Por André Feher Jr. e Plínio Higasi
Não é novidade que a Kings League vem gerando uma revolução no mercado do esporte e do entretenimento. Criada em 2022 pelo ex-jogador de futebol Gerard Piqué, em parceria com o influenciador digital Ibai Llanos, a Kings League é um torneio criado para oferecer uma experiência inovadora ao unir elementos do futebol tradicional com formatos mais dinâmicos, inspirados nos esportes eletrônicos, ligas americanas e transmissões digitais. De forma específica, a Kings League introduziu regras diferenciadas, acessíveis e inclusivas, com partidas de curta duração, uso de cartas estratégicas que podem mudar o rumo do jogo, e um sistema de draft que permite que atletas amadores e ex-profissionais participem lado a lado, entre outras aplicáveis, como se pode observar nas ligas até então existentes na Espanha, México e Colômbia.
Não por acaso, a Copa do Mundo da Kings League – Kings League Worls Cup Nations – realizada em janeiro de 2025, na Itália, representou um marco significativo de sucesso para o torneio que contou com 16 seleções nacionais presididas por ex-futebolistas profissionais e influenciadores. O evento transmitido globalmente, alcançou audiências recordes com aproximadamente 100 milhões de espectadores ao longo dos 10 dias de competição.
Com a mesma relevância, a final entre Brasil e Colômbia, realizada no Allianz Stadium, em Turim, contou com 40.153 espectadores presentes e um pico de 3,5 milhões de dispositivos conectados simultaneamente, bem como houve 1,5 bilhão de impressões nas redes sociais para a Kings World Cup Nations e crescimento rápido no Twitch e YouTube, com audiências médias de 450 mil espectadores por jogo na temporada inaugural.
Além dos números expressivos de engajamento e transmissão, a premiação de 5 milhões de reais e a participação de personalidades como Ronaldinho Gaúcho, Gerard Piqué, Kaká, Lamine Yamal, Vinicius Junior, Neymar Jr., e outros ídolos internacionais aumentaram ainda mais a visibilidade do evento, sem contar com a repercussão extremamente positiva, considerando o modelo híbrido para atrair públicos diversificados e consolidar novas oportunidades de negócios, desde patrocínios até estratégias de marketing baseadas em experiências digitais.
Após o seu sucesso, a Kings League chega ao Brasil no mesmo ano da conquista da Copa do Mundo, contando com a adesão de clubes locais que adaptaram a sua estrutura para incluir talentos nacionais e ex-atletas profissionais brasileiros. Entre os participantes, destacaram-se nomes conhecidos do esporte, como ex-jogadores e influenciadores digitais, além de equipes formadas por comunidades locais como o Gaules, Cris Guedes, Cerol & Nobru, Jon Vlogs, Paulinho o Loko & Luquet4, Coringa, Ludmilla, Nyvi Estephan, O Estagiário, KondZilla & Michel, entre outros.
Nesse sentido, é possível considerar que a Kings League no Brasil simboliza uma nova geração de entretenimento esportivo, ao integrar esporte, tecnologia e interatividade de maneira diferente das modalidades tradicionais, repleta de desafios comerciais e jurídicos, que exigirá cuidados detalhados para garantir a sua operação eficiente e legalmente segura.
Como exemplo, desde os contratos com atletas e patrocinadores, que devem ser minuciosos e bem estruturados, até a proteção e registro das marcas envolvidas no evento, sempre nas classes competentes, evitando a concorrência desleal e/ou o uso indevido por terceiros de má-fé, exigirá uma análise cuidadosa para evitar qualquer tipo de litígio ou violação. A proteção dos direitos de propriedade intelectual será fundamental, especialmente quando se tratar de conteúdos digitais gerados durante o torneio, incluindo vídeos, imagens e transmissões ao vivo, que são formas valiosas de engajamento e monetização.
Além disso, os direitos de transmissão e o uso de imagem dos atletas e influenciadores terão que ser claramente definidos e regulamentados, para evitar conflitos e garantir que todos os envolvidos sejam devidamente compensados.
Fundamental também que a Kings League estabeleça contratos claros e detalhados com todos os envolvidos no torneio, incluindo atletas, patrocinadores e parceiros de mídia. Esses contratos devem especificar claramente os direitos e responsabilidades de cada parte, bem como as consequências em caso de descumprimento. A inclusão de cláusulas de arbitragem pode ser uma medida eficaz para resolver disputas de maneira rápida e eficiente, evitando longos processos judiciais.
Outro desafio será a criação de um regulamento claro e justo, que assegure a isonomia e a transparência na competição. A cúpula organizadora precisará trabalhar em estreita colaboração para garantir que as diretrizes da competição sejam justas e equitativas, sem favorecimento de qualquer time ou participante.
