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Crossfit é esporte ou é só uma marca mundialmente conhecida?

Por Guilherme Vieira da Silva

Com mais de 4 milhões de adeptos no mundo todo, a prática do crossfit tem crescido cada vez mais. O Crossfit já conquistou mais de 140 países, sendo que a modalidade movimenta US$ 4 bilhões por ano. O Brasil possui a segunda maior concentração de academias afiliadas ao Crossfit: 1.177, conforme dados da CrossFit Inc., publicados em 8 de junho de 2019, em seu site.

Como o crossfit virou um negócio bilionário?

O crossfit mistura exercícios aeróbicos, exercícios de calistenia e levantamento de peso olímpico, e seu lema é “The Sport of Fitness”. Por se tratar de uma prática criada nos Estados Unidos, por Greg Glassman, fundador e CEO da CrossFit Incorporation, estamos falando de uma marca registrada inicialmente nos Estados Unidos, que defende fielmente o seu nome. As mais de 13 mil academias afiliadas pagam anualmente US$ 3 mil de royalties, em média, pelo uso da marca em seus nomes, somado aos cursos obrigatórios de treinamento dos coachs.

Para evitar o que ocorreu com o pilates, que também era uma marca registrada, cujo o nome não foi protegido e se tornou genérico, perdendo a empresa de mesmo nome o direito à patente em 2000, a CrossFit Inc., possui um corpo jurídico ativo, que não permite a utilização de seu nome para cursos, treinos ou outros campeonatos que não os organizados pela própria empresa.

Para isso, o departamento legal da marca possui um representante em cada país, responsável pelos afiliados, que aciona quando alguém utiliza indevidamente o nome da marca.

Somente em 2019, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial registrou a marca no Brasil, e em maio, já foram instaurados dois processos contra academias brasileiras que estavam usando a marca sem qualquer tipo de autorização ou filiação. Em ambos os casos, a justiça brasileira acatou ao pedido da CrossFit Inc. liminarmente, não havendo, até o momento, decisão em definitivo.

Com metodologia definida e controle do uso da marca, a CrossFit Inc. tornou-se mais que uma marca: um negócio bilionário.

Apesar disso, não é possível patentear a metodologia da modalidade desportiva, tendo em vista que o esporte é público e pode ser praticado por qualquer pessoa, o que faz com que existam infinitas academias “genéricas”, entituladas normalmente como Cross Training, treinamento funcional, outros nomes similares, e um crescente número de academias que utilizam as siglas MMT, (Mixed Modality Training), ou Mistura de Modalidades de Treinamento, mas que utilizam a mesma metodologia de treino.

Mas afinal, crossfit pode ser considerado um esporte?

Antes de entrarmos nessa discussão, é necessário entendermos que o termo esporte é definido pelo Estatuto do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), em seu artigo 9º, § 2º, que dispõe:

“§ 2º – O termo desporto/esporte compreende sistema ordenado de práticas corporais que envolve atividade competitiva, institucionalizada, realizada conforme técnicas, habilidades e objetivos definidos pelas modalidades desportivas segundo regras pré-estabelecidas que lhe dá forma, significado e identidade, podendo também ser praticado com liberdade e finalidade lúdica estabelecida por seus praticantes, realizado em ambiente diferenciado, inclusive na natureza (jogos: da natureza, radicais, orientação, aventura e outros). A atividade esportiva aplica-se, ainda, na promoção da saúde e em âmbito educacional de acordo com diagnóstico e/ou conhecimento especializado, em complementação a interesses voluntários e/ou organização comunitária de indivíduos e grupos não especializados.”

O conceito de Esporte pela educação física é bem amplo, mas o que impediria o crossfit de ser chamado de esporte é justamente porque o crossfit não é institucionalizado, e, portanto, por muitos é considerado apenas uma atividade física, como veremos adiante.

