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Jogo dos 777 erros

“Jogo dos sete erros” é uma brincadeira antiga que consiste em identificar sete diferenças existentes entre dois desenhos ou fotos aparentemente idênticas.  Devo desde logo dizer que nunca fui bom nesse jogo.  Sou meio distraído e nessa atividade é imprescindível ter muita atenção.

Mas existem certas figuras onde é impossível não reparar nos erros e até mesmo alguém como eu consegue detectá-las com a maior facilidade. Veja-se, por exemplo, essa parceria da empresa 777 Partners com o Vasco da Gama, que acaba de alterar seu estatuto para transformar o futebol numa sociedade anônima e já alardeia aos quatro cantos que irá vendê-la à empresa americana.

Os erros nesse processo são tão grandes que já identifiquei ao menos sete e que passo a apresentar.

Erro n° 1 – Falta de transparência

Sob a alegação da existência de cláusula de confidencialidade, a diretoria do clube e a empresa escondem o contrato a sete chaves. Um negócio dessa magnitude e que significa a venda de um ativo de mais de cem anos de existência para sempre, deveria ser amplamente conhecido dos sócios, para que pudessem tomar a decisão mais adequada.

Aliás, nossa lei nº 9.615/98 exige transparência nos atos de gestão, o que deveria ser o norte a ser seguido pela diretoria do Vasco. Entretanto, ninguém sabe ao certo o que está sendo negociado. Afinal, esse pacto interessa também aos associados e como é que eles poderão decidir sobre uma proposta de compra se não conseguem ter acesso a ela???

Vale ressaltar que a confidencialidade é típica de negócios comerciais quando envolvem apenas e tão somente os atos de gestão ordinária do clube. O presente caso é de VENDA DEFINITIVA do maior ativo que a agremiação tem, que é o seu futebol. É de se estranhar a sanha em esconder o teor de uma proposta que a Diretoria diz que será excelente para o clube. Se é realmente boa, porque escondê-la?

Erro nº 2 – Inexistência de processo para escolha de proposta mais vantajosa

Estranhamente o Vasco não se mostrou aberto a receber outras propostas do mercado. Pior do que isso, a diretoria assinou um contrato em que deu à 777 partners uma atípica exclusividade para que a empresa americana fosse a única a estabelecer tratativas com o clube. Como é por todos sabido, a exclusividade é dada na execução de um negócio jurídico e jamais na fase de negociação. Tal iniciativa fecha as portas para o mercado e impede que a entidade possa receber outras propostas eventualmente mais vantajosas.  Porque será que a diretoria cometeu um erro tão elementar?

Veicula-se que a 777 pagaria 700 milhões de reais para adquirir 70% das ações do clube. É esse o valor do Vasco? E em quanto tempo isso seria pago? A depender do prazo, é muito possível que o pagamento seja feito com as receitas que o próprio Vasco aufere anualmente. Será que esse negócio é tão bom assim?

Erro nº3 – Inexistência de Due Diligence

Posso até estar errado, mas pela forma que o negócio está sendo conduzido, duvido que a diretoria tenha realizado minimamente algum processo de due diligence. Como se sabe, o due diligence representa a busca e a análise prévia de informações a respeito de uma empresa, a fim de que se possa avaliar e mitigar os riscos antes da celebração de um acordo.

Será que essa empresa detém lastro patrimonial para honrar suas obrigações perante o clube? É idônea? Seus diretores possuem uma biografia à altura do que se propõem a fazer? Qual é o seu Core business? Quem integra o seu Staff?

Do pouco que se conhece da 777 partners, sabe-se que se trata de uma empresa recém-criada – possui apenas 7 anos de existência (!) -, cujo site propaga já estar envolvida em multiplos negócios complexos dos mais variados matizes e que um de seus sócios foi condenado por tráfico de drogas nos Estados Unidos.

Em relação à gestão de times de futebol, o único case da empresa foi um desastre. Acaba de rebaixar o Gênoa para a segunda divisão do campeonato italiano com uma campanha pífia, após fazer inúmeras promessas que não foram cumpridas. A propósito, a 777 Já se encontra em litigio com o clube e não se sabe o que irá acontecer por lá. É essa a empresa que irá salvar o Vasco?

