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Direito de arena em um primeiro olhar

A notícia da semana é mais uma modificação da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) pela Lei n. 14.205 publicada e em vigor desde o dia 20 de setembro de 2021, que acrescentou o art. 42-A relacionado a um Direito de Arena específico para as entidades de prática desportiva de futebol, apelidada pelo desinteressante nome “Lei do Mandante”, desde a tentativa de sua inserção pela Medida Provisória n. 984/2020.

O novel art. 42-A, caput e § 1° da Lei Pelé assegura à entidade de prática de futebol mandante da partida a prerrogativa exclusiva de negociar e celebrar a exploração econômica sobre os direitos desportivos audiovisuais (direito de arena, de transmissão do espetáculo esportivo) por qualquer meio tecnológico, afastando legalmente a força coletiva dos contendores e demais clubes na venda de transmissão do evento desportivo (partidas específicas ou todos os jogos da competição).

Alteração legal que não contribui para o desenvolvimento e fortalecimento de uma pretensa Liga que possa não apenas negociar coletivamente o direito de arena, mas que também possa organizar, estruturar melhor as competições de futebol profissional.

Nesses termos, significa que se um clube mandante qualquer quiser barrar uma negociação coletiva em Liga sobre direito de arena, o art. 42-A, caput, § 1° citado acima confere muita força para o individualismo da entidade de prática desportiva mandante. O ideal seria manter o direito de arena disposto no art. 42 para o futebol e deixar para os próprios clubes em Associação ou Liga criar os seus mecanismos de negociação, de maneira bem livre – isso sim continuaria representação de liberdade econômica, lembrando que a equipe adversária também realiza o espetáculo desportivo.

Sendo assim, enquanto o Projeto de Lei n. 4.889 de 2020 não for votado no Congresso Nacional ter-se-á uma tendência ao abismo de faturação do direito de arena entre os clubes grandes, médios e pequenos do futebol brasileiro, propiciando acentuada falta de equilíbrio competitivo e previsibilidade dos resultados das partidas e competições.

Também é de causar espécie que o adversário não possa negociar com o mandante a exploração econômica das transmissões, como se não fosse um dos principais atores do evento esportivo.

O art. 42-A, § § 2° e 5° da Lei Pelé representa um avanço desta nova Lei 14.205/21, uma vez que dissipa a dúvida legal que existia durante anos para saber se os atletas reservas também teriam participação nos 5% provenientes do direito de arena, pois com esta nova mudança, resta esclarecido que os jogadores reservas também receberão as parcelas rateadas dos direitos audiovisuais desportivos.

No art. 42-A, § 3°, uma inovação para o Direito do Trabalho e o Direito Desportivo, na medida em que mantém a natureza civil das parcelas repassadas aos atletas, mas abre espaço para a Convenção Coletiva de Trabalho a transformar em natureza salarial ou até mesmo voltar a equipará-la às gorjetas dos garçons, atraindo novamente a histórica incidência da Súmula n. 354 do C.TST antes das introduções da Lei n. 12.395/2011.

Geralmente, a Legislação Trabalhista permite o contrário, ou seja, que verbas de natureza salarial possam se transmudar em natureza indenizatória por força da norma coletiva de trabalho. Esta mudança em nada contribui para o aquecimento econômico do segmento desportivo, podendo criar mais ônus tributários sobre os clubes empregadores.

O art. 42-A, § 4° mantém a intermediação dos sindicatos dos atletas profissionais no repasse em 72 horas do recebimento dos valores de 5% aos atletas representados que participaram da partida (titulares e reservas), mas continua a nada dispor sobre o tempo máximo de repasse do clube mandante para os sindicatos, restando uma deformidade legal.

Outra situação estranha relacionada ao tema do repasse e que já vinha sendo exposta por este autor desde a Medida Provisória n. 984/2020 é a possibilidade da disforme situação de que o clube mandante poder-se-ia repassar as parcelas dos 5% aos sindicatos para que estes entregassem para os atletas adversários, podendo proporcionar as famosas malas pretas e brancas, envolvendo entidades sindicais, ainda mais em era de fim da contribuição sindical obrigatória.

O único modo de tentar controlar essa perigosa possibilidade, seria determinar legalmente que as emissoras compradoras do direito de arena passassem a cota dos 5% diretamente ao sindicato para a distribuição a todos os atletas participantes das partidas (titulares e reservas) do clube mandante e do clube adversário, mas isto a Lei não regulamenta, portanto, mais um defeito jurídico que oportuniza possíveis corrupções no esporte profissional.

O art. 42-A, § 6° descreve que na falta de definição de clube mandante em evento desportivo, ambos os contendores do jogo voltam a ser detentores do direito de arena. Previsão legal que não comporta tantos comentários e parece seguir um raciocínio lógico e razoável.

As modificações do art. 42-A, § § 7° e 8° foram cuidadosas ao tratar de um tema desafortunadamente esquecido pela Medida Provisória n. 984/2020, o direito intertemporal.

Esses ditames legais resguardam as contratações realizadas anteriormente e geradoras de efeitos no momento da entrada em vigor da atual Lei n. 14.205 de 2021, revela a cautela do legislador em salvaguardar os negócios jurídicos firmados sobre o direito de arena antes da entrada em vigência da Lei em tela, evitando circunstâncias violadoras de direito fundamental sobre o ato jurídico perfeito e o direito adquirido (art. 5°, XXXVI, da CF/88), como ocorreu ano passado no fim do campeonato carioca a partir do vigor da Medida Provisória n. 984/2020.

Por fim, o art. 42-A, § 8° ressalva o direito dos clubes que não tenham celebrado direito de arena anteriormente à entrada em vigor da atual Lei se encontrarem livres para negociá-lo já nos moldes dos atuais contornos jurídicos.

Apontados os avanços e retrocessos dos novos aditamentos a respeito do direito de arena pela Lei n. 14.205/2021, resta aguardar como decorrerá na prática e a interação das atuais descrições legais com as possíveis e futuras Ligas.

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