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Especialistas veem vantagem em Lei do Mandante, desde que negociação seja coletiva

A Câmara dos Deputados aprovou, na tarde desta quarta-feira (14), o Projeto de Lei 2336/2021, conhecido como Lei do Mandante. O texto garante aos clubes mandantes o direito de negociar a transmissão da partida, independentemente dos contratos assinados pelos visitantes, conforme determina a legislação atual (art.42-A da Lei Pelé).

No total, 432 deputados votaram pela aprovação do texto, e 17 foram contrários. Agora, a Lei do Mandante segue para apreciação no Senado Federal. Se aprovada novamente, será levada para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Com relatoria do deputado federal Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF), o texto original, enviado à Câmara dos Deputados pelo governo federal, sofreu algumas alterações até ser aprovado no plenário. Pela nova redação, a legislação aprovada ainda não se aplica “a contratos que tenham por objeto direitos de transmissão celebrados previamente” à vigência da lei.

Na prática, os contratos celebrados na Série A do Campeonato Brasileiro, por exemplo, seguem da maneira que estão, sendo necessário aguardar o encerramento deles, em final de 2024, para dar início da nova legislação a partir de 2025. Na Série B, a próxima rodada de negociações acontece em 2023. O Lei em Campo explicou essa mudança, que foi classificada como “emenda Globo”.

“Apesar de um grupo significativo de clubes ter apoiado o projeto de lei, em minha opinião ela representa um retrocesso para o futebol brasileiro. É mais um passo dado pensado de maneira individualista, em detrimento do todo. A teoria econômica dá uma série de fundamentos para sustentar as vantagens para uma negociação coletiva, o que parece ir ao encontro do fato de que os direitos de transmissão são negociados coletivamente na maioria do mundo. Por isso, uma lei que cria um enorme incentivo para negociações individuais não me parece ser positiva para o futebol como um todo, ainda que possa vir a ser positiva, no curto e médio prazo, para um determinado grupo de clubes”, avalia Tiago Gomes, advogado especialista em direito comercial.

Andrei Kampff, jornalista e advogado especializado em direito esportivo destaca que “segundo levantamento da FIFA, 88% dos organizadores de competições negociam seus acordos de direitos de TV de forma coletiva. Ou seja, Brasil vai na contra-mão do mundo negociando individualmente. Ainda mais importante do que mudar a lei, é mudar uma cultura do futebol brasileiro. Adversário em campo, é parceiro na construção do melhor evento esportivo. Pra isso, negociação coletiva e equilíbrio competitivo são indispensáveis. O mundo nos apresenta vários exemplos”.

Antes da inclusão da emenda, o advogado Maurício Corrêa da Veiga explicou que era preciso “respeitar o Ato Jurídico Perfeito”, conforme estabelece a Constituição Federal.

“Assim que o PL 2336 for aprovado, os seus efeitos serão imediatos (salvo eventual disposição em contrário no próprio texto legal). Todavia, os contratos que firmados sob a égide da lei anterior continuam vigentes em razão do princípio constitucional do respeito ao Ato Jurídico Perfeito e não podem ter sua validade questionada em razão de edição de lei posterior. Tal qual ocorreu recentemente em Portugal”, afirma o advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Tiago Gomes segue a mesma linha. Para ele, a garantia de uma segurança jurídica sobre o tema passaria necessariamente pelo respeito aos contratos já celebrados.

“Sob uma perspectiva de segurança jurídica, me parece não haver dúvidas que o melhor caminho para qualquer alteração da legislação será respeitar os contratos anteriormente celebrados, inclusive para que não se possa questionar sua constitucionalidade”, avaliou.

Caso a Lei do Mandante não incluísse a “emenda Globo”, a tendência é de que fosse instalado um caos jurídico, com uma chuva de ações nos tribunais, como ocorreu recentemente. Um dos beneficiários com o texto seria a ‘TNT Sports’, dona dos direitos de sete clubes – Palmeiras, Santos, Athletico-PR, Bahia, Fortaleza, Ceará e Juventudes – na TV fechada, que poderia escolher qualquer partida em que uma dessas equipes fosse o mandante para realizar a transmissão, garantindo a exibição de uma maior quantidade de jogos do que estava previsto inicialmente.

As alterações não pararam por aí. Em outro parágrafo acrescentado ao PL 2336, os clubes que não possuem acordos com emissoras terão mais liberdade. Segundo a redação, essas disposições do parágrafo anterior “não podem atingir as entidades desportivas que não cederam seus direitos de transmissão para terceiros previamente à vigência da Lei, que poderão cedê-los livremente”, garantindo o direito do mandante, como prevê o parágrafo principal do projeto.

Dessa forma, os clubes que subirem da Série B para A estarão permitidos a negociar da forma que quiserem suas 19 partidas como mandante. Com isso, o Athletico-PR, que já possui disputas jurídicas com a Globo por conta da MP 984, entende que ganhou respaldo para continuar transmitindo suas partidas em casa por meio de seu pay-per-view.

Na visão da emissora, quando os contratos com os clubes foram realizados durante a legislação vigente, foram adquiridos também os direitos de exclusividade de suas partidas como mandante e visitante, o que impossibilitaria a transmissão desses jogos.

“Sobre a exclusividade do clube mandante na negociação, o meu entendimento exposto no recente livro publicado ‘Curso de Direito do Trabalho Desportivo’ é de que a médio e longo prazo, a Lei do Mandante não fortifica coletivamente o sentimento de Liga e não desenvolve bem economicamente o futebol profissional como um todo. Prestigiará mais os clubes gigantes do futebol brasileiro e alguns que estão na série A, mas que muitos deles não conseguem ingressar no mercado internacional, algo que não seria vantajoso nem mesmo para os clubes de série A da capital cearense. Desenvolveria muito mais o setor econômico do futebol a proposta que está nos direitos de transmissão coletiva sugerida no Projeto de Lei da Liga em tramitação no mesmo Congresso Nacional, tirando a parte que permite a negociação individual dos clubes, caso existam algumas ressalvas”, avalia Rafael Teixeira, professor e advogado especialista em direito desportivo.

Por fim, outra mudança no texto original é referente à manutenção da distribuição dos 5% do valor dos direitos de arena apenas para jogadores, como já ocorre atualmente. A redação original previa que esse mesmo percentual também fosse dividido entre árbitros e técnicos.

Para Rafael Ramos, o percentual deveria ser maior e melhor distribuído.

“É ruim que permaneçam apenas 5% para serem distribuídos entre atletas (titulares e reservas), equipe de arbitragem (árbitro central, mais os três assistentes de campo) e os técnicos dos clubes envolvidos na partida. Estes três segmentos promovem diretamente o espetáculo e mereciam, pelo menos, partilhar 10% no total, sendo 5% para os atletas (titulares, reservas), 2,5% para equipe de arbitragem (árbitro central, 3 assistentes de campo) e técnicos (chefes das comissões técnicas de cada clube em confronto nas partidas)”, finaliza o advogado.

Ainda não há uma data estimada para que o PL 2336/2021 seja colocado em pauta para votação no Senado.

Crédito imagem: Unsplash

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