Erro nº4 – Oferecimento de quase setenta jogadores como garantia

O único documento que se tem realmente conhecimento é um sui generisContrato de Propriedade Fiduciária Sobre Direitos Creditórios e Conta” que foi celebrado entre as partes, para garantir um empréstimo feito pela 777 ao clube. Ao invés do que a diretoria havia divulgado, o Vasco não deu como garantia direitos incidentes sobre quatro jogadores, mas de quase setenta (!) incluindo menores de idade, e grandes promessas da base do clube.

Isto significa dizer que todo o elenco do Vasco foi dado pela diretoria para avalizar o ajuste, onde ficou estipulado que a 777 poderia negociar o jogador que ela quisesse. O pior é que o Vasco já deu os jogadores para a 777 na forma de propriedade resolúvel, ou seja, os atletas já são da 777 e só voltarão a pertencer ao Clube se a dívida for honrada. E se a diretoria não pagar o empréstimo, o Vasco ficará sem todos os seus jogadores?

 Erro nº 5- Violação às regras da FIFA.

Quando perguntado sobre eventual proibição da FIFA quanto a esse tipo de garantia, o Vice-presidente jurídico afirmou à época que o acordo estaria sendo firmado com o clube italiano Genoa e não com a empresa, o que tornaria o negócio plenamente regular. Entretanto, o contrato de empréstimo mostra que houve cessão de direitos econômicos para a 777 partners e não para o Genoa (!), em total afronta às normas da FIFA que impedem a sua alienação para terceiros alheios ao sistema desportivo. O clube corre o risco de ser severamente punido e só o futuro dirá o que pode acontecer…

O mais curioso de tudo é que, quando o contrato veio à lume, a diretoria informou que “não houve qualquer cessão de direitos econômicos de jogadores, mas apenas de parte das receitas que vierem a ser obtidas pelo clube com eventual venda de jogadores”. Mas os direitos econômicos significam exatamente isso!!! A promessa de transferência de parte das receitas obtidas com venda de jogadores…

Erro nº 6 – Momento inoportuno

Em menos de seis meses a diretoria do Vasco está fechando a venda de seu futebol sem que tivesse sido realizado qualquer estudo de viabilidade de um negócio seríssimo que está sendo celebrado, não havendo sequer uma avaliação do patrimônio objeto da alienação.

Tudo está sendo feito de forma açodada, sem qualquer tipo de debate e transparência. Com o apoio de parte da mídia, a diretoria propaga que a venda é a salvação e que precisa ser feita urgentemente. Nenhum outro clube agiu dessa maneira. Só para ficarmos num exemplo da inoportunidade da venda, sabe-se que se está muito próximo de uma grande valorização dos direitos de transmissão, com a criação da liga de futebol e tudo isso reverterá para a 777… Além disso, é regra elementar no mercado que ninguém deve vender seus ativos em baixa e com o Vasco na segunda divisão, este é o pior momento para se pensar em qualquer tipo de alienação.

Erro nº 7 – Diretoria ilegítima

O grupo que arquiteta a venda do futebol está na gestão da agremiação por força de uma medida liminar, deferida em processo judicial que anda a passos de tartaruga no Poder Judiciário Fluminense. Não apenas ela, mas todo o conselho deliberativo se encontra no poder graças a uma decisão provisória. Qualquer pessoa de bom senso que estivesse nessa situação, jamais iria capitanear um negócio de tamanha magnitude, sem estar com sua situação jurídica devidamente sedimentada na gestão da agremiação. Mas no Vasco isso pouco importa…

A diretoria não teve a maior votação na eleição realizada em 2020. Perdeu na urna e não possui o mínimo de legitimidade para levar adiante um processo que será irreversível para o clube. Aliás, chama a atenção o fato da 777 partners aceitar celebrar um negócio com uma diretoria provisória. Porque será que eles não se preocupam com esse risco???

Pelo que vimos até agora e só através do que consta de um mero contrato de garantia de empréstimo, já deu para identificar nesse jogo, que nada tem de divertido, ao menos 7 defeitos gritantes.

Imaginem quando fizerem o contrato da venda definitiva.

Aí não encontraremos apenas novos 7 erros.

Mas 777.

Crédito imagem: Vasco

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