O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) reconheceu a responsabilidade solidária do presidente do Santa Helena Esporte Clube por dívidas trabalhistas com um ex-jogador do time goiano. A decisão, que ainda cabe recurso, reformou a sentença de primeira instância ao considerar que a confusão patrimonial entre o dirigente e o clube justifica a responsabilização pessoal do gestor pelos débitos da entidade esportiva.
De acordo com os autos do processo, o atleta foi contratado em julho de 2023 e dispensado sem justa causa no mês seguinte, antes do término do contrato. Além das verbas rescisórias, ele pediu o reconhecimento de um acidente de trabalho ocorrido durante uma partida e a inclusão do presidente do Santa Helena como devedor solidário.
O juízo de primeira instância negou a responsabilização do dirigente e deferiu apenas o pagamento das verbas rescisórias. Insatisfeito com a decisão, o jogador recorreu em segundo grau.
Confusão patrimonial e responsabilidade do dirigente
A advogada Ana Mizutori, especialista em direito desportivo, explica que a Lei Geral do Esporte estabelece normas mais rigorosas para a gestão e administração das entidades esportivas, incluindo regras sobre a responsabilidade dos dirigentes.
“A decisão do TRT-18 reconheceu a responsabilidade solidária do presidente do clube, em conformidade com a nova legislação. O objetivo é responsabilizar pessoalmente gestores por atos irregulares, especialmente no descumprimento de obrigações trabalhistas. Se houver desvio de finalidade, abuso de poder ou ações que comprometam a entidade, o dirigente pode responder civil e administrativamente. Caso fique comprovada gestão temerária, ele pode ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal para quitar débitos trabalhistas”, explica.
O advogado trabalhista Hugo Ferreira complementa que a confusão patrimonial ocorre quando não há separação clara entre os bens e finanças da pessoa jurídica e os bens pessoais de seus sócios ou administradores. Isso pode ocorrer, por exemplo, por meio de transferências indevidas, pagamento de despesas pessoais com recursos da empresa ou uso do patrimônio pessoal para quitar dívidas da entidade.
“No caso, ficou comprovado que o presidente do Santa Helena recebia valores de patrocinadores em sua conta pessoal e usava recursos próprios para pagar obrigações do clube. Há registros de transferências bancárias feitas por ele para o pagamento de salários a um prestador de serviço. Essa confusão patrimonial evidencia a ausência de separação entre bens pessoais e empresariais, justificando a desconsideração da personalidade jurídica. Assim, o patrimônio do dirigente pode ser usado para garantir o pagamento das obrigações trabalhistas, protegendo os trabalhadores”, analisa o especialista.
A decisão
O caso foi analisado pela desembargadora Kathia Albuquerque. Segundo a magistrada, a confusão patrimonial ficou comprovada pelo fato de o presidente do clube movimentar recursos financeiros da entidade diretamente em sua conta bancária pessoal, conforme admitido por ele próprio em depoimento. Nos autos, o dirigente informou que a receita do time estava negativa e que os valores dos patrocinadores eram depositados diretamente em sua conta bancária.
Em sua decisão, a desembargadora citou o artigo 27 da Lei Pelé (Lei 9.615/98), que prevê a responsabilidade solidária e ilimitada dos gestores de entidades esportivas por atos ilícitos, gestão temerária ou violações ao contrato social e ao estatuto da entidade. Além disso, mencionou o artigo 50 do Código Civil, que permite a desconsideração da personalidade jurídica em casos de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Dessa forma, o TRT reconheceu a responsabilidade solidária do dirigente do clube pela dívida trabalhista com o atleta.
Acidente de trabalho
O jogador alegou ter sofrido uma lesão muscular na coxa esquerda durante a partida entre Santa Helena e Jaraguá, realizada em 20 de agosto de 2023. Sem assistência médica do clube, ele afirmou que precisou buscar atendimento por conta própria em um hospital, onde exames confirmaram a gravidade da lesão. Para ele, sua dispensa antes da recuperação violou seu direito à estabilidade acidentária.
O juízo de primeira instância negou o pedido de reconhecimento do acidente de trabalho, baseando-se em laudo pericial que não comprovou de forma inequívoca o nexo causal entre a lesão e a atividade esportiva.
No entanto, ao analisar o recurso do atleta, a relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, destacou que, por ser uma atividade de risco, a responsabilidade objetiva do empregador se aplicava ao caso. A magistrada frisou que o próprio clube confirmou que a lesão ocorreu durante a partida e ressaltou que o julgador não está vinculado exclusivamente ao laudo pericial.
“O fato de o estiramento na coxa ser uma ‘situação recorrente no futebol’ não afasta o reconhecimento do acidente de trabalho, mas sim reforça sua caracterização como uma ‘doença profissional’ ou um ‘acidente de trabalho equiparado’, comum a atletas de futebol e outras modalidades devido à sobrecarga muscular”, argumentou a desembargadora.
Diante disso, por decisão da maioria do TRT, o clube foi condenado ao pagamento de indenização substitutiva pela estabilidade provisória, além de uma indenização por danos morais fixada em dois salários do jogador, totalizando R$ 7 mil. Já o pedido de indenização referente ao seguro de acidente foi negado por falta de comprovação de despesas médicas pagas pelo atleta.
A decisão ainda cabe recurso.
Crédito imagem: Getty Images
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