Além dos aspectos contratuais e de direitos de propriedade intelectual, questões litigiosas podem surgir durante o desenvolvimento do torneio, especialmente com relação a disputas trabalhistas e cíveis, que envolvem questões de remuneração e direitos de imagem de atletas, influenciadores e outros profissionais envolvidos.
Outro ponto crucial é a manutenção de um regulamento transparente e justo, garantindo isonomia entre todos os participantes. A estrutura organizacional da competição precisa ser sólida e imparcial, com regras claras para a competição, visando evitar qualquer tipo de favorecimento ou controvérsia em relação ao desempenho dos times e jogadores.
Além disso, a organização do iminente torneio no Brasil deverá se preocupar na venda de produtos relacionados ao torneio contra a contrafação e pirataria, uma preocupação crescente em eventos de grande porte. Isso inclui a proteção de ativos digitais, como NFTs e tokenização de ativos, que estão cada vez mais presentes no universo do esporte e entretenimento, gerando novas formas de interação e monetização.
Sem prejuízo dos pontos abordados, a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é extremamente necessária. A Kings League deve garantir que todos os dados pessoais coletados durante o torneio, tanto de participantes quanto de espectadores, sejam tratados de acordo com as disposições da LGPD, inclusive em conceito de Privacy by Design.
Além da LGPD, deve ser considerado o Marco Civil da Internet, seu decreto regulamentador, Constituição Federal, e até o Código de Defesa do Consumidor, sendo que dentre as obrigações, há necessidade de uma base legal adequada e explicada, como o consentimento explícito para a coleta e uso de dados ou o cumprimento de obrigação legal, como exemplos. A implementação de medidas de segurança adequadas para proteger esses dados e a garantia de que os dados sejam utilizados apenas para os fins para os quais foram coletados será um grande diferencial de visibilidade à liga, já que ainda não é comum a prática também por seus concorrentes.
Com a crescente popularidade dos ativos digitais, como NFTs e a tokenização de ativos, a Kings League deve estar atenta às implicações jurídicas dessas tecnologias, sempre buscando profissionais capacitados em Direito aplicado à Tecnologia (Direito Digital) com experiência em juridicamente resguardar os fatos relativos a E-Games. Por isso é essencial que a organização do torneio estabeleça políticas claras sobre a criação, venda e uso de NFTs, garantindo que todos os direitos de propriedade intelectual sejam respeitados e que os participantes e consumidores estejam protegidos contra fraudes e práticas desleais.
Por fim e não menos importante, embora não sejam atletas profissionais, a crescente participação de influenciadores e personalidades do mundo digital desempenham papel crucial na promoção e visibilidade do evento, sendo necessário uma regulamentação clara dos seus direitos e responsabilidades, além de garantir a transparência no processo de escolha e remuneração. Com essa nova modalidade, certo é a necessidade de um acompanhamento jurídico robusto que envolva tanto questões contratuais quanto direitos digitais, uma vez que não só assegurará a proteção de todas as partes envolvidas, mas também contribuirá para a manutenção da imagem e integridade do evento, criando um ambiente competitivo e ético para todos os participantes.
Dessa forma, os recentes torneios da Kings League em âmbito global destacam a importância de explorar a nova modalidade até então praticada. Com o engajamento crescente e expansão, a Kings League tem o potencial de redefinir o consumo e a participação no esporte e deve ser acompanhada de um olhar mais profundo nas questões jurídicas que permeiam essa nova modalidade no mercado do esporte e entretenimento.
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André Feher Jr.: Sócio da Feher Consultoria Jurídica, mestre em direito desportivo internacional pelo ISDE em Madri – ESP, graduado pela PUC-SP, especializações em contratos típicos e atípicos pela FGV-SP, Direito e Futebol na CBF, e Direito de propriedade intelectual, Entretenimento, Mídias Digitais e Moda na ESA-OAB.
Plínio Higasi: Sócio-fundador da HSLG Advogados, mestre em Inteligência Artificial aplicada ao Direito na Faculdade de Tecnologia da Inteligência e Design Digital – PUC/SP, LLM em Direito e Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, especializações pela FGV e PUC/SP em técnicas alternativas de resolução de conflito, além de extensões em Mediação e Arbitragem, e na técnica Harvard (Harvard Method) de mediação pela Fundação Getúlio Vargas/SP.
Fontes:
https://www.meioemensagem.com.br/olimpiadas/audiencia-olimpica-os-recordes-de-globo-e-cazetv
https://exame.com/esporte/quanto-o-brasil-ganhou-ao-se-tornar-campeao-da-kings-league-veja-valor
https://as.com/meristation/noticias/lamine-yamal-el-ultimo-fichaje-de-la-kings-league-n