Quando, em 32, a Liga Carioca oficializou a chegada do profissionalismo, o Botafogo não teve outra opção senão embarcar. Relutou o quanto pode, é verdade. Mas se até o Fluminense – aristocrático, e por isso amador por natureza e orgulho – já se colocava a favor de passar por escrito o que antes só era selado no fio do bigode, o sinal era de caminho sem volta.
Ainda que pra muitos (atletas, principalmente) o fim do amadorismo pudesse soar como uma chance de conseguir salário e segurança no exercício da atividade, pra outros, era uma lástima. A quem ainda entusiasmava o football forjado pelas academias que importavam da Inglaterra o sistema W.M, tornar o atleta empregado era como obrigar o esporte a descer um degrau na escadaria no Olimpo. Se aproximar dos empregados da fábrica. E a pouca gente interessava estar mais perto do chão. A maior parte, na contramão do caminho que a história parecia percorrer, gostava de dizer que vivia o futebol por amor, e dele nunca tirou vantagem, apesar de tirar.
A contragosto que fosse, seria, contudo, inevitável a guinada brasileira ao profissionalismo. E o motivo tinha nome. Na verdade, um, não. Vários. Lêonidas, Filó Domingos e outros tantos haviam descoberto por conta própria que o jogador amador não deve nada pro clube que também não o emprega. Podia ir embora.
Como um efeito dominó, bastou o Fernando Giudicelli, pouco tempo antes, fazer uma excursão pra Europa e não voltar. A notícia correu: o jogador não era do clube. Descobriram mais: lá fora, sobrava clube procurando jogador brasileiro. O Giudecelli, que já tinha sobrenome italiano, nem chegou a se preocupar com a burocracia na hora de aceitar o convite europeu. Não que isso fosse um problema. Aberta a porteira, pra ir, bastava querer. Sobrenome era pormenor. Dizem que o “Menezes” virou “Zacconi”; o “Marques”, “Guarisi”, e por aí vai. Iguais a eles, outros tantos enchiam o vapor pra cruzar o Atlântico.
Com o Leônidas, foi parecido, só que diferente. Porque por aqui não lhe pagavam o suficiente pra viver do futebol, trocara de camisa, e de país. Mas não foi pra Europa. Foi parar no Peñarol do Uruguai, que, naquela época, era quase a mesma coisa. A onda de contratações que começara do outro lado do oceano também varria o continente do lado de cá. Buenos Aires e Montevidéu profissionalizavam seus atletas pra não perdê-los de vez. Pra trazer o Leônidas e outros tantos de volta, não tinha remédio. Era a vez de o Brasil aceitar que os clubes teriam que contratar atletas pra jogar. Torná-los propriedade.
O Bangu mesmo levou a coisa muito a sério. Porque não precisava mais disfarçar jogadores na linha de produção da Companhia Progresso Industrial do Brasil, agora podia mostrar que no profissionalismo o atleta era do clube de papel passado. E se o amador vivia da bola de dia e da gafieira de noite, pro profissional isso havia de acabar.
O jogador virara empregado do clube. Se, por um lado, o clube dava algo de lá, que era o salário, tratava de tomar coisa de cá. Havia de colocá-los todos no lugar. No caso do Bangu, a Companhia levou o escrete recém-contratado pro Chalé dos Ingleses, onde iam viver de treino, jogo e algumas poucas visitas supervisionadas. Com hora pra dormir e pra acordar.
No Palestra, contam que a fazenda onde esconderam os atletas tinha até capataz na porteira. Sem a ordem, ninguém saía, ninguém entrava. Tava lá, escrito. Jogador do clube, por contrato. Aliás, nem só do clube. Teve um mesmo que, pra tirar do Vasco, foi um outro fazendeiro quem comprou. Era atleta do clube, mas era dele também.
O jogador, que antes achava que era preso de favor, porque mesmo sem precisar tinha quem lhe pagasse uma coisa ou outra pra jogar, mal respirara os ares da liberdade e já se vira novamente de pé amarrado. Dessa vez, com a própria assinatura.
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Referências
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro. Mauad, 2003
https://www.blogdomadeira.com.br/2012/03/rico-fazendeiro-de-eloi-mendes-negociou-a-compra-de-atacante-do-cruzeiro/