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Fair play financeiro dos clubes brasileiros é para hoje. E já está atrasado

“Do ponto de vista da função pública do futebol e do fair play financeiro, a transparência dos dados é extremamente importante para o torcedor e as entidades de prática. Já para os clubes, trata-se de um diagnóstico crucial para que se identifique os problemas e busque soluções”, avalia Gustavo Lopes, advogado especialista em direito esportivo.

A décima primeira edição do Relatório de Análise Financeira dos clubes brasileiros foi publicada nesta terça-feira pelo banco Itaú BBA, e trouxe o panorama atualizado sobre o equilíbrio e desequilíbrio das contas de quase 30 times.

O Flamengo foi o “destaque absoluto” do estudo, com crescimento de 50% das receitas totais do clube. O Palmeiras apresentou uma pequena queda em 2019, mas segue, junto com os cariocas, com uma vantagem competitiva importante. “Mais receitas significam maior capacidade de investimentos, montagens de bons elencos, melhores salários e pagamento em dia. Aos demais resta a busca pelo aumento das receitas e pela eficiência nos gastos”, analisa Cesar Grafietti, consultor de gestão e finanças do esporte e autor do relatório.

Dentre todas as fontes de receita dos clubes, a venda de atletas configura a segunda mais importante (direitos de TV é a primeira). E ela não para de crescer. Em 2019, atingiu 23% do total de rendimentos. A diferença cambial entre euro e real contribuiu para isso. Outro aspecto que chama atenção é que mais clubes se beneficiaram com a negociação de jogadores.

O Fluminense, nos dois últimos anos, teve mais de um terço do total das receitas vindo dessa fonte. O Santos, por sua vez, apresentou um saldo espetacular em 2019 com a venda de Rodrygo para o Real Madrid, que representou mais da metade dos rendimentos do clube.

“Vender atletas é parte do modelo de negócios no Brasil. O importante é ter equilíbrio financeiro para que os recursos sejam reinvestidos e não usados para tapar buracos estruturais”, lembra Cesar Grafietti. Ou seja, quando o clube se vê em situação de risco caso não venda algum jogador é hora de ligar o sinal de alerta.

“O fato das transações de atletas serem tão relevantes nas receitas dos clubes demonstra o quanto o modelo de gestão carece de sustentabilidade. Ora, se o objetivo do desporto é a montagem de equipes competitivas, ser obrigado a se desfazer de um grande atleta por necessidade financeira indica uma grande fragilidade estrutural”, pondera Gustavo Lopes.

O Atlético-MG não está vendendo. Na verdade, está contratando, apesar de ter uma das maiores dívidas do futebol brasileiro, R$ 746 milhões. O estudo ressalta que nem todas as dívidas são ruins. Há aquelas que servem de investimento. O problema é quando a dívida contraída “serve para cobrir buracos eternos de má gestão ou tem perfil de vencimento que sufoca o fluxo de caixa do clube. Logo, boa dívida é aquela que tem propósito justo e prazo adequado”, especifica o texto.

Além do Galo, Botafogo, Vasco e Cruzeiro são os casos realmente graves. Se usassem 20% das receitas para pagar suas dívidas levariam mais de 11 anos até a quitação do débito, considerando os números de hoje. A solução estaria no aporte de recursos, seja virando clube-empresa, vendendo ativos (sedes sociais e atletas), controlando gastos e investimentos. “É isso ou o processo levará a um estrangulamento em algum momento”, sentencia Grafietti.

“A competitividade é um desafio das grandes ligas. Na Itália, a Juventus chegou ao nono título consecutivo. Na Alemanha, o Bayern de Munique foi campeão oito vezes nos últimos 10 anos. E na Espanha, em 15 anos, somente uma vez não deu Barcelona ou Real Madrid. No Brasil, em algum momento isso tende a acontecer. Para viabilizar maior competitividade é importante exigir a aplicação de regras de fair play financeiro e buscar alternativas como acontece nas ligas americanas com a divisão invertida de prêmios e recursos, ou até mesmo um draft“, avalia Gustavo.

“Os dirigentes precisam entender que no futebol não cabe mais a visão do gestor abnegado e amador. Apenas uma postura firme, austera, que vá além do futebol, será capaz de recolocar os clubes brasileiros na condição de ’12 candidatos ao título’. Infelizmente, seguindo como estamos teremos 2 ou 3 clubes para levantar a taça”, conclui, César Grafietti.

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