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Liberdade de expressão ou declaração discriminatória no trabalho desportivo?

As notícias exprimem que um famoso atleta de vôlei, integrante da seleção brasileira na modalidade (participante das Olimpíadas de Tóquio), diante de suas declarações em redes sociais recentes, fora despedido sem justa causa e com o recebimento de todas as verbas rescisórias.

Segundo o jurista e colunista do Diário do Nordeste, Haroldo Guimarães[1], “Maurício Souza colocou em suas redes sociais seu descontentamento com um conteúdo de uma revista em quadrinhos de maneira infantil, frágil, ilógica e, até mesmo, eleitoreira – certamente se candidatará e terá votos de parte da direita mais histérica, se elegendo facilmente. Quando o fez, deixou claro pelo menos uma das seguintes convicções: 1. que ser bissexual é errado, e/ou 2. que ver numa revista em quadrinhos um beijo de pessoas do mesmo sexo influencia a orientação sexual do leitor e/ou 3. Que a DC Comics deveria ceder à sua vontade e às suas convicções morais e estéticas”.

Na dimensão jurídica penal, as manifestações do jogador de vôlei em redes sociais podem até não configurar espécie de crime ou não serem tipificadas para fins de punição criminal, assunto que vamos deixar para aqueles que são especialista no ramo. Todavia, do ponto de vista trabalhista desportivo, já não se pode afirmar o mesmo.

Em referência da Lei do Estado de São Paulo (SP) n. 10.948/01, “art. 2o. – Considera-se atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos desta lei: I – praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;” Outra Lei do mesmo Estado, n. 14.187/10 “art. 2o. – Consideram-se atos discriminatórios por motivo de raça ou cor, para os efeitos desta lei: (…) VIII – praticar, induzir ou incitar, por qualquer mecanismo ou pelos meios de comunicação, inclusive eletrônicos, o preconceito ou a prática de qualquer conduta discriminatória;” Complementa o art. 7o, III, da Lei n. 17.346/21 de SP, “Para os fins desta Lei considera-se: (…) II – discriminação religiosa: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na confissão religiosa, que tenha por objetivo anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;”.

Por óbvio que as Leis do Estado de São Paulo não se aplicam em todo território nacional, apenas se procurou trazer a esta nota algumas definições legais existentes sobre o que seria “discriminação” em três seguimentos sociais mais delicados, como a etnia, gênero ou transgênero e religião.

Consoante já se manifestou há anos em um texto publicado em homenagem ao Dr. Marcílio Krieger e agora mais aperfeiçoado em 2 capítulos do atual livro “Curso de Direito do Trabalho Desportivo” publicado pela Editora Juspodivm, em março deste ano de 2021, a liberdade de expressão dos atletas profissionais sofrem uma certa restrição em relação a maioria dos demais tipos de empregados, na medida em que eles são figuras públicas, inclusive de grande referência para crianças e adolescentes que estão em formação.

Jogadores profissionais não podem simplesmente sair manifestando em seus canais de redes sociais tudo que pensam a respeito de temas delicadamente suscetíveis à discriminação, exatamente por não saberem, na maioria dos casos, como se expressarem sem violar a ordem jurídica. Não se esqueça que os atletas profissionais representam uma massa de torcedores heterogêneos que consomem o espetáculo desportivo, uma série de produtos do próprio clube empregador e de seus patrocinadores (parceiros comerciais).

A liberdade de expressão encontra limites de equilíbrio em outros direitos humanos fundamentais, tais como a liberdade religiosa, sexual e de existir sem importunação por ter nascido com um tom de pele “x” ou “y”, ser tratado com igualdade e dignidade independente da sua pigmentação de pele predominante.

No âmbito laboral, o jogador de vôlei comentado nos noticiários da última semana teria extrapolado o seu direito de liberdade de expressão ao descrever ironias contra um segmento da sociedade que é bastante estigmatizado e inferiorizado. Ao agir assim, o atleta incorreria na prefiguração de justa causa do art. 482, k) da CLT (aplicação subsidiária pelo art. 28, § 4o, da Lei n. 9.615/98) ao atingir a honra e boa fama (reputação objetiva) do clube empregador e de seus patrocinadores, que enquanto pessoas jurídicas são abertas à aderência de um público heterogêneo, plural e humano.

Caso o jogador em pauta tenha escrito as suas manifestações no Instagram em tempo de concentração, incorreria também em mau procedimento e indisciplina (art. 482, b), h), da CLT (aplicação subsidiária pelo art. 28, § 4o, da Lei n. 9.615/98), pois concentração integra a duração do trabalho do atleta empregado, apenas é quitado de forma diversa (art. 28 § 4o, I, III, da Lei n. 9.615/98).

O mau procedimento seria por manifestação discriminatória que deteriora o ambiente de trabalho e o ato de indisciplina seria a falta de respeito e tentativa de inferiorizar colegas de trabalho ou reflexivamente da seleção brasileira que sejam homossexuais, bissexuais ou transgênero.

Enfim, se o clube empregador realmente tiver quitado todas as parcelas rescisórias do referido atleta, e se o caso demonstrar que tudo ocorreu como se noticia, não haverá despedida abusiva, excluindo-se também quaisquer tipos de indenizações ao jogador.

Crédito imagem: Minas Tênis Clube

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[1] GUIMARÃES, Haroldo. Maurício Souza: homofobia ou emprego do direito fundamental à imbecilidade. Diário do Nordeste. Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/haroldo-guimaraes/mauricio-souza-homofobia-ou-emprego-do-direito-fundamental-a-imbecilidade-1.3153853>. Acesso em: 01 nov. 2021.

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