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Futebol e Direito Tributário, dois mundos não tão distantes

Por Rafael Marchetti Marcondes

O futebol é um esporte sempre presente no dia a dia do brasileiro. De segunda-feira a domingo, há jogos sendo transmitidos pela televisão, rádio ou outras plataformas. E, quando, excepcionalmente, não há partida alguma acontecendo em um canto do mundo, ainda assim temos os jornais, os programas esportivos e os amigos nas mesas de bar ou nos corredores das empresas onde trabalham, comentando sobre um jogo que aconteceu, uma partida que vai ocorrer nos próximos dias, bastidores ou especulações.

O futebol, definitivamente, não sai da vida do brasileiro. Por outro lado, temos o Direito Tributário… Opa… Direito Tributário??? É isso mesmo? Do que estamos falando?

O Direito Tributário não ocupa a mente de grande parte dos brasileiros diariamente. Então, que tipo de paralelo se está querendo traçar entre o futebol e o Direito Tributário?? Não parece ser possível estabelecer qualquer relação entre esses dois mundos tão distantes.

Bom, a verdade é que o futebol e o Direito Tributário não são mundos tão distantes assim, como se pode pensar. De fato, futebol é um esporte de ação, de emoção, de paixão. O Direito Tributário, de outra forma, não é um esporte, é uma ciência. Seu forte, definitivamente, não é a ação (ainda que ela por vezes se faça presente), e nos remete à ideia de uma atividade burocrática, chata, maçante.

Mas se ambos parecem estar tão distantes, aonde se está querendo chegar? O que vamos mostrar é que o futebol e o Direito Tributário, apesar de serem atividades bastante distintas, têm muitos pontos em comum e que, por mais que o brasileiro não guarde grande afeição pelo Direito Tributário nem lhe dê a devida atenção, ele sempre se faz presente no meio esportivo, mesmo que seja menos evidente aos olhos dos brasileiros e, mais ainda, daquele que acompanha o futebol.

O futebol, é notório, há muito deixou de ser um esporte amador, preocupado apenas com as paixões dos seus torcedores. Hoje é um negócio e dos mais importantes no cenário mundial, que, sim, foca-se no torcedor, mas, principalmente, no que ele pode consumir e gerar de receita para o clube.

Segundo estudo concluído pela Deloitte no início do ano, o Football Money League 2019¹, apenas os 20 maiores clubes de futebol do mundo na temporada 2017/2018 movimentaram mais de € 8,3 bilhões, algo próximo de R$ 37,5 bilhões. A grandiosidade das cifras envolvidas é inquestionável.

É justamente nesse ponto que futebol e Direito Tributário se encontram: nas cifras. De forma simples, o Direito Tributário é o ramo do Direito responsável por regular as condutas dos cidadãos e as atividades do Estado relacionadas à fiscalização, à arrecadação e à cobrança e recolhimento de impostos, contribuições e taxas.

Não é segredo algum que todo aquele que recebe rendimento em razão de uma atividade deve tributar essa quantia, destinando parte do que recebeu ao Estado. É o preço de se viver em sociedade.

Com o futebol se passa a mesma situação. O jogador, o intermediário, o clube de futebol e a liga, bem como outros agentes que atuam no segmento, em razão de uma obrigação legal, devem destinar parte dos seus vencimentos aos cofres públicos, mediante o pagamento de tributos.

O que se observa no futebol é o mesmo que se verifica em outros negócios, uma constante tentativa de, dentro dos limites legais, buscar-se reduzir a carga tributária. Afinal, quanto menor forem os tributos pagos, maior é o resultado que se obtém com uma atividade.

Com os clubes, no Brasil, não é diferente. A Constituição Federal e a legislação ordinária contêm algumas regras que estabelecem que as associações civis sem fins lucrativos, por exercerem atividades com viés social e sem buscar o lucro, estão dispensadas do pagamento de impostos e contribuições sociais.

Assim, a fim de reduzir os gastos com tributos, grande parte dos clubes brasileiros foi constituída na forma de associações sem fins lucrativos, sob o argumento de que realizam atividades sociais com crianças carentes, dando-lhes instrução por meio do esporte, e que, quando obtêm resultados positivos com as suas atividades (superávit), os revertem em benefício da própria entidade, não os distribuindo aos associados ou administradores.

