Pesquisar
Close this search box.

Decisão que nega recuperação judicial ao Figueirense é “balde de água fria” a clubes endividados

Afogado em uma dívida milionária de aproximadamente R$ 165 milhões, o Figueirense sofreu uma dura derrota na Justiça na noite de sexta-feira (12). O clube viu seu pedido de recuperação extrajudicial ser rejeitado pelo juiz Luiz Henrique Bonatelli da Vara Regional de Recuperações Judiciais, Falências e Concordatas de Florianópolis. A medida era uma tentativa de o Alvinegro tentar se reerguer e dar início ao processo de restruturação.

O magistrado alegou que o clube catarinense é uma associação sem fins lucrativos e, dessa forma, não se enquadra no pedido. O principal objetivo do Figueirense com a medida era de impedir novas cobranças pelos próximos 30 dias, citando o risco eminente de falência.

“Foi uma decisão interessante. Chamou minha atenção o fato da ação ter sido promovida por dois autores: Figueirense esporte clube e Figueirense Ltda. Em tese, o segundo – confirmada sua natureza empresarial – poderia ter pleiteado a recuperação judicial, mas não foi assim que entendeu o magistrado responsável”, completou Rafael Pandolfo, advogado especialista em direito tributário.

Para Rafael Marcondes, a decisão foi falha justamente nesse ponto: “a sentença que extinguiu a ação proposta pelo Figueirense por iletimidade de parte, entretanto, a meu ver, é falha em um ponto. Ela não admite a recuperação judicial para às associações civis, porém, não se atenta que a ação foi proposta pelo Figueirense FC (associação) em conjunto com o Figueirense Ltda. (empresa). Assim o pedido de recuperação judicial deveria ter sido analisado ao menos em relação ao Figueirense Ltda., por ele ter natureza empresária. Esse é um ponto que o clube tem fundamentos mais consistentes para recorrer”, avaliou o professor e advogado especialista em direito desportivo.

A recuperação judicial, em princípio, fica restrita apenas às sociedades empresárias. A Lei 11.101/05, que regula a matéria, é expressa ao indicar sua aplicação às empresas, o que impede estender esse benefício às associações sem fins lucrativos, como clubes e entidades esportivas.

“Até existem defensores de que a recuperação judicial poderia ser estendida às associações civis. Mas a posição é bastante discutível e a jurisprudência tende a negar essa interpretação ampliativa. Foi justamente esse o entendimento manifestado pelo juiz no caso do Figueirense que considerou que estender o benefício da recuperação judicial a associações civis seria ‘violar a lei, ampliando sua aplicação para hipóteses conscientemente excluídas pelo legislador’. Essa decisão, inegavelmente é um balde de água fria para clubes como Cruzeiro e Botafogo, que enfrentam situação financeira duríssima e abertamente cogitam a hipótese da recuperação judicial”, ressaltou Marcondes.

“Em conclusão, este magistrado entende que a associação civil não se enquadra no conceito de sociedade empresária, razão pela qual não possui legitimidade para requerer recuperação judicial. E se não é admissível a legitimidade ativa para a ação principal não há como acolher-se o processamento desta cautelar àquela preparatória. Dessa forma, entendo que, por qualquer ângulo que se examine a questão em análise, a extinção da demanda em razão do indeferimento da petição inicial, por ilegitimidade ativa, é medida imperativa”, disse Luiz Henrique Bonatelli no documento obtido pelo Lei em Campo.

O pedido encaminhado pelo clube catarinense contém 35 páginas, assinaturas de cinco advogados de duas empresas de advocacia, e relata todos os problemas administrativos acumulados pelo clube, tanto como entidade esportiva (Figueirense Futebol Clube) quanto empresa (Figueirense Ltda.). O pedido foi feito em caráter de urgência, uma vez que o Furacão cita o risco eminente de W.O por considerar a falta de condição em manter um time ao longo da Série C da temporada que se inicia.

“O risco que se corre aqui é claro e iminente. A consequência direta (e rápida) do colapso da atividade será insatisfatória para rigorosamente todos os agentes envolvidos: o Figueirense não será capaz de continuar a operação-futebol, sendo obrigado a abandonar campeonatos em curso, incidindo em penalidades por parte da Justiça Desportiva local e/ou da Justiça Desportiva de âmbito nacional”, argumento o Figueirense.

Atualmente, a folha de pagamento do Alvinegro é de R$ 210 mil, com R$ 150 mil referentes ao futebol e R$ 60 mil às demais áreas do clube. A dívida total está estipulada em R$ 165 milhões, conforme citou o clube no pedido de recuperação, sendo R$ 81 milhões vinculados ao Figueirense FC e R$ 84 milhões à Figueirense Ltda. As contas ficaram ainda mais negativas a partir de 2017, após a chegada da Elephant (empresa que geriu o clube até 2019).

Em 2019, os jogadores do elenco profissional do Figueirense entraram em greve depois que a diretoria do clube não cumpriu acordos e promessas que haviam sido feitas. Os atletas decidiram ir além, e se recusaram a entrar em campo contra o Cuiabá, pela Série B do Brasileirão, que foi o vencedor por W.O.

Caminho para clubes endividados

A situação do Figueirense é crítica e parece cada vez mais insustentável, assim como a do Cruzeiro, Botafogo e muitos outros clubes do futebol brasileiro. Esses tradicionais clubes estão sobrecarregados de dívidas deixadas por gestões danosas e irresponsáveis e agora sofrem para se manterem na ativa.

O Lei em Campo já tratou sobre os caminhos possíveis em diversas oportunidades. Para especialistas, apesar da dificuldade, é possível reverter o quadro.

“Cabe a esses clubes como alternativa apenas a figura da insolvência civil, que requer a liquidação de todos os ativos do clube, não contando com benefícios típicos da recuperação judicial tais como: a suspensão imediata de todas as ações em curso, a inexigibilidade das dívidas e a possibilidade de renegociação dos débitos com deságio, entre outros”, afirma Marcondes.

A insolvência civil vale apenas para associações civis, onde um acordo individual é celebrado com cada credor para ver se ele aceita a redução dos valores. Caso a proposta seja rejeitada, todos os bens da associação serão vendidos para o pagamento de um ou outro credor. Na recuperação judicial é feito um único acordo coletivo com os credores, obrigando a empresa a vender seus bens e declarar falência em caso de rejeição.

A política brasileira também poderá abrir novas alternativas. O Projeto de Lei 5082/16 do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), prevê a criação do clube-empresa e abre uma brecha aos clubes no pedido de recuperação judicial, não precisando aguardar um prazo determinado, podendo ser feito logo que transformado em empresa. O Botafogo é um dos maiores interessados no texto que ainda está parado no Senado.

“Algumas recuperações de entidades sem fins lucrativos já foram aceitas no Judiciário, mas não há pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, ser equiparado a empresa pode arrastar um risco tributário, decorrente do mesmo enquadramento para fins tributários e a cobrança da carga tributária devida pelas empresas, e não a devida pelas entidades sem fins lucrativos. Mas, nesse delicado momento por que passam alguns clubes todos os caminhos envolvem riscos e ficar parado talvez seja o maior deles”, finalizou Pandolfo.

Crédito imagem: Figueirense/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.