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Jogadora de futebol não profissional até pode ser. Mas, empregada do clube, sempre

Por Higor Maffei Bellini

Este texto nasce de uma discussão que venho travando há alguns anos nos processos que patrocinamos. Ela trata da questão da chamada atleta não profissional de futebol, aquela que os clubes – de maneira equivocada – insistem em chamar de amadora para tentar se furtar de anotar a Carteira de Trabalho e Previdência Social quando esta vai trabalhar (treinando e jogando) para um clube.

Como vocês sabem, ou saberão agora, eu sempre uso o gênero feminino para tratar das atletas, porque eu trabalho prioritariamente defendendo atletas de futebol feminino, assim flui naturalmente usar sempre a expressão “a atleta”, “a jogadora”, já que é a nossa realidade. E é valido também para valorizar as atletas do gênero feminino; é sempre bom lembrar que elas existem.

Segundo a lei Pelé, em seu artigo 3º,  o esporte de rendimento pode ser praticado: de modo profissional, “caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva” ou de modo não-profissional, “identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio”.

Vejam que a Lei Pelé não diz que o esporte de rendimento, que é o caracterizado por ser “praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações”, pode ser praticado de modo amador. Até porque, na Lei Pelé, não existe mais a palavra “amador” para definir os tipos esportivos ou de atletas.

Assim sendo, o termo adequado para a atleta que não tenha assinado o contrato especial de trabalho desportivo seria atleta não-profissional para a legislação vigente, ao invés de amador, já que esta classificação – repito – não existe na lei Pelé, sendo, portanto, incorreto tecer argumentações relativas às atletas de futebol considerando-as como amadoras.

Ou seja, todos os clubes, em especial os do futebol feminino, que disputam torneios – estaduais, nacionais ou internacionais – que alegam não registram as suas atletas por estas serem consideradas amadoras estão indo contra o que estabelece a legislação nacional, em especial a Lei Pelé.

Você, leitor, poderá dizer, mas Higor, o torneio feminino estadual aqui no meu estado fala que é amador, como fica então a sua interpretação?

Simples, respondo eu. A denominação do torneio está errada, sendo efetuada pela federação a pedido dos clubes – mesmo porque a federação é a junção dos clubes – com a finalidade de permitir a estes (os clubes), que disputam esses campeonatos, sob a alegação de ser o torneio amador, pleitear auxílio governamental para colocar os seus times em campo, já que se forem profissionais não podem receber apoios de entes estatais.

Vejam que, se forem efetivamente amadores esses clubes, os campeonatos estaduais não podem ter participação das equipes que atualmente estão disputando, também o campeonato brasileiro feminino, já que este exige que as equipes que estão no nacional tenham as suas atletas consideradas como profissionais e, por consequência, registradas como empregadas[1]. E, pela lógica jurídico desportiva, não podem disputar o mesmo torneio – a mesma competição – equipes consideradas amadoras e equipes profissionais.

Esta impossibilidade de estarem na mesma competição equipes amadoras e profissionais passa desapercebida da grande maioria das pessoas, fato que não deve, em nenhuma hipótese, passar desapercebido para aqueles que militam na justiça defendendo atletas, seja na justiça do trabalho ou mesmo na justiça desportiva. Mesmo porque, o CBJD – em seu artigo 182[2] – estabelece que sendo não-profissional terá o atleta um tratamento menos severo nos julgamentos desportivos.

Mas, na realidade do futebol feminino do Brasil, onde os clubes ofertam além do salário pago em dinheiro, ou que deveriam ser pagos, já que alguns clubes contratam as atletas já sabendo que não terão condições de arcar com os salários, ofertam o salário in natura, referente a moradia e a alimentação, para completar a remuneração das atletas. Desta forma fazendo com que as atletas de futebol no Brasil recebam valores em dinheiro superiores aos que gastariam para praticar o futebol; haja vista, que as despesas para a prática do futebol são totalmente custeadas pelos clubes, que fornecem alimentação, moradia, pagam a conta de água, de energia elétrica, internet, arcam com os custos do transporte treinos e jogos.

Este fato, o salário ficar integralmente disponível para a atleta de futebol usar com quaisquer outras despesas que não às ligadas a prática do futebol, faz com que estas atletas sejam consideradas como profissionais, ou seja, a jogadora recebe para jogar valor maior do que aquele que gastaria para fazer a prática do futebol.

Pela definição existente na CBF, mais precisamente no regulamento nacional de registro e transferência de atletas de futebol 2021, em seu artigo 1ª

Art. 1º – Os atletas de futebol no Brasil desdobram-se em duas categorias: profissionais e não profissionais.

§ 1º – É considerado profissional o atleta de futebol que exerce a sua atividade desportiva em cumprimento a um contrato formal de trabalho desportivo firmado e regularmente registrado na CBF com um clube.

