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Depois do jogo histórico, mulheres no Irã voltam a sofrer com restrições

“A mulher do meu país merece muito mais do que isso, e espero que elas possam assistir também aos jogos dos clubes, porque o futebol é um esporte popular entre as mulheres e elas adoram. Também ajudam o estádio a ficar cheio”, declarou Mehrdad Mohammadi, ao jornal O JOGO, de Portugal.

Mohammadi é iraniano e, pela primeira vez na carreira, joga fora de seu país. Atacante do Aves, já marcou 5 gols na atual temporada do campeonato português. Ele também fez um dos gols na partida histórica com o Camboja, no Estádio Azadi. O Irã venceu por 14 a 0 diante de um público especial.

Histórico por quê?

Nesse dia 10 de outubro de 2019, após 39 anos de protestos, as mulheres iranianas finalmente tiveram permissão para comprar ingressos e assistir a uma partida de futebol. Um ano depois da Revolução Islâmica de 1979, elas foram proibidas de participar de eventos esportivos e tiveram acesso segregado a outros espaços públicos. Os conservadores costumam argumentar que permitir que as mulheres assistam homens vestidos de short, jogando futebol, é uma ameaça aos valores islâmicos.

“Em geral, as leituras do alcorão não são radicais. Mas em algumas sociedades, sim, como no Irã. O país faz parte de um percentual pequeno, cerca de 5%, dos islâmicos radicais”, conta Marcel Diego Tonini, doutor em História Social pela FFLCH-USP. “No geral, as mulheres têm pouca liberdade. Há muito cerceamento. E onde há censura e repressão, sempre há indivíduos que se mobilizam contra essa situação”, completa.

Tanto que o acesso das mulheres ao jogo do Irã nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, no Catar, foi conquistado através da campanha “Meu Direito Fundamental”, que se tornou o movimento No Ban For Women. Um abaixo-assinado reuniu mais de 300 mil assinaturas.

“A FIFA tem sofrido pressões de diversos movimentos sociais e o movimento feminista é um deles”, avalia Luiz Marcondes, advogado especialista em direito esportivo. Isso porque os artigos 3 e 4 do estatuto da FIFA apontam o compromisso da entidade com os direitos humanos e a luta contra discriminação de qualquer tipo – explicitando a questão de gênero –, pela igualdade e neutralidade.

“Enquanto associação civil suíça, a FIFA pode regular o seu sistema, com poder efetivo sobre as competições que organiza. E, também, orientar as práticas que regem o sistema federativo associativo. Mas deve respeitar a legislação local, a lex sportiva de cada país. Logo, não pode impor, de forma direta, alguma regra sem haver uma justificativa. Pode, sim, fazer um papel de impulsionadora de novas políticas, de novas práticas, de novos movimentos”, pondera Luiz Marcondes.

Tanto que Gianni Infantino, presidente da FIFA, afirmou que a entidade “continuará trabalhando (…) para ajudar a garantir que a coisa certa seja feita, que é permitir que todos os torcedores, independentemente do sexo, tenham a chance de ir aos estádios e desfrutar de uma partida de futebol”.

Após o jogo histórico, as restrições às mulheres voltaram no campeonato iraniano. “É preciso fazer um exercício antropológico. Tentar olhar com o olhar do outro e evitar cair no julgamento. Talvez a maioria das mulheres até concordem com o regime patriarcal e machista”, acrescenta o historiador Marcel Diego Tonini, que também pondera: “A cultura está em constante transformação. É possível que outras mulheres tenham visto (a liberação no jogo da seleção iraniana) e também despertem para este desejo”. A reunião de interessadas, mesmo que na internet, pode ser o primeiro passo para as mudanças. Até que elas se sintam fortes o suficiente para adentrar os espaços hoje proibidos.

Embora não tenham autorização para assistir aos jogoss, as iranianas podem competir livremente, no futebol e em outros esportes, como levantamento de peso, artes marciais e tênis. Desde que estejam com o corpo coberto e não tenham técnicos do sexo masculino.

“Nossa demanda é por acesso completo para mulheres em todos os jogos, em todos os estádios do Irã”, declarou a ativista iraniana Maryam Shojaei, do movimento No Ban For Women.

“Foi uma ótima experiência para os jogadores e para as mulheres. Alguns familiares dos meus companheiros estiveram no estádio e nos encontramos com eles após a partida (entre Irã e Camboja), com uma atmosfera muito boa”, compartilhou Mehrdad Mohammadi, atacante da Seleção do Irã e do Aves, equipe de Portugal.

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