“Não é competência da Justiça Desportiva julgar a questão, uma vez que a natureza da transmissão de um jogo de futebol é civil e não disciplinar”, sentencia Martinho Neves, advogado especialista em direito esportivo. Opinião compartilhada pelo também colunista do Lei em Campo, Milton Jordão. “Mesmo que no regulamento do Campeonato Carioca constasse algo sobre direito de arena, seria incomum tal discussão no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ), porque o documento não pode se opor à lei em vigor”. No caso, a Medida Provisória 984/2020, que determina exclusivamente ao mandante o direito de transmissão da partida.
Porém, o procurador-geral do TJD-RJ, André Valentim, entrou com liminar para a exibição compartilhada do jogo pelos dois clubes envolvidos na final. O presidente, Marcelo Jucá indeferiu o pedido na manhã desta quarta-feira (8/7) e solicitou que Flamengo e Fluminense apresentem suas razões até às 11h para uma reanálise de processo.
É praxe que, em medidas inominadas, as partes interessadas sejam ouvidas. “O presidente cumpre o rito do artigo 119 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). E, caso haja uma anuência dos clubes, a medida pode ser deferida sob argumento da inexistência de ofensa ao princípio da igualdade esportiva, já que não há torcida e o jogo acontecerá no estádio onde os dois clubes mandam seus jogos. Mas, para mim, a medida não tem respaldo”, avalia o advogado Milton Jordão
Um sorteio na manhã da última segunda-feira (6/7) determinou que o Fluminense seria o mandante e o Flamengo visitante na partida desta noite no Maracanã, que definirá o campeão da Taça Rio. A Rede Globo, que rompeu unilateralmente o contrato com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), comunicou que não transmitirá o jogo e autorizou o Fluminense a fazer isso pela internet.
A ausência da transmissão pela televisão não anula a escolha do mandante. O procedimento “consta explicitamente no regulamento da competição”, lembra o advogado Milton Jordão. O inciso primeiro, do artigo 26, determina que “para a partida final da Taça Rio será sorteado o mando de campo e não haverá vantagem de pontos para nenhuma das associações”.
“Todo jogo precisa ter um mandante para cumprimento do Estatuto do Torcedor, que, em seu artigo terceiro, define o detentor do mando como organizador e responsável pelo evento esportivo. Então, é preciso haver essa definição do mando de jogo”, alerta Martinho Neves.
A situação é incomum e se apresenta num cenário muito confuso, em meio à pandemia com o retorno do campeonato e alteração provisória da legislação sobre direito de arena com a MP 984. “Correta a decisão do TJD ao indeferir a liminar. A Justiça Desportiva pode (e deve) atuar como um mediador ou conciliador em situações como a presente. Todavia, a MP é clara ao afirmar que é prerrogativa exclusiva do clube mandante a transmissão das imagens do espetáculo ou a proibição destas. Não há dúvidas de que a decisão de não transmitir a final da Taça Rio é uma atitude que penaliza o maior destinatário do espetáculo, que é o torcedor. Portanto, o ideal é que haja uma conciliação entre as partes envolvidas, pois negar ao torcedor o espetáculo é uma atitude mesquinha do clube mandante”, pondera Maurício Corrêa, advogado especialista em direito esportivo.
No entanto, se a exibição da partida no canal oficial do Fluminense no YouTube for um problema para a torcida adversária, “o que dizer, então, aos torcedores do Boavista e do Volta Redonda, que passaram pela mesma situação quando tiveram seus jogos transmitidos exclusivamente pela FlaTV? Me parece descabido o pedido (de transmissão compartilhada), num primeiro olhar. Vamos aguardar”, finaliza Milton Jordão.
Crédito da foto: Christian Wiediger