§ 2º – É considerado não profissional o atleta de futebol que o pratica sem receber ou auferir remuneração, ou sem tirar proveito material em montante superior aos gastos efetuados com sua atividade futebolística, com exceção de eventual valor recebido a título de bolsa de aprendizagem avençada em um contrato de formação desportiva, sendo facultado, ainda, receber incentivos materiais e patrocínios. (destaquei)

Ou seja, qualquer pessoa que ganhe, seja pela entrega de valores – seja pela entrega de bens ou serviços in natura, pela entrega direta destes – mais do que o que necessita gastar para despenhar o seu papel no time de futebol deve ser considerada como atleta profissional de futebol, já que a diferença reside justamente neste fato: ganhar jogando futebol, seja o que for, mais do que é necessário despender pagar jogar.

Observe, prezado leitor, que ao se fazer a análise da realidade fática do futebol feminino no Brasil, que traz o fornecimento da alimentação, da moradia, o fornecimento de assistência médico hospitalar, do transporte para a sede da agremiação no início do contrato e o retorno para o lar da atleta ao final, bem como o transporte para treinos e jogos, com o regulamento interno da CBF, todas as atletas devem ser consideradas como sendo profissionais do futebol.

Por serem profissionais, pelos critérios do futebol nacional, toda e qualquer equipe de futebol feminina deve registrar o contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social de suas atletas sob pena de estarem desrespeitando a legislação trabalhista e previdenciária, ou seja, pode e deve ser aplicadas as relações trabalhistas entre atletas e clubes.

Esta realidade das atletas femininas de futebol, que pelos critérios vindos da CBF devem ser consideradas como sendo empregadas, precisa ser refletida nas decisões da justiça do trabalho para reconhecer a existência de vínculo trabalhista, analisando a questão também sob esta ótica, aliando-se este regramento aos clássicos artigos 2 e 3 da CLT, que são os habituais para analisar a questão da formação do vínculo trabalhista para as outras atividades econômicas e profissionais.

Isto, porque o direito do trabalho, segundo o artigo 8º da CLT[3], também, tem como fonte o direito comparado, que pode ser o direito comprado com a regulamentação interna da CBF que, para todos os clubes do Brasil, tem força legal já estes clubes, quando lhes convém, usam da autonomia desportiva, prevista constitucionalmente no artigo 217 I, para a defesa dos seus interesses. Assim, os clubes não podem se furtar de aceitar como fonte de obrigações trabalhistas as normas internas da CBF e da FIFA.

Desta forma, há a urgente necessidade de serem tratadas como empregadas todas as atletas de futebol com a anotação dos contratos de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social das mesmas, pois muitas atletas são contratadas de forma fraudulenta, com contratos de licenciamento de imagem, mas que são na realidade são contratos de prestação de serviços que podem, e devem, ser anulados segundo o artigo 9º da CLT –

A anulação destes contratos firmados para mascarar a relação trabalhista se torna ainda mais necessária quando analisados os requisitos da CLT para a configuração da relação empregatícia, já que há pessoalidade, a impossibilidade da atleta mandar outra pessoa em seu lugar treinar ou jogar, a inscrição nos torneios é pessoal, ou seja, a equipe não pode aceitar outra pessoa naquele jogo que não a Reclamante; há subordinação, já que a Reclamante é submetida a uma subordinação jurídica estrutural, sendo a jogadora a base de toda pirâmide hierárquica que tem a mesma na base e o presidente no ápice – passando pelo diretor, pelo técnico e pelo assistente técnico – não tendo a jogadora autonomia para se escalar ou não em determinada partida, não podendo escolher quando quer jogar ou não, e é a equipe quem assume o risco do negócio, fornecendo a alimentação, o alojamento, o tratamento médico, o transporte e fazendo o pagamento das despesas junto à federação e à confederação, e existe a onerosidade, já que a Reclamante recebe para jogar futebol, recebe o alojamento, a alimentação e o salário, ou se já residir na cidade do time, recebe somente o seu salário. Além, é claro, da habitualidade, já que os treinos são diários, com jogos semanais ou quando não havendo jogos dois dias na semana.

Como demonstrada ao longo deste texto, por não existir como enquadrar uma equipe de futebol, que disputa os torneio oficias de futebol feminino, como amadora – até por não existir este termo na lei Pelé – e, pela impossibilidade jurídica de ser admitida como não profissional, a atleta que recebe o seu salário, a alimentação e o alojamento, a aplicação direta da norma consolidada permite o reconhecimento do vínculo já que é impossível se trilhar o caminho da exceção do esporte não profissional para afastar o vínculo trabalhista.

Como há, também, a necessidade da justiça do trabalho passar a punir como litigante de má-fé a agremiação que traz na sua defesa a alegação de que se trata de atleta amadora a jogadora de futebol que recebe valores em dinheiro, casa e comida para jogar, posto que como já demonstrado está litigando contra disposição expressa de lei, contra as normas da CBF que devem ser consideradas leis esportivas aplicáveis de pleno direito.

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[1] https://leiemcampo.com.br/cbf-quer-que-atletas-do-brasileiro-feminino-a1-tenham-carteira-assinada-em-2021/

[2] Art. 182. As penas previstas neste Código serão reduzidas pela metade quando a infração for cometida por atleta não-profissional ou por entidade partícipe de competição que congregue exclusivamente atletas não-profissionais. (Alterado pela Resolução CNE nº 11 de 2006 e Resolução nº 13 de 2006)

[3]   Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

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