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Esporte, vacina e o ordenamento jurídico brasileiro

O Lei em Campo publicou a matéria do Daily Mail sobre a possibilidade dos clubes ingleses reduzirem salário de jogadores que, não vacinados, tiverem que se ausentar em partidas e treinos.

A despeito de referidas medidas já terem sido adotadas pelo Bayern de Munique e pela liga profissional de basquete dos Estados Unidos (NBA), em manifesta defesa à saúde coletiva e segurança dos integrantes e demais envolvidos nas competições esportivas, se tal ideia fosse proposta no Brasil, se depararia com determinadas limitações e óbices jurídicos.

No início de novembro de 2021, o governo federal publicou uma Portaria proibindo a demissão e a não contratação de trabalhadores que não comprovassem o uso da vacina contra a Covid-19, sob fundamento de aludida restrição caracterizar discriminação, passível de indenização por dano moral, além de “reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais” ou recebimento do dobro “da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida de juros legais”.

A Portaria foi ratificada pelo ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, na contramão de diversos julgados proferidos em vista a validar a demissão por justa causa de funcionários que se recusaram a apresentar o comprovante de imunização, com decisões baseadas no interesse coletivo e segurança pública que sobrepõem as ideias e vontades individuais.

Além das decisões das cortes trabalhistas, a Portaria emitida pelo governo federal também contrapôs uma recomendação interna emanada pelo Ministério Público do Trabalho, direcionando o entendimento de que, em regra, “o trabalhador não pode se negar a ser imunizado”, não reconhecendo “alegações de convicção religiosa, filosófica ou política” como “justificativas para deixar de tomar a vacina”.

As premissas compreendem a segurança pública, o interesse coletivo e a respectiva necessidade de que a imunização seja amplamente fornecida, tendo em vista que o esforço coletivo compreende a principal e mais eficaz estratégia de conter a pandemia e mitigar as complicações causadas pelo vírus.

Referida providência foi assumida logo após a Prefeitura de São Paulo ter desligado três funcionários comissionados que se recusaram a tomar a vacina¹, passando a estabelecer processos administrativos em face aos servidores concursados que não se imunizarem contra a Covid-19.

Sobre isso, vale destacar dois preceito constitucionais, sendo o primeiro de que ninguém deve ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e o segundo consagrado no art. 7º, inciso XXII da Constituição Federal, o qual garante aos empregados segurança e saúde em suas atividades laborais, corroborando que a coletividade sobrepõe ao indivíduo.

Na sequência, a Portaria do Ministério do Trabalho foi suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, sob fundamento de que “existe consenso médico-científico quanto à importância da vacinação para reduzir o risco de contágio pela doença e também para aumentar a capacidade de resistência de pessoas que venham a ser infectadas”, salvo exceções de pessoas com contraindicação médica par tal.²

A suspensão da portaria infere uma coerção indireta do Estado para garantir maior adesão à imunização.

Por outro lado, no âmbito privado do esporte, as entidades de administração desportivas podem, por meio de seus regulamentos, impor regras específicas sobre essa questão.

Contudo, a autonomia desportiva não compreende independência das regras gerais e normas de ordem pública.

Vale dizer que a redução salarial, ou outras alterações na relação de trabalho que deixem de beneficiar o empregado devem observar as determinações impostas pelas legislações vigentes.

A esse respeito, a redução salarial é uma exceção às regras trabalhistas, cuja permissão se condiciona à participação do sindicato da respectiva categoria profissional, exigindo-se que tais modificações sejam feitas por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo.

Além da possibilidade de redução salarial em proporção à diminuição da jornada de trabalho, situação que também demanda os mesmos requisitos da exceção anteriormente citada, salvo a cabal comprovação de vantagem pessoal do empregado, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu art. 503, a hipótese de redução geral dos salários dos empregados da empresa, não podendo ser superior a 25%, em caso de força maior ou comprovados prejuízos.

Já quanto aos descontos salariais, ainda que uma agremiação desportiva ou uma entidade de administração do desporto no Brasil pretendam inserir em seus regulamentos ou normas internas restrições ou exigências relativas à imunização, esta deve se esmerar na legislação vigente, não obstante a autonomia a estas conferidas.

Neste caso, o desconto dos vencimentos só pode ser realizado nos termos do art. 462 da CLT, e em linha com a Súmula nº 342 do C. TST, através de contrato coletivo assinado pelo empregado, ou nas hipóteses de adiantamento e contribuições previstas em lei, à luz do Princípio da Intangibilidade Salarial, o qual permite o desconto salarial caso o dano ao patrimônio do empregador ocorra por dolo ou culpa comprovada.

Quanto às faltas justificáveis ou admissíveis, o art. 473 da CLT elenca hipóteses em que referidas ausências devem ser abonadas, mantendo normalmente o pagamento do empregado.

Esses compreendem alguns dos delineamentos contidos no ordenamento jurídico brasileiro que esbarrariam à eventuais exigências ou restrições impostas pelas entidades de organização desportiva no tocante à política de contenção da pandemia de Covid-19 no Brasil, em um paralelo às práticas observadas em outros países.

……….

1 – https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2021/11/01/governo-proibe-demissao-de-funcionarios-que-nao-tomarem-vacina.htm

2 – https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/politica/audio/2021-11/stf-suspende-portaria-que-proibe-demissao-por-falta-de-vacina

 

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