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Decisão do STJ traz insegurança sobre comando da CBF e risco de punição

Mais uma vez o poder da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) poderá trocar de mãos. Isso porque uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta quinta-feira (24), determinou que o diretor mais velho deve assumir interinamente a presidência da entidade. A decisão faz parte do processo movido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra a CBF no qual pediu a anulação da eleição de Rogério Caboclo, em 2017, e solicitou mudanças no sistema das regras eleitorais. O caso volta a trazer preocupação, uma vez que a FIFA prevê punições para as federações que sofrerem intervenções da Justiça Comum.

“Como a intervenção externa de fato ocorre, ainda que de acordo com as leis vigentes no Brasil, é possível que a FIFA aplique algum tipo de sanção à CBF. Isso no campo teórico. No campo prático, no entanto, é muito pouco provável que essa intervenção ocorra, tanto pela relevância da CBF para a própria FIFA quanto pelo delicado momento político que vive a estrutura de administração do esporte em nível global”, avalia Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

O advogado Carlos Ramos, advogado especialista em direito desportivo, enxerga possibilidade de punição “do ponto de vista prático”, mas acredita que a entidade máxima do futebol não fará nada.

“A rigor, do ponto de vista prático, a CBF poderia sim sofrer punições, pois teria ocorrido uma interferência estatal (por meio do STJ) em seu funcionamento. E a FIFA é muito severa em buscar evitar qualquer tipo de perturbação que possa causar distúrbios na autonomia das entidades integrantes do sistema associativo que comanda. Mas a meu ver, a FIFA não deve fazê-lo. A autonomia constitucional das entidades desportivas não significa absoluta independência ou imunidade para cometer eventuais ilegalidades, pois todos estão sujeitos a normas cogentes”, analisa.

“Uma punição da FIFA a uma entidade que cumpre uma decisão judicial pode trazer impactos nos processos que avaliam o monopólio esportivo, trazendo repercussões mais negativas do que a própria intervenção”, acrescenta Vinicius Loureiro.

“É inegável que o sistema eleitoral da CBF, conforme arquitetado (com os clubes das séries A e B tendo peso menor que as federações), na prática, impede que mudanças estruturais possam ser efetivadas por meio dos clubes, os quais, no frigir dos ovos, são os destinatários da atuação da própria CBF. A autonomia significa apenas que a não intervenção é regra (comportando exceções), buscando-se evitar que a intrusão estatal ataque a reserva natural de autodeterminação das entidades. Autonomia é sinônimo de auto-organização, autogoverno e auto-administração, sem que isso permita fazer tabula rasa das leis em geral. Sendo assim, a FIFA, ao invés de punir, deveria exigir adequações nos estatutos de seus filiados quando a intervenção estatal acaba mostrando-se necessária para corrigir rumos, aí sim sob pena de desfiliação”, afirma Carlos Ramos.

Toda discussão começou em março de 2017, quando a CBF promoveu uma assembleia geral, que não contou com a participação dos clubes, e definiu novas regras para suas eleições. O Colégio Eleitoral da entidade passou a ser formado pelas 27 federações estaduais de futebol, os 20 clubes da Série A e os 20 clubes da Série B do Brasileiro.

Buscando ‘manobrar’ a maioria dos clubes, a entidade estabeleceu que os votos das federações estaduais teriam peso 3, os votos dos clubes da Série A teriam peso 2 e os votos dos clubes da Série B teriam peso 1. Dessa forma, se as 27 federações escolhessem o mesmo candidato, ele teria 81 votos, contra 60 votos dos clubes somados.

No pleito que ocorreu em abril de 2018, já levando em consideração a mudança, Rogério Caboclo venceu a eleição com 135 votos. Desses, apenas Flamengo, Corinthians e Athletico não votaram no dirigente que hoje está afastado da presidência por conta da denúncia de assédio moral e sexual de uma funcionária da entidade.

Para a CBF, a eleição não pode ser anulada, uma vez que a ação foi protocolada na Justiça um ano antes do pleito, em 2017. Além disso, a entidade cita que por ser privada, sua eleição não pode ser rejeitada pela Justiça, alegando autonomia de organização e funcionamento prevista na Constituição.

Mas, afinal, compete a Justiça Comum interferir nesse assunto? A CBF não tem autonomia para resolver o problema? Segundo os especialistas, por se tratar de uma questão associativa, o poder judiciário pode sim intervir.

“Me parece que a questão envolvendo a direção da CBF é sim de competência da Justiça Comum, pois não envolve diretamente disciplina e competições. Não há qualquer ofensa aos preceitos constitucionais quando a Justiça Comum é provocada para aferir a lisura da alternância do poder ou do processo eleitoral da CBF, por exemplo, pois o tema envolve o (des)cumprimento de regulamentos, normas estatais e princípios constitucionais”, afirma Carlos Ramos.

Vinicius Loureiro tem o mesmo entendimento e reforça que a entidade brasileira deveria ter tomado medidas para corrigir as irregularidades em relação ao peso dos votos das eleições, evitando assim ficar exposta à influência externa.

“Essa questão é uma questão eleitoral, ou seja, é uma questão associativa, não envolvendo disciplina e competição. Sendo assim, a competência claramente é da Justiça Comum. E entendo que há fundamentos no que alegado com relação às ilegalidades relativas à definição dos pesos dos votos. A própria CBF já poderia ter tomado medidas internas para sanear esse vício, o que não ocorreu até o momento e deixa a entidade exposta à influência externa, por parte do Poder Judiciário”, diz o advogado.

A decisão desta quinta-feira foi publicada no momento em que ocorria a Assembleia Geral da entidade, na qual foi votada e aprovada a punição (de 20 meses) recomendada pela Comissão de Ética contra Caboclo por assédio moral contra um diretor da entidade.

Segundo o ‘ge’, além de não saber se a assembleia tem validade diante da decisão do STJ, também não um consenso quanto ao diretor mais velho. Não está claro se será considerado Dino Gentile, diretor de patrimônio, ou Carlos Eugênio Lopes, vice-presidente jurídico.

O fato da vice-presidência jurídica não existir no estatuto original da CBF faz com que Carlos Eugênio Lopes seja considerado, em tese, diretor jurídico. Lopes é mais velho do que Gentile, mas há dúvida sobre a sua situação na entidade.

“É difícil dizer quem deve assumir a CBF agora. O estatuto da entidade reza que deveria assumir o vice mais velho da entidade. Mas como a intervenção determinada pela Justiça tem como pano de fundo a necessidade de subversão na dinâmica dos pesos dos votantes no sistema eleitoral, me parece que faz sentido que, nesse momento, a entidade seja conduzida por um diretor ‘externo’ à política atual da entidade exatamente para que haja espaço para a condução das mudanças estatutárias pretendidas. E o critério definido pelo STJ, no qual assumiria o diretor mais antigo, parece razoável”, afirma Carlos Ramos.

Vale lembrar que nesse mesmo processo, uma decisão de primeira instância determinou que o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), assumissem a entidade como interinos. Pouco tempo depois, essa decisão foi derrubada.

Crédito imagem: Hugo Barreto/Metrópoles

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