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Exigências e quebra de cláusula de confidencialidade podem resultar em rompimento de acordo entre Ronaldo e Cruzeiro por SAF

Os bastidores do Cruzeiro foram bastante agitados nos últimos dias. Isso porque em meio aos trâmites finais da aquisição de 90% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) da Raposa, Ronaldo Fenômeno propôs algumas mudanças no contrato, como a inclusão do pedido de recuperação judicial/extrajudicial do clube e transferência das Tocas da Raposa I e II (centros de treinamentos) para ele, condicionando essas pedidas para a concretização do negócio. A notícia pegou muitos torcedores de surpresa, uma vez que eles acreditavam que tudo estava certo e jamais imaginavam que essa hipótese poderia acontecer.

O advogado Rafael Marcondes explica que Ronaldo na verdade pretende ajustar o acordo feito inicialmente, assumindo de um lado o passivo tributário do clube e, em contrapartida, ficar com os centros de treinamento do Cruzeiro. Porém, ele ressalta que o rompimento do acordo não pode ser descartado.

“A revisão do acordo é possível desde que haja mútuo entendimento entre as partes, não há nada que impeça novas exigências. Em uma situação extrema, se Ronaldo decidir romper o acordo relativo à SAF, essa é uma prerrogativa que também lhe é assegurada, o ex-atleta deverá assumir o ônus de uma rescisão unilateral, de acordo com o que foi fixado originalmente no contrato”, afirma o especialista em direito tributário e colunista do Lei em Campo.

Bruno Coaracy, advogado especializado em direito tributário e colunista do Lei em Campo, acredita que, ao que tudo indica, os termos contratuais provavelmente são contrários aos interesses de Ronaldo Fenômeno, o que seria resolvido através de pormenorizada análise dos termos contratuais.

“Um ponto que merece destaque, é o fato de que a transferência dos direitos e do patrimônio para SAF independe de autorização ou consentimento de credores ou partes interessadas, inclusive aqueles de natureza pública, exceto no caso de existir disposição contrária em contrato ou negócio jurídico diverso (inciso IV, §2°, art. 2 ° da Lei n° 14.193/2021). Isso significa dizer que Ronaldo Fenômeno não poderia fazer tal exigência, porque, como visto acima, o patrimônio por ele exigido continua sendo de propriedade do clube associativo Cruzeiro, sem ter ocorrido qualquer transferência definitiva ou a termo para o patrimônio da SAF”, avalia.

De acordo com o art.2º, inciso I a III, da Lei 14.193/21, a SAF pode ser constituída de três formas: (1) transformação do clube em SAF; (2) cisão do departamento de futebol do clube com a consequente transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; e (3) iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.

“Para que o Cruzeiro possa transferir o seu patrimônio para a SAF seriam necessárias a aprovação em uma Assembleia Geral e anuência dos credores. Em ambos os casos observadas as devidas ressalvas a seguir. A aprovação em Assembleia Geral é uma condição necessária para os clubes que mantiverem ações ordinárias classe A (são espécies de ações que conferem ao seu titular participação acionária em uma empresa com direito a uma parte dos lucros auferidos) correspondente a no mínimo 10% do capital social votante que tenham como motivação deliberar sobre alguns temas, especificamente, alienação, oneração, cessão, conferência, doação ou disposição de qualquer bem imobiliário ou de direito de propriedade intelectual conferido pelo clube formação do capital social (§3º, inciso I, do art. 2° da Lei n° 14.193/2021)”,  explica Bruno Coaracy, que acrescenta:

“Enquanto que a anuência dos credores, temos que o clube, quando celebrou a transação tributária junto a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), deu em garantia os bens a qual Ronaldo demonstra interesse publicamente. Nesse caso, enquanto o clube registrar em suas demonstrações financeiras obrigações anteriores à constituição da companhia será vedada a transferência ou alienação de ativo imobilizado que contenha gravame ou que tenha sido dado em garantia, sendo tal regra mitigada apenas com a devida autorização do respectivo credor (art. 3°, parágrafo único, da Lei n° 14.193/2021)”.

A ideia da gestão de Ronaldo é assumir os débitos tributários do clube, calculados em R$ 178 milhões. No entanto, para isso acontecer, os dois centros de treinamento seriam repassados à SAF, também como forma de garantia do investimento feito, deixando de pertencer à associação Cruzeiro.