Ou seja, os clubes de futebol passaram a se enquadrar como associações civis sem fins lucrativos a fim de reduzir suas despesas com o pagamento de impostos e contribuições sociais e, com isso, aumentar seus resultados.

Ainda que se questione se os clubes de futebol devem ou não fazer jus a tal benefício fiscal, o que se tem aqui é uma clara evidência do futebol visto como negócio, no qual se busca maximizar os resultados. E, nesse contexto, futebol e Direito Tributário estão intimamente relacionados, por mais diferenças que possam ter, pois, em um país com a carga tributária tão elevada quanto o Brasil, uma oportunidade fiscal, se adequadamente aproveitada, pode gerar retornos financeiros tanto dentro quanto fora de campo.

Recursos economizados com o pagamento de tributos podem ocasionar a redução de passivos do clube, investimentos em infraestrutura e jogadores, dentre outros.
O enquadramento dos clubes brasileiros como associações civis sem fins lucrativos faz com que eles deixem de pagar sobre os seus rendimentos Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), além de recolher a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) a uma alíquota reduzida de 1%, incidente sobre a folha de salários.

Para se ter uma ideia do que isso representa em termos práticos, por não pagar IRPJ, CSL, PIS e COFINS em apenas dois anos, o São Paulo Futebol Clube foi autuado pela Receita Federal em mais de R$ 85 milhões. Nesse valor, cabe destacar, além dos tributos devidos, foram incluídos juros de mora e multa punitiva.

O Fisco brasileiro considerou que o clube, ainda que formalmente em seu estatuto seja uma associação civil sem fins lucrativos, não poderia ser enquadrado como tal, por desenvolver atividades econômicas e, com elas – especialmente a venda de atletas –, apurar resultados positivos.

O caso, vale destacar, foi julgado agora em maio deste ano, e o São Paulo Futebol Clube foi dispensado de pagar a cobrança de R$ 85 milhões. A decisão do CARF, tribunal especializado em matéria tributária, foi que o fato de exercer atividade econômica que gerasse retorno financeiro não era impeditivo ao clube ser caracterizado como associação civil sem fins lucrativos, desde que os resultados obtidos com as suas atividades se revertessem integralmente em favor da instituição, e não dos seus associados ou diretores, o que foi comprovado no processo.

Para o Tribunal, atividade econômica e fins lucrativos são coisas completamente distintas. É possível realizar uma atividade econômica que lhe traga resultados sem ter lucro, desde que o resultado seja revertido em benefício da instituição, e não dos seus administradores.

A decisão favorável ao São Paulo Futebol Clube segue em linha com o que já havia decidido o mesmo Tribunal no final do ano passado para o Clube Athletico Paranaense, que também havia sido autuado pela Receita Federal pelo não recolhimento de IRPJ e CSL em mais de R$ 85 milhões.

Disso se verifica que, ainda que possa não parecer, o Direito Tributário está fortemente vinculado ao futebol e ao dia a dia dos clubes. Ele pode não ser manchete todos os dias nem figurar nas rodinhas de conversas entre amigos, ou mesmos nos noticiários esportivos, mas, seja com maior, seja com menor evidência, é algo que sempre está a nortear as decisões daqueles que enxergam o futebol como negócio.

Afinal, se o Direito Tributário é uma constante no mundo corporativo – norteando a tomada de diversas decisões sobre os rumos de uma instituição – e se o futebol caminha para a profissionalização, a tendência é cada vez mais ouvirmos falar do futebol e do Direito Tributário. A situação das associações civis sem fins lucrativos é apenas uma evidência desse fato.

Gostemos ou não, como diria Benjamin Franklin, “nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”. Assim, é bom o apreciador do futebol ir se acostumando a ouvir falar do Direito Tributário em discussões relacionadas ao futebol.

……….

¹ file:///C:/Users/mds/Downloads/Deloitte%20Football%20Money%20League%202019.pdf, acessado em 18.5.2019.

Rafael Marchetti Marcondes é Professor de Direito Desportivo e Tributário na EPD e no IBET, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, especialista em Direito Tributário pela FGV/SP e advogado consultor do escritório Pinheiro Neto.

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