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Liga da Injustiça

A “Liga da Justiça” é uma fictícia equipe de super-heróis criada pela DC Comics em 1960 com estórias em quadrinhos, cujo sucesso redundou em séries televisivas e em famosos filmes de Hollywood.

São fundadores da Liga ninguém menos do que Superman, Batman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Mulher Gavião, Flash e Caçador de Marte. Quase sempre seu trabalho está voltado para defender nosso planeta de invasões alienígenas, entrando em ação quando as forças de outros mundos são capazes de superar o poder dos órgãos de segurança convencionais da Terra.

Aqui no Brasil há também uma ameaça de invasão, não de extraterrestres, mas do próprio Estado, tentando se imiscuir em temas que não lhe dizem respeito.

É o que aponta a mais comentada emenda parlamentar apresentada à MP nº984 que alterou a titularidade do direito de arena, atribuindo-a exclusivamente ao clube mandante da partida. A proposta chamou atenção pelo fato de obrigar os clubes a criar uma Liga para negociar os direitos de transmissão de suas partidas.

Não é preciso ter superpoderes intelectuais para notar que a emenda é inconstitucional, por violar o art.5º, inciso XX da C.F.: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Ela também fere o art. 217 da Constituição que assegura autonomia das entidades desportivas para se organizarem da forma que bem que lhe aprouver. Ora, impor aos clubes que formem uma liga profissional, evidentemente fere a liberdade de decidirem qual rumo pretendem tomar na condução de suas atividades.

E se os clubes não quiserem criar a Liga, o que poderá ser feito? Será que os dirigentes poderão ser forçados pela Polícia a comparecer ao Cartório para constituir a nova entidade? Nem a “Liga da Justiça” será capaz de fazer isso…

O Direito não obriga quem quer que seja a se coligar ou continuar vinculado a outrem. Além de respeitar a liberdade de se associar ou permanecer associado, nosso ordenamento jurídico não exige, por exemplo, que alguém se case ou tenha que permanecer casado se assim não quiser.

O mesmo se verifica quanto ao empregado em relação ao empregador, o sócio diante da sociedade, o condômino perante os demais titulares da propriedade, ou até mesmo quando alguém se recusa a cumprir um contrato, vez que sua obrigação se transforma numa indenização em perdas e danos (Art. 247 do Código Civil).

As invasões da emenda em seara que não lhe pertence não param por aí. Com efeito, ela prevê que “A participação em competição profissional implicará necessariamente na transferência dos direitos de arena e de exploração comercial da competição, pelos seus titulares, para a entidade representativa dos clubes participantes (“liga”) ou entidade organizadora da competição, cabendo a tais entidades, conforme o caso, as prerrogativas exclusivas de negociar coletivamente”.

A rigor, ela está transferindo a titularidade do exercício de um direito fundamental sem a concordância de seu real detentor que é o clube, ou seja, ela está na verdade dizendo que o titular do direito é de uma outra pessoa jurídica que não a entidade de prática, violando o direito à imagem que é personalíssimo e que não pode ser derrogado por lei.

Basta ver que o art. 5, inciso X, da CF prevê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

As ameaças aos direitos dos clubes prosseguem. Prevê-se também que “A negociação dos direitos de arena deve ser realizada por meio de procedimento público, transparente, competitivo e sem discriminação de licitantes, com base em critérios objetivos (…).

Pretende-se instituir uma verdadeira licitação para a negociação de um direito eminentemente privado, quando se sabe muito bem que esse procedimento é próprio apenas da Administração Pública. Há, portanto, clara violação ao princípio constitucional da livre iniciativa, resguardado nos arts. 1º e 170 da C.F.

A invasão no universo dos clubes vai ainda mais adiante. A emenda prevê prazos máximos para os contratos de transmissão e chega ao ponto de estabelecer critérios complexos de divisão de receita entre os clubes, com relação aos acordos que venham a ser feitos no futuro.

A proposta legislativa vai na contramão da recente Lei da Liberdade Econômica, que alterou o Código Civil para dizer que nas relações contratuais privadas, “prevalecerão o princípio da intervenção mínima” (Art. 421, parágrafo único), mostrando claramente que não compete ao Estado adentrar nos negócios particulares, salvo em hipóteses excepcionais.

De mais a mais, é conduta rudimentar do Direito o respeito ao princípio da liberdade contratual, que defere às partes a prerrogativa de se vincularem contratualmente e de definirem o conteúdo de suas avenças.

Os direitos de transmissão são o maior ativo que as equipes têm hoje, e nada mais justo do que deixá-las definir o que considerem melhor para si.

É bom os clubes se ligarem e se coligarem para combater essa invasão. Não precisam chamar a “Liga da Justiça” para protegê-los de tantas ameaças à sua autonomia. Basta fazer como Superman e Cia., que deixaram de lado a vaidade para se dedicarem a uma causa comum.

A hora é agora.

Se permitirem que o Estado invada o seu território, não vai sobrar muita coisa depois para fazer.

A menos que aceitem conviver com essa clara e genuína injustiça.

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