Ronaldo comentou sobre a situação em uma de suas lives na Twitch, plataforma de streaming, na noite desta terça-feira (15). Segundo ele, o objetivo do pedido é evitar que o Cruzeiro corra risco de perder os imóveis, caso a associação não consiga pagar as parcelas do acordo feito com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em outubro de 2020, que colocou a Toca da Raposa I e II como garantias de pagamento.

“Essa nossa proposta para assumir essa dívida tributária, com essa pequena garantia, que são as duas Tocas, de modo que não teríamos esse risco de penhora, de perder as duas Tocas, nosso local de trabalho. A gente se responsabiliza por uma renegociação da dívida tributária, honra o pagamento e garante a propriedade da Toca I, e no final do pagamento, ambas passariam para SAF. É a única maneira que temos de desenvolver com segurança esse grande ativo do nosso Cruzeiro”, disse o ex-jogador.

O Fenômeno, no entanto, pediu agilidade quanto a aprovação ou não do pedido pelo Conselho Deliberativo do clube, que terá que fazer uma nova reunião para discutir as exigências.

“Acho que a gente tem que acelerar isso, porque se eu não tenho essas garantias, é muito difícil a gente continuar no projeto e ele evoluir. Até para a gente ter novos investidores e patrocínios. O mercado está esperando essa definição”, acrescentou Ronaldo.

O presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, defendeu as mudanças pedidas por Ronaldo para adquirir definitivamente a SAF. O mandatário disse em comunicado que vai trabalhar a ideia com conselheiros do clube para aprovar os ajustes.

“Enxergamos essa nova possibilidade trazida pelo Ronaldo para SAF com ótima perspectiva. É público que o Cruzeiro tem dívidas relevantes para pagar. Ter a oportunidade de garantia desse pagamento pela SAF faz sentido. Primeiro, porque temos a certeza de que nossas Tocas ficarão dentro de casa, sem correr o risco de perdermos para qualquer outra atividade fim. Segundo que a Associação é sócia da SAF e, assim, não estamos negociando com adversários ou estranhos, mas com nossos sócios”, disse Sérgio Santos Rodrigues em comunicado oficial.

Os pedidos de Ronaldo geraram uma reação imediata dentro do clube. Na noite desta quarta-feira (16), a Mesa Diretora do Conselho Deliberativo do Cruzeiro da associação civil divulgou uma nota sobre o imbróglio, criticando as exigências do ex-jogador e classificando as demandas como “lesivas” ao patrimônio da Raposa. No entanto, o documento expõe detalhes do acordo celebrado entre as partes, em dezembro do ano passado, configurando a quebra da cláusula de confidencialidade.

Segundo a nota da Mesa Diretora, o acordo não prevê o pagamento de dívidas, estimadas em mais de R$ 1 bilhão, contrariando o que foi dito pelo presidente Sérgio Santos Rodrigues. Além disso, a intenção de compra conta com o aporte de apenas R$ 50 milhões, enquanto os outros R$ 350 milhões viriam através de receitas “incrementais” geradas pelo clube-empresa, totalizando os R$ 400 milhões anunciados inicialmente.

“Pudemos observar, com lamentação, que o Ronaldo não iria assumir qualquer valor da dívida, ficaria desde o início do processo como detentor de 90% da participação acionária da SAF, com o compromisso de apontar na própria SAF a quantia de 50 milhões de reais no momento em que se desse a concretização do negócio e, 350 milhões de reais, por meio de receitas ‘incrementais’ que seriam geradas para a SAF por meio da gestão do Ronaldo”, diz um trecho da nota, divulgada primeiramente pelo ‘UOL Esporte’.

Diante da relação entre as partes parecer cada vez mais abalada, a hipótese do rompimento do acordo ganha cada vez mais força e já parece real.

“O fato de parte dos conselheiros revelar trechos do contrato que eram guardados por cláusula de confidencialidade, pode permitir a ruptura do acordo por parte do Ronaldo. Parece ser um movimento de clara insatisfação política de alguns conselheiros que perderam poder com a negociação da SAF”, encerra Rafael Marcondes.

Ronaldo tem até 18 de abril para assinar o contrato de compra da SAF do Cruzeiro. Após a data, o clube poderá voltar a ouvir propostas de outros interessados.

Até o momento, a equipe responsável pela transição da SAF do Cruzeiro não se manifestou sobre a carta da Mesa Diretora e a quebra de confidencialidade do acordo.

Crédito imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

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