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Crimes virtuais no futebol: como jogadores, técnicos e clubes podem se blindar desse problema?

O técnico Lisca, do América-MG, é mais uma de tantas outras vítimas de crimes virtuais no futebol. Em entrevista coletiva após a decisão do Campeonato Mineiro, no último sábado (22), o treinador revelou que sua família está sofrendo ameaças de torcedores rivais através das redes sociais e deixará Minas Gerais devido à falta de segurança. O caso reacendeu um grande debate: como clubes, profissionais do futebol e instituições esportivas podem ser blindar desse grande problema?

“Infelizmente os crimes virtuais ainda são pouco combatidos. Atletas, técnicos e todas as outras pessoas que são atingidas deveriam se unir e buscar o suporte judicial para reprimir esse tipo de ocorrência nos termos da lei. Não é fácil, mas considerando o fato de que diversos partícipes do futebol são vítimas frequentes de crimes virtuais, seria interessante pensar, inclusive, em um suporte por parte de sindicatos e associações profissionais”, afirma Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo.

Para Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, essa é uma questão “cada vez mais séria” e precisa ser debatida.

“Clubes e influenciadores digitais fariam um bem enorme se se unissem numa campanha de conscientização para um uso mais humano das redes sociais”, avalia Fernanda.

“Nem os clubes, tão pouco o Estado, poderá resolver isso de forma específica. Essa estrutura precisa ser solucionada de forma global. A gente aqui no Brasil avançou com a nova Lei de Proteção de Dados e com o Marco Civil da Internet, ou seja, já temos uma regulação um pouco mais preparada do que outros países. É necessário mais, pensar como controlar esse problema”, analisa Mônica Sapucaia, advogada especialista em direitos humanos.

O Lei em Campo falou nesta quarta-feira (26) sobre o caso de Lisca. A principal reclamação do treinador está na falta de privacidade, uma vez que os comentários feitos por ele aconteceram dentro do vestiário do Coelho e não de forma pública. No áudio, divulgado pela ‘TV Globo’ horas após o término da partida, ele chama Felipe Conceição, técnico do Cruzeiro, de “freguês”, por ter derrotado o rival em outras oportunidades. O comentário teve grande repercussão em Minas Gerais, o que deu início a uma série de ‘perseguição’ ao treinador americano e pessoas diretamente ligadas a ele.

“Foi muito chato o que aconteceu, meu telefone foi invadido, fui ameaçado várias vezes, as redes sociais das minhas filhas foram invadidas com pornografia. Vocês passaram a semana inteira fomentando uma situação que não aconteceu, prejudicaram demais um pai de família. Minha família está indo embora de Minas Gerais por isso. No fim do mês minhas filhas estão voltando para Porto Alegre junto com a minha esposa, porque a gente se sentiu invadido, minhas filhas choraram demais por tudo que aconteceu”, declarou o técnico do América-MG.

Problema mundial

Esse tipo de problema não é exclusivo do Brasil e está se tornando cada vez mais comum. Com a ausência de público in loco, os torcedores estão canalizando toda a mágoa nas redes sociais dos jogadores, e também das famílias dos atletas. Na última semana de março, o jogador galês Gareth Bale se manifestou após receber mensagens de ódio na internet, assim como seus companheiros de seleção, Ben Cabango e Rabino Matondo, mesmo após o País de Gales ter vencido o México em amistoso. Depois do episódio, que certamente não foi o primeiro, Bale sugeriu uma campanha de boicote às redes sociais.

Na semana anterior, o ex-jogador Thierry Henry já havida suspendido o perfil em todas as redes sociais, afirmando que o enorme volume de racismo, intimidação e tortura mental resultante para as pessoas é tóxico demais para ser ignorado. Tem que haver alguma responsabilização”.

No Brasil, o jogador Fagner, do Corinthians, já exibiu mensagens enviadas para seu filho de apenas 10 anos, nas quais um torcedor ameaçava invadir sua casa. No início do ano de 2021, o brasileiro Everton Cebolinha e o uruguaio Darwin Nuñez, ambos jogadores do Benfica, suspenderam suas contas no Instagram após serem alvos de duras críticas, e até ameaça de morte, em razão de derrota no campeonato português.

Na Inglaterra

Atualmente, o país é um dos que mais tem sofrido com casos de crimes virtuais contra jogadores nas redes sociais.Somente no mês de março, ao menos cinco jogadores do Manchester United sofreram ataques raciais e discriminatórios após resultados negativos na Premier League e na Europa League.

Um estudo encomendado pela ‘PFA’, publicado em outubro do ano passado, analisou postagens das mídias sociais direcionadas a 44 jogadores. Ele descobriu que mais de 3 mil mensagens abusivas foram direcionadas a esses atletas via Twitter, com 50% do conteúdo destinado a apenas três jogadores: Adebayo Akinfenwa, WilfriedZaha e Sterling.

Na época do estudo, Sterling desabafou: “Não sei quantas vezes preciso dizer isso, mas o futebol e as plataformas de mídia social precisam se destacar, mostrar liderança real e tomar as medidas adequadas para combater o abuso online. A tecnologia existe para fazer a diferença, mas estou cada vez mais questionando se existe vontade”.

Boicote às plataformas digitais

Foram tantos os casos no primeiro semestre que o futebol inglês decidiu fazer um boicote contra as redes sociais no final de abril. Durante três dias, clubes, jogadores e ligas fizeram um ‘apagão’ ao não publicarem nada nas plataformas digitais.

A ação, que contou com o apoio da Fifa, Uefa e todas as ligas de futebol da Inglaterra, teve o principal objetivo de mostrar a gravidade e a frequência dos ataques sofridos pelos jogadores e outros profissionais dentro do futebol, e exigir respostas mais severas por parte dessas empresas.

Diante disso, o advogado Vinicius Loureiro alerta para um detalhe.

“É importante ressaltar que, sendo figuras públicas cuja remuneração está diretamente ligada à imagem, é possível buscar junto às plataformas reparação por eventuais danos causados, sendo possível discutir inclusive a responsabilidade das empresas detentoras das redes sociais pelas falhas tecnológicas que permitiram que tais danos ocorressem”, afirma o especialista.

Muitos jogadores já afirmaram que desativam os comentários de desconhecidos em suas redes, justamente para evitar esse tipo de situação. No entanto, a interatividade nas redes sociais é uma ferramenta importante para aumentar o engajamento e atrair patrocinadores, o que faz com que muitos atletas suportem o ônus das ofensas.

No caso citado de Cebolinha e Darwin, a suspensão da conta do Instagram pode ter feito com que eventual marca patrocinadora dos atletas tenha perdido a exposição contratada. Cabe multa? Rescisão contratual? Há flexibilidade do patrocinador, em respeito ao sofrimento do atleta?

O problema é grave e precisa ser debatido. Somente dessa forma, será possível encontrar uma solução.

“O mundo digital ainda é relativamente novo e não está completamente regulamentado. É apenas com as ações dos prejudicados e as decisões judiciais que será possível moldarmos essa nova realidade”, finaliza Vinicius.

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