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Falta de prova faz atletas “encostados” não conseguirem rescisão na Justiça

O atleta é um trabalhador do esporte, que tem uma relação de emprego um pouco diferente. Tanto que o contrato é chamado de Contrato Especial de Trabalho Desportivo. Nele, diferentemente do que acontece com a maioria dos trabalhadores, existe prazo de validade, ele tem data para acabar. Mais, ele precisa ser formalizado, até para o atleta poder ser inscrito na Federação esportiva e ter seu vínculo reconhecido.

Mas existe nele alguma cláusula que impeça os clubes de “encostarem” o atleta quando uma negociação de renovação não evolui? Na imensa maioria dos casos, não. Isso poderia ser pensado. Mas a questão vai além.

Ninguém pode ser impedido de trabalhar, nem ser afastado do grupo e impedido de conviver com os colegas. E isso tem se repetido no esporte brasileiro. O direito ao trabalho é assegurado a todos pela Constituição Federal.

A empresa, o clube, o restaurante, ou seja lá qual for o contratante, claro, não precisa ficar com o empregado contra a vontade dela. Mas ela tem formas legais de acabar com esse vínculo empregatício.Decidir afastar alguém do trabalho e continuar pagando não é uma dessas alternativas. Gera constrangimento, impede a pessoa de exercer seu ofício, traz abalo emocional, vai implicar em consequências jurídicas.

Claro que a questão da prova nesses casos se torna fundamental. As partes podem até acertar esse caminho, de o empregado receber sem trabalhar. Mas precisa ser em comum acordo e, de preferência, documentado. Caso contrário, isso deve trazer consequências na Justiça.

No futebol, por ser o atleta um trabalhador, também é assim. Mas o caso de Romero é um pouco diferente. Zeca Cardoso conversou com especialistas e vai explicar bem essa história.


 

Muita gente já ouviu no futebol relatos de que determinado jogador não entraria em campo enquanto não renovasse o contrato, que estava perto de chegar ao fim. O caso mais atual é do paraguaio Romero, no Corinthians. 

O atacante, até o final da última temporada, era um dos jogadores mais utilizados do elenco. Artilheiro da Arena, com 27 gols marcados. O estrangeiro que mais vestiu a camisa do Corinthians: 221 partidas.

A última vez que o paraguaio entrou em campo foi na rodada final do Campeonato Brasileiro de 2018, dia 2 de dezembro, contra o Grêmio. Romero, desde então, não entrou mais em campo. O contrato do jogador é válido até o dia 14 de julho. As partes não chegaram a um acordo para a renovação. 

“Quando falamos de contrato de trabalho desportivo, falamos de um contrato sempre a termo, que já está alinhado com um início e um final. Diferente de um contrato de trabalho. Sabemos que o mercado de futebol acaba tornando um pouco cruel essa situação. O atleta deveria poder disputar partidas, cumprir o contrato, ter participação efetiva até o final, até o último dia. Mas nós sabemos que, por conta do mercado, os clubes acabam afastando seus atletas, se não renovam, como forma de pressão para que aceitem a extensão ou renovação contratual”, explica o advogado especialista em Direito Esportivo e presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo, Luiz Marcondes. 

Para Vinícius Loureiro, especialista em Direito e Justiça Esportiva, essa manobra dos clubes é legal e visa zelar o seu capital. O clube, de certa maneira, está protegendo o seu patrimônio.

“Querendo ou não, os atletas compõem parte relevante do capital dos clubes, e o clube tem o direito de zelar por seu capital, destacando que esse direito não pode afetar os direitos do indivíduo, do atleta. Jogar, quando solicitado, no entanto, não é um direito, mas uma obrigação prevista no contrato de trabalho. Não escalar o atleta não fere seus direitos.”

Um jogador que era importante até outro dia passa a ser renegado. Sem ser relacionado, sem poder atuar dentro de campo. O atleta pode buscar um caminho na Justiça para tentar se livrar de um clube que o não coloca para jogar, mas não será fácil.

“O atleta pode, sim, utilizar-se de uma ação judicial para dizer que não está tendo a ocupação efetiva, que o clube o está ‘encostando’ por conta de uma pressão. Mas é um caso difícil de provar. Esse é o grande ponto. Direito às vezes não é só a questão empírica; é a prova. Seria importante o atleta conseguir provar que não está sendo dada a ele a ocupação efetiva adequada”, explica Marcondes. 

Para Luciane Adam, advogada especialista em Direito do Trabalho, a situação do atleta de futebol é diferente da de um trabalhador comum. Estar fora de campo não quer dizer que ele está impedido de exercer sua atividade. 

“Difícil dizer que ele está plenamente impedido, porque os atletas de futebol, em qualquer contrato, podem não entrar em campo. Teria que verificar no caso concreto toda a circunstância envolvida para ver o cabimento do processo. Ao meu ver, só por não entrar em campo, não seria o caso.”

A situação seria diferente se o clube deixasse o jogador treinando em separado, em horários alternativos aos do restante do elenco. “Se ele fosse impedido de treinar ou estivesse treinando sem o grupo, o que compromete a qualidade física do atleta e pode prejudicar uma nova contratação, sim. Nesse caso, caberia um processo na Justiça do Trabalho”, afirma Luciane.

A maior dificuldade que um atleta terá em encontrar uma saída na Justiça do Trabalho é para reunir provas de que ele não é escalado por pressão para uma renovação contratual. Não estar dentro de campo é uma justificativa subjetiva. Mas o advogado Gustavo Lopes cita um caminho: 

“A decisão por jogar ou não tem que ser técnica. Se é uma forma de coação, trata-se de assédio moral. Cabe pedido de rescisão indireta por parte do atleta. É uma prova muito difícil de fazer, mas o caminho é a Justiça do Trabalho e pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho por falta grave (assédio moral), e pedir danos morais”, explica o especialista. 

Com contratos que têm prazo determinado (começo e fim), diferentemente do que acontece, normalmente, com trabalhadores comuns, o atleta pode se proteger de outra maneira. Cláusulas que limitem essas ações por parte dos clubes podem ser a saída. 

“Cláusula, sem dúvida nenhuma. Eu ouso dizer que os grandes contratos, de grandes jogadores, têm algo próximo a isso. Estrelas do futebol, como Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar, existem cláusulas que são muito próximas a essa questão, para que o atleta jamais passe por essa situação”, detalha Marcondes.

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