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De volta para o futuro

Ao longo da última semana eu fiquei me perguntando sobre o que escreveria, já que as competições ainda não voltaram e, com isso, a Justiça Desportiva ainda está em ritmo lento. A dúvida era grande, até que Rafael Sóbis me brindou com conteúdo para um mês de coluna. É isso mesmo, nas próximas quatro semanas utilizaremos o caso de Rafael Sóbis para discutir 4 temas importantes para o processo disciplinar desportivo, que são: prescrição, inquérito e provas, competência da Justiça Desportiva e natureza executiva de suas decisões.

Para quem não sabe o que está acontecendo, vou resumir a história: mais de 5 anos depois da partida, o atacante, que se aposentou ao final da Série B de 2021, declarou que havia atuado de forma a beneficiar o Internacional na luta contra o rebaixamento em 2016, inclusive errando jogadas de forma deliberada.

Como sabemos, atuar deliberadamente em prejuízo de sua equipe é infração disciplinar prevista no artigo 143 do CBJD, e a pena prevista é de suspensão por até 360 dias, além de multa de até 100 mil reais. Hoje aposentado, e mais de 5 anos após o ocorrido, o atleta se sentiu seguro para assumir a prática da infração disciplinar, acreditando que não poderia mais ser punido.

Mas será que é isso mesmo?

Analisando de forma superficial pode parecer que sim, mas nas próximas 4 semanas vamos mostrar que não é bem assim. E para começar, vamos analisar a prescrição, que poderia matar o processo de cara.

De acordo com o artigo 165-A do CBJD, a pretensão punitiva da Procuradoria prescreve em 60 dias para os casos de infração ao artigo 243. Ou seja, não há como discutir que o caso está prescrito. Certo?

Vamos analisar com um pouco mais de calma.

As alíneas do parágrafo 6º do artigo 165-A definem o momento a partir do qual inicial a contagem do prazo prescricional, que não ocorre no momento da consumação da infração para todos os casos. Vejamos a seguir em qual das alíneas melhor se encaixa a infração cometida nesse caso.

“§ 6º A pretensão punitiva disciplinar conta-se: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

a) do dia em que a infração se consumou;

b) do dia em que cessou a atividade infracional, no caso de tentativa;

c) do dia em que cessou a permanência ou continuidade, nos casos de infrações permanentes ou continuadas;

d) do dia em que o fato se tornou conhecido pela Procuradoria, nos casos em que a infração, por sua natureza, só puder ser conhecida em momento posterior àqueles mencionados nas alíneas anteriores, como nos casos de falsidade.”

Como sabemos, o atleta atuou em uma única partida em prejuízo de sua equipe, então não podemos considerar essa uma infração permanente ou continuada, o que nos faz descartar a hipótese da alínea c. Também sabemos que o atleta obteve êxito em sua intenção, tendo prejudicado o time claramente em ao menos um lance, o que descarta a tentativa e, por consequência a alínea b.

Finalmente, nos resta determinar se seria possível à Procuradoria tomar conhecimento da infração à época dos fatos.

Hoje sabemos que, em razão do fortalecimento do mercado de apostas, há sistemas que, com base na inteligência artificial, conseguem identificar quando há indícios de fraude ou atuação incompatível em uma partida. No entanto, essas ferramentas não estão disponíveis para a Procuradoria, e tampouco podemos falar na existência de uma Notícia de Infração à época. Sendo assim, não seria razoável esperar que a Procuradoria tivesse conhecimento do dolo do atleta à época dos fatos.

A alínea a é mais adequada às infrações que podem ser verificadas por meio de análises documentais, como aquelas relatadas em súmula ou mesmo a infração relativa ao artigo 214, que é a inclusão em súmula de atleta sem condição de jogo, já que bastaria a verificação de tais documentos por qualquer das partes interessadas para que a infração fosse identificada.

Por este motivo, o mais razoável é que se aplique o que previsto na alínea d do parágrafo 6º do artigo 165-A, que diz que o prazo prescricional deverá ser contado a partir do momento em que a Procuradoria tomar conhecimento da infração disciplinar, ou seja, da divulgação da entrevista na qual o ex-atleta admitiu a prática.

Com isso, mesmo passados 5 anos dos fatos, não podemos falar em prescrição, já que o prazo prescricional se iniciou apenas neste momento, cabendo à Procuradoria analisar os outros requisitos para saber se é cabível ou não a ação disciplinar neste momento.

De nossa parte, continuaremos a análise na próxima semana, falando sobre a possibilidade de pedido de instauração de inquérito disciplinar e a produção de provas nesse caso.

Crédito imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

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