O enredo parecia perfeito: Boca e River, protagonistas da maior rivalidade da Argentina e uma das maiores do mundo, nove títulos da Libertadores em campo e dois jogos em finais de semana pela primeira vez na história.
Nada podia dar errado, certo? Errado.
Poucas horas antes da finalíssima, o ônibus do Boca Juniors, ao passar em meio a torcedores do River Plate rumo ao estádio Monumental de Nuñez, foi apedrejado, jogadores do Boca foram feridos e, após idas e vindas, a finalíssima foi adiada para o dia seguinte.
No domingo, o presidente da Conmebol, Alejandro Domíngues, poucas horas antes da partida, informou do cancelamento da final e que a remarcação ocorrerá após reunião com os presidentes dos clubes.
Sem dúvidas, com base no princípio do “pro competicione” (pela competição), pelos torcedores, pelos contratos comerciais e pela imagem da competição, o ideal era que a partida tivesse ocorrido, pelo menos no domingo.
Com o segundo cancelamento, a competição e sua imagem já foram maculadas, bem como os torcedores e os contratos comerciais já foram desrespeitados.
Assim, se juridicamente, no primeiro adiamento, a indicação já era de desclassificação do River com a definição do Boca Juniors como campeão, agora, a melhor forma de salvar a imagem da competição e dar um grande exemplo contra a violência é cumprir severamente o regulamento.
Ora, o Código Disciplinar da Conmebol estabelece, no artigo 8º, que os clubes são responsáveis pela segurança e pela ordem tanto no interior como nas imediações do estádio, antes, durante e depois da partida da qual sejam anfitriões ou organizadores. Essa responsabilidade se estende a todos os incidentes que de qualquer natureza possam ocorrer e sujeita o clube à imposição das sanções disciplinares. Essa responsabilidade pela segurança é objetiva, ou seja, não depende da culpa do clube.
O mesmo Código, no artigo 18, traz o rol de sanções a serem aplicadas, a saber:
a) Advertência.
b) Repreensão, advertência ou aviso.
c) Multa econômica, de 100 a 400 mil dólares.
d) Anulação do resultado da partida.
e) Repetição de partida.
f) Dedução de pontos.
g) Determinação do resultado de uma partida.
h) Obrigação de jogar uma partida de portas fechadas.
i) Fechamento total ou parcial do estádio.
j) Proibição de jogar uma partida em um estádio determinado.
k) Obrigação de jogar uma partida em um terceiro país.
l) Desqualificação de competições em curso e/ou exclusão de futuras competições.
m) Retirada de um título ou prêmio.
n) Retirada de licença.
o) Proibição de venda e/ou compra de ingressos.
Portanto, o River Plate estaria sujeito desde a uma simples advertência até a perda da partida.
Ocorre que, nas quartas de final da Libertadores de 2015, o Boca foi eliminado da competição, com a consequente classificação do River, devido a incidentes de violência causados por seus torcedores em La Bombonera.
E é com base nessa “jurisprudência” que o Boca pede que seja declarado vencedor da partida e, consequentemente, campeão da Copa Libertadores da América de 2018.
A favor do River está o fato de que a agressão ao ônibus do Boca Juniors se deu fora dos limites do anel de segurança delimitado na véspera da partida durante a reunião técnica. Esse dado, inclusive, constaria no “pacto de cavalheiros” estabelecido entre os presidentes dos clubes, Daniel Angelici (Boca Juniors) e Rodolfo D´Onofrio (River Plate), e da Conmebol (Alejandro Domínguez).
Apesar disso, a fim de resgatar a credibilidade da competição e dar o exemplo, o River Plate deve ser severamente punido com a perda da partida e desqualificação das próximas competições sul-americanas.
Somente medidas drásticas serão capazes de acabar com a violência nos estádios de futebol da América do Sul.
Vale lembrar que, nos anos 80, a violência dos torcedores tirou as equipes inglesas das competições europeias por cinco anos, e a partir dali o futebol inglês se reinventou, acabou com a violência e tem hoje a liga de futebol mais valiosa do mundo, a Premier League.
Caso o Tribunal Disciplinar negue o pedido do Boca Juniors e determine a realização de nova partida, ela deve ocorrer até o dia 12 de dezembro, data de início do Mundial de Clubes, já que o campeão da Libertadores tem vaga na competição.
Na remota hipótese de não se poder definir o campeão da Libertadores antes do Mundial de Clubes, a Conmebol poderá aplicar por analogia o artigo 14 do regulamento da competição sul-americana e indicar o terceiro colocado, no caso o Palmeiras, para a disputa do torneio da FIFA.
Finalmente, é importante destacar que se espera que o Tribunal Disciplinar e a Conmebol atuem com bravura e contribuam para o combater a violência nos estádios de futebol, pois uma decisão dessa grandeza, com a mais absoluta certeza, inibirá outros atos de violência dos torcedores.
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Foto: Globoesporte.com