Do ponto do Direito Desportivo, segundo Rafael Terreiro Fachada, para a caracterização do esporte, existem três elementos que se dialogam entre si: Método, competitividade e práticas corporais.

Se aplicarmos estes conceitos, é possível entendermos que crossfit (ou pelo menos sua metodologia desportiva), além de uma marca registrada, pode ser considerado um esporte, pois possui um método uniformemente praticado no mundo inteiro, é extremamente competitivo, além de possuir variadas e intensas práticas corporais.

Só que existem vários blogs que se limitam a dizer que crossfit é uma atividade física, ou seja, uma atividade com o corpo que visa o bem-estar e/ou a saúde. Entretanto, é necessário lembrar que o desporto de rendimento não visa a saúde, mas sim o resultado desportivo nas competições.

Em contrapartida, existe um movimento mundial de desassociação da marca CrossFit à metodologia desportiva, através da criação da modalidade desportiva MMT (Mixed Modality Training), ou Mistura de Modalidades de Treinamento. Inclusive, diversos outros torneios surgiram utilizando esta metodologia, como a Arnold Sports MMT Games, Monstar Games, que chama a modalidade de fitness, e NPGL (Liga Norte Americana de GRID), esta última, liga profissional que chama a modalidade de grid.

O que mais gera discussão se crossfit é um esporte ou não, é quanto a sua organização, pois por ser uma marca, não existem confederações e federações que regulamentam ou padronizam a modalidade.

A necessidade de uma maior organização afeta a modalidade desportiva e os atletas profissionais que dela participam, pois o controle antidoping das competições da CrossFit não respeita a WADA (World Anti-Doping Agency), órgão mundial responsável por examinar esportes participantes do movimento olímpico e federativo. Além do mais, um esporte institucionalizado precisa possuir regras fixas, bem como uma subordinação a um órgão oficial, como normalmente ocorre, com exceção do que ocorre nas ligas dos Estados Unidos. A forma de organização da CrossFit é similar ao modelo norte-americano de organização do esporte. No caso dos esportes coletivos (NBA, MLS, NHL, NFL, etc.), as ligas são franquias, e os times da liga, franqueados. No caso de esportes individuais, seria possível traçar um paralelo com o MMA, que seria equivalente ao MMT, e o UFC, seria equivalente à CrossFit. Tanto a CrossFit quanto a UFC são marcas famosas que possuem concorrentes menos conhecidas.

Diferentemente do MMA, o problema que ocorre com atletas profissionais de MMT é que estes participam de inúmeras competições, sendo que cada empresa que organiza uma competição dispõe o regulamento de uma forma diferente. É como se um lutador de MMA pudesse participar de lutas do UFC, do Bellator e da WSOF (World Series of Fighting). Isso não ocorre com o MMA, mas ocorre com o MMT.

Para piorar ainda mais a situação, muitos atletas de crossfit também competem no Levantamento de Peso Olímpico, como Lauren Fisher, que se submete ao controle anti-doping da USAW (Federação Nacional de Levantamento de Peso Americana), associada à WADA (World Anti-Doping Agency). O controle feito pela WADA é mais restrito do que de competições não ligadas à WADA, o que viola o princípio de paridade de armas entre os atletas de MMT que competem campeonatos ligados a WADA, com os que não competem.

Uma coisa é certa: não compete aos operadores de direito ou aos educadores físicos dizer o que é esporte e o que não é esporte. Compete à sociedade decidir como vai denominar a modalidade desportiva. Afinal, estamos falando de uma prática que está em plena expansão e desenvolvimento, cuja criação de órgãos oficiais se faz necessária para trazer mais espectadores, patrocinadores, credibilidade e segurança jurídica.

Ah! Outra coisa é certa: CrossFit Inc. é uma marca sólida e lucrativa, cabendo a ela a decisão de se sujeitar ou não a estes órgãos, justamente por ser uma empresa privada.

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Guilherme Vieira da Silva é advogado e pós-graduando em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo.

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