma maior profissionalização do esporte dando um viés mais igualitário para os que praticam o espetáculo, o que beneficiará a organização deste espetáculo e todo o futebol brasileiro”, opina Alberto Goldenstein.

Em seu Estatuto, a CBF prevê no art.24 que para uma Liga ser criada é preciso de aprovação da Assembleia Geral Administrativa, na qual apenas as 27 federações estaduais de futebol têm direito a voto.

“O mesmo artigo estabelece, ainda, que as ligas criadas sem observância do Estatuto da CBF, não serão reconhecidas para todos e quaisquer efeitos jurídicos e desportivos como integrantes do sistema da Fifa/Conmebol/CBF. Por outro lado, a Lei Pelé, desde 1998, estabelece que os clubes podem organizar ligas regionais ou nacionais. Também estabelece que a confederação, como entidade de administração do futebol nacional, não pode interferir na criação e administração das ligas. Sob uma perspectiva teórica, a lei se sobrepõe ao Estatuto da CBF”, avalia Tiago Gomes, advogado especialista em direito comercial.

O que diz o art.24 do Estatuto da CBF?

Art. 24 – É facultado à CBF, a seu exclusivo critério e nos termos do presente Estatuto, mediante decisão de sua Assembleia Geral Administrativa, admitir a vinculação de Ligas constituídas ou organizadas por entidades de prática desportiva, para fins de integração de suas competições ao calendário anual de eventos oficiais do futebol brasileiro e para seu reconhecimento ou credenciamento na estrutura ou organização desportiva de futebol, no âmbito regional, nacional ou internacional.

§ 1º – Para vinculação à CBF e para a integração de suas competições ao calendário anual oficial do futebol brasileiro, as Ligas deverão cumprir os requisitos exigidos pela CBF.

§ 2º – As Ligas, para terem sua vinculação admitida, devem submeter seus Estatutos à prévia aprovação da CBF a quem incumbe definir a competência, direitos e deveres das Ligas, em obediência ao disposto no Estatuto da FIFA.

§ 3º – As Ligas admitidas estarão obrigadas a respeitar o calendário anual do futebol brasileiro, além de subordinarem-se aos Estatutos, normas, regulamentos e decisões da FIFA, da CONMEBOL e da CBF.

§ 4º – As Ligas eventualmente criadas sem observância deste artigo não serão reconhecidas para todos e quaisquer efeitos jurídicos e desportivos como integrantes do sistema da FIFA, da CONMEBOL, da CBF e das Federações filiadas.

No entanto, Tiago Gomes explica que se não houver acordo entre CBF e clubes para a criação da Liga, o caso poderá ser judicializado.

“Caso a CBF questione a decisão dos clubes de criar uma Liga, essa discussão será objeto de uma disputa jurídica a ser decidida em sede arbitral. Por mais célere que seja o procedimento, é extremamente improvável que ele seja resolvido ainda em 2021. E aí se põe uma questão prática: dada a enorme instabilidade do futebol brasileiro e a situação financeira de penúria, salvo raríssimas e honrosas exceções, dos clubes brasileiros, os clubes irão topar uma disputa jurídica, por melhores que sejam as suas chances de sucesso? Por outro lado, a CBF aceitaria, nesse momento de enorme turbulência, entrar em uma disputa contra os clubes em que suas chances de perder fossem maiores, apostando que o tempo jogaria a seu favor?”, questiona.

Confira a íntegra do documento entregue pelos clubes à CBF

“Por unanimidade dos presentes, 19 Clubes da Série A do Futebol Brasileiro – em razão de diversos acontecimentos que vêm se acumulando ao longo dos anos e que revelam um distanciamento total e absoluto entre os anseios dos clubes que dão suporte ao futebol profissional brasileiro e a forma como que é gerida a CBF – reunidos nesta data, decidiram adotar postulações e resoluções na forma abaixo elencada:

1) Requerer a imediata alteração estatutária que consagre uma maior participação dos Clubes nas decisões institucionais e na gestão da CBF, admitindo-se os clubes como filiados desta entidade;

2) Dentre os itens desta alteração estatutária, necessariamente deve ser incluída a votação igualitária nas eleições para escolha do Presidente e Vice-Presidentes da CBF, sendo certo que Federações e Clubes das Séries A e B terão seus votos contados de forma unitária e com o mesmo peso entre si;

3) Ainda no que se refere à alteração estatutária, inclui-se o fim dos requisitos mínimos para inscrição nas chapas concorrentes à eleição desta entidade, abolindo-se a necessidade de apoio de 8 (oito) federações e 5 (cinco) Clubes, permitindo-se o lançamento de chapas que tenham o apoio expresso de, ao menos, 13 eleitores independente de serem clubes ou federações;

4) Comunicar a decisão da criação imediata de uma Liga de futebol no Brasil, que será fundada com a maior brevidade possível e que passará a organizar e desenvolver economicamente o Campeonato Brasileiro de Futebol. Além dos Clubes signatários, os Clubes da Série B serão convidados a integrara a Liga.

Os clubes adotarão medidas efetivas para consumar a sua associação, para, de forma organizada, exercerem a administração do futebol brasileiro e do seu calendário.”

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