A Justiça Desportiva no Brasil surgiu da necessidade de regular e arbitrar questões específicas do desporto, reconhecendo sua importância social e econômica.
Os Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) organizam-se de forma hierárquica, espelhando o Poder Judiciário, com instâncias regionais (estaduais) e nacionais (Superiores), incluindo comissões disciplinares e os STJD.
Sua criação visa garantir a autonomia das entidades desportivas e a resolução de conflitos de forma célere e especializada. Essa atuação é essencial para assegurar o cumprimento das normas desportivas, a disciplina nas competições e a manutenção da integridade do sistema esportivo brasileiro.
Fundamentada na Constituição Federal, a Justiça Desportiva garante a aplicação dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal no âmbito desportivo.
Os TJDs desempenham um papel fundamental na pacificação de conflitos e na manutenção da ética nas competições. Além de aplicar penalidades, sua atuação se estende à fiscalização e regulação das atividades esportivas, auxiliando entidades de administração do desporto na interpretação e aplicação de regulamentos. Dessa forma, sua atuação vai além da disciplina competitiva, contribuindo para um ambiente mais seguro e justo para atletas, torcedores e demais envolvidos.
Contudo, apesar da relevância estratégica dessas instituições, seus membros ainda atuam de maneira voluntária. Esse modelo compromete a profissionalização da Justiça Desportiva e reduz sua atratividade para especialistas altamente capacitados.
A ausência de incentivos financeiros dificulta a especialização contínua dos auditores, impactando diretamente a qualidade dos julgamentos e a credibilidade das decisões proferidas pelos tribunais desportivos. Além disso, muitos auditores acumulam outras atividades profissionais, o que pode afetar a celeridade e a fundamentação das decisões.
Essa realidade se torna ainda mais crítica em esportes que movimentam cifras bilionárias, como o futebol. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por exemplo, exige qualificação técnica para treinadores e demais profissionais do setor, evidenciando a evolução do mercado.
No entanto, a Justiça Desportiva continua sendo exercida de maneira voluntária, sem exigência formal de especialização, o que impacta a segurança jurídica das decisões e a confiança das partes envolvidas no sistema. A falta de critérios objetivos para a nomeação de auditores e a ausência de cursos de capacitação específicos reforçam esse problema.
Os membros dos Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) enfrentam uma constante desvalorização, apesar da importância de suas funções para o equilíbrio e a justiça no esporte.
Sua atuação é frequentemente questionada pela imprensa e torcedores, especialmente quando suas decisões desagradam a determinados interesses. No entanto, raramente recebem o devido reconhecimento por seu trabalho, mesmo quando suas decisões são fundamentadas e corretas.
Esse cenário agrava ainda mais a dificuldade de atrair profissionais qualificados, que acabam migrando para setores mais rentáveis e estruturados, como a advocacia especializada em direito desportivo e assessoria jurídica de clubes e federações. A falta de reconhecimento e valorização também compromete a independência e a segurança jurídica das decisões, resultando em julgamentos inconsistentes e questionáveis.
A participação remunerada em julgamentos administrativos não é uma novidade no Brasil. Em diversas juntas de julgamentos fiscais nos estados, os membros são remunerados através de jetons, o que contribui para um ambiente mais profissional, organizado e capacitado. Esse modelo assegura que os julgadores tenham dedicação adequada e formação específica para lidar com as questões sob sua responsabilidade. A implementação desse modelo na Justiça Desportiva poderia resultar em um aumento significativo da qualidade e credibilidade das decisões proferidas.
Os Tribunais de Justiça Desportiva exercem uma função social essencial no esporte. Suas decisões impactam diretamente a segurança dos torcedores, especialmente quando clubes são punidos pelo uso indevido de sinalizadores ou por brigas entre torcidas. Também desempenham um papel crucial na garantia de condições adequadas para os jogadores, assegurando que clubes ofereçam infraestrutura segura, como gramados em bom estado e vestiários adequados. Essa fiscalização contribui para a integridade física dos atletas e para a qualidade do espetáculo esportivo como um todo.
A ausência de remuneração adequada desvaloriza o trabalho desses profissionais e dificulta a atração de quadros altamente qualificados. Atualmente, há cursos de extensão em Direito Desportivo oferecidos por instituições acadêmicas e especializadas, mas poucos profissionais se dedicam à capacitação para um cargo não remunerado. Esse desestímulo cria um ciclo vicioso: a baixa qualificação afeta a qualidade dos julgamentos, reduzindo a credibilidade das decisões, o que, por sua vez, fragiliza a Justiça Desportiva.
Somente em 2024, o STJD arrecadou um total de R$ 3.486.600,00 em multas.[1] Parte desses valores poderia ser revertida para capacitação e remuneração dos auditores, permitindo maior dedicação e aprimoramento técnico contínuo.
Investir na profissionalização dos tribunais desportivos contribuiria para a melhoria das decisões e para o fortalecimento da Justiça Desportiva como um órgão eficiente e preparado para lidar com as complexidades do esporte moderno.
O futebol, por exemplo, movimenta bilhões de reais anualmente e exige um nível elevado de segurança jurídica. Decisões equivocadas podem gerar prejuízos incalculáveis para clubes, patrocinadores e investidores, afetando contratos publicitários, direitos de transmissão e a credibilidade das competições.
Diante desse cenário, é essencial que a Justiça Desportiva evolua junto com a modernização do esporte nacional. Se as entidades desportivas e os clubes são submetidos a rigorosas exigências normativas, não é coerente que os tribunais responsáveis por fiscalizá-los operem de maneira amadora. A implementação de critérios de ingresso mais rigorosos e a criação de uma política de remuneração são medidas fundamentais para tornar a Justiça Desportiva mais eficiente e respeitada.
Se essa transformação não ocorrer, os riscos são evidentes. A continuidade de um modelo voluntário pode resultar em decisões cada vez mais questionáveis, comprometendo a imparcialidade e a independência dos julgamentos.
A desvalorização dos membros dos tribunais já leva à perda de profissionais qualificados para áreas mais rentáveis e estruturadas, deixando a Justiça Desportiva vulnerável a erros e interpretações inconsistentes.
A Justiça Desportiva precisa evoluir junto com a modernização do desporto nacional. Exigir qualificação e oferecer remuneração são medidas essenciais para estruturar um tribunal mais técnico, com decisões mais seguras e alinhadas à complexidade do universo esportivo. O desenvolvimento do esporte exige que a Justiça Desportiva atue de forma igualmente profissional e preparada para os desafios contemporâneos.
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[1] https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2025/01/08/stjd-bate-recorde-de-processos-em-2024-preconceito-e-manipulacao-na-pauta.htm