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Jogadoras profissionais e o direito à maternidade

O direito social à maternidade não é exclusivo da mãe, ao contrário é um direito humano fundamental de segunda dimensão pertinente a toda uma sociedade, transcendendo o gênero feminino, diz respeito à natureza humana de procriar e de promover a continuidade de sua espécie.

Clarividente que, a depender do país, pela quantidade de tempo estabelecido para a licença maternidade, a mulher necessita mais concentradamente do período licenciado, uma vez que necessita recompor o seu estado biopsicofísico transformado pela gestação e o parto.

É exemplo do narrado acima, o ordenamento jurídico português em que há anos denomina o referido direito de licença parental, segundo os arts. 33o a 54o do Código do Trabalho (CT) de Portugal e não licença maternidade. O art. 43o do CT lusitano trata até mesmo da “Licença Parental Exclusiva do Pai”.

Isto revela que o período de afastamento do emprego para cuidar do recém-nascido pode ser revezado entre a mãe e o pai, e não é apenas um direito ou atribuição exclusiva da mãe, a incluir os casos de falecimento da mulher e outros que a impede de participar dos primeiros meses de vida do filho.

Notícia mais cedo desta semana trouxe a informação de que as jogadoras da Super Liga e Segunda Divisão do futebol profissional da Inglaterra receberão o direito de licenção maternidade remunerada e o auxílio para doenças de longo prazo.[1]

Na Alemanha, o direito à licença maternidade é regulado por normas estaduais e da Liga Profissional, obrigando aos clubes a arcarem com a sua remuneração e onerosidade toda do período de afastamento da mãe jogadora.[2]

O art. 18-Quarto do atual estatuto e regulamento de transferência de jogadores da FIFA busca resguardar a licença maternidade remunerada ao prevê-la como ônus dos clubes empregadores, estabelecendo presunção de rescisão indireta (despedida indireta) caso a entidade desportiva empregadora dispense a atleta durante o período de gravidez, com os consectários econômicos atinentes, além de fixar a sanção de impedimento de registro de novas jogadoras por dois perídos consecutivos de transferências (two transfer windows), equivalentes a uma temporada inteira.[3]

A normatização trabalhista pública e federativa, específicas sobre o direito de licença maternidade, são extremamente necessárias para reforçar o compromisso dos países republicanos e democráticos em relação aos tratados internacionais ratificados, em que se comprometem a não discriminar o trabalho da mulher (exs.: Convenções ns. 103, 111, da Organização Internacional do Trabalho-OIT).

Do ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro, em qualquer espécie de trabalho, as mulheres têm direito à licença maternidade, garantido pelo pelo art. 7o, XVIII, da CF/88 c/c arts. 391 a 392 da CLT.

A Lei Pelé está vazia sobre o trabalho desportivo e superada tanto pela falta de normas típicas, quanto por disposições desconexas da realidade. Há anos se defende em literatura jurídica própria uma Lei somente para o trabalho desportivo, como existe em Portugal, Espanha, Itália, etc. Só desta forma poder-se-ia resolver melhor este direito devido às trabalhadoras desportivas em decorrência da gestação.

Por falta de normas especiais no trabalho desportivo sobre a licença maternidade, muitas jogadoras profissionais pelo mundo, não apenas no Brasil (vazio da Lei n. 9.615/98), sofrem para continuar suas profissões desportivas, algumas até mesmo veem suas “carreiras abortadas”.

Conforme o já mencionado acima, em se tratando de direito social fundamental, descrito no art. 7o, XVIII, da CF/88, reproduzido nos 391 a 392 da CLT, no Brasil, as jogadoras profissionais têm direito à licença maternidade por aplicação direta dessas disposições da Constituição e do diploma consolidado.

Porém, na prática, as atletas mulheres no Brasil sofrem até para conseguir uma contratação de contrato especial de trabalho desportivo (CETD do art. 28 da Lei n. 9.615/98) que lhes gerem o vínculo empregatício, situação que atravanca o direito à licença maternidade com o apoio da previdência social.

Vale assinalar que, desde o momento da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, às jogadoras também é devida a estabilidade provisória em decorrência da maternidade, por aplicação direta do art. 10, II, b), da ADCT/CF/88, art. 391-A da CLT e Súmula n. 244, III, do C.TST, pois a Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) é omissa, mas mesmo que existisse previsão contrária ao texto da Constituição, a norma infraconstitucional não pode contrariar a norma constitucional, sob pena de ser juridicamente invalida e possivelmente removida da ordem jurídica pelo Supremo Tribunal Federal.

Compete ainda mencionar o “caso Tandara x Praia Clube”. Neste dissídio, embora a 5a Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho não tenha apreciado a questão de reconhecimento de vínculo empregatício e os consectários de licença maternidade e estabilidade provisória da jogadora gestante, em obiter dictum reafirma a decisão do Tribunal Regional recorrido em que se revalida a existência paralela de um contrato especial de trabalho desportivo e outro contrato de licença de uso da imagem com a mesma atleta mulher, a Tandara (Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Processo: RR – 11105-22.2015.5.03.0104 Data de Julgamento: 22/11/2017, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/02/2018.).

A falta de uma Lei específica somente a respeito do trabalho desportivo resulta no tolhimento do direito de a atleta mulher engravidar, ter acesso a efetiva licença maternidade e estabilidade provisória, acabando por restringir-lhes acentuadamente os direitos laborais gravídicos mínimos, reforce-se: direitos humanos fundamentais de segunda dimensão ou direitos sociais fundamentais que transcendem a mãe, refletindo-se sobre o pai e toda uma sociedade.

Em síntese, no geral, as jogadoras sentem muito medo de perder a carreira atlética com uma gestação inesperada ou até mesmo planejada. A discriminação de gênero no esporte brasileiro é tanta, que as atletas são reprimidas sistematicamente a não engravidar, sob o risco da perda inteira de sua caminhada atlética profissional.

Crédito imagem: PHELAN M EBENHACK/AP/SHUTTERSTOCK

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[1] Verifica-se em Brasil de Fato. Jogadoras inglesas ganham direito à licença maternidade. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/01/28/jogadoras-inglesas-ganham-direito-a-licenca-maternidade>. Acesso em: 06 fev. 2022., Lei em Campo: o canal do Direito Esportivo. Jogadoras que atuam na Inglaterra conquistam direito à licença maternidade. O que falta para o Brasil?. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/jogadoras-que-atuam-na-inglaterra-conquistam-direito-a-licenca-maternidade-o-que-falta-para-o-brasil/>. Acesso em: 06 fev. 2022.

[2] Verifica-se em Brasil de Fato. Jogadoras inglesas ganham direito à licença maternidade. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/01/28/jogadoras-inglesas-ganham-direito-a-licenca-maternidade>. Acesso em: 06 fev. 2022., Lei em Campo: o canal do Direito Esportivo. Jogadoras que atuam na Inglaterra conquistam direito à licença maternidade. O que falta para o Brasil?. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/jogadoras-que-atuam-na-inglaterra-conquistam-direito-a-licenca-maternidade-o-que-falta-para-o-brasil/>. Acesso em: 06 fev. 2022.

[3] Conferir em FIFA. Regulations on the status and transfer of players. Disponível em: <https://digitalhub.fifa.com/m/196c746445c58051/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-August-2021.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2022.

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