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Neymarcunaíma: herói ou anti-herói do futebol brasileiro (IV)

Pouco antes de a Copa América 2019 no Brasil começar, a rapsódia “Neymarcunaíma: herói ou anti-herói do futebol brasileiro” ganhou um novo capítulo. Lembramos que essa estória ainda está sendo desenhada pela história, e por isso continuamos, com a ótica da maior obra do craque da seleção brasileira de escritores, Mário de Andrade, a refletir sobre o futebol, mas neste capítulo, especificamente, a refletir a vulnerabilidade social dos heróis/anti-heróis do midiático mundo esportivo.

“O gigante estava mas era querendo brincar com a francesa. (…)Macunaíma já meio impinimado com ela, cochichou: — Caterina, sai daí que sinão te bato! A mulatinha ali. Então Macunaíma deu um bruto dum tapa na peste e ficou com a mão grudada nela. — Caterina, me larga minha mão e vai-te embora que te dou mais tapa, Caterina! Caterina era mas uma boneca de cera de carnaúba posta ali pelo gigante. Ficou bem quieta. Macunaíma deu outro tapa com a mão livre e ficou mais preso. — Caterina, Caterina! me larga minhas mãos e vaite embora pixaim! sinão te dou um pontapé! Deu o pontapé e ficou mais preso ainda. Afinal o herói ficou inteirinho grudado na Catita. Então chegou Piaimã com um cesto. Tirou a francesa da armadilha e berrou pro cesto: — Abra a boca, cesto, abra a vossa grande boca! O cesto abriu a boca e o gigante despejou o herói nele.”¹

De acordo com notícias veiculadas nas mídias sociais e na imprensa, o craque foi acusado de ter cometido um crime na França pouco antes de vir ao Brasil para iniciar a preparação para a Copa América. A mulher que fez a denúncia, brasileira, alegou ter sido estuprada. O crime de estupro está previsto no art. 213 do Código Penal brasileiro, dispondo que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso pode levar a uma pena de reclusão de seis a dez anos. O caso pode ser avaliado pela Justiça brasileira por conta da extraterritorialidade da lei penal.

Ocorre que, ainda segundo as referidas notícias, a mulher viajou a Paris e se hospedou em um hotel com custeio do jogador. Também trocou com ele inúmeras mensagens com clara conotação sexual, inclusive se insinuando para ele, antes do suposto delito. Por fim, há vídeos feitos por ela um dia após o alegado crime, em que ela o recebe e passa a agredi-lo. Notícias veicularam parte da conversa após o suposto delito em que ela pede para ele arrumar a passagem de volta, dizendo não ter sido tratada da forma que imaginou e que o “cara” que tinha conhecido não era o mesmo pelo qual tinha se apaixonado.

O astro, por sua vez, já havia publicado um vídeo em uma rede social buscando esclarecer os fatos e se defender, valendo-se do exercício regular do direito de defesa, direito constitucionalmente garantido, mostrando parte das conversas que manteve com a jovem, tomando ainda o cuidado de borrar o rosto e partes íntimas da suposta vítima e, por isso, não violando o artigo 218 C do Código Penal.

Sem nem passar perto da leviandade de querer apurar, julgar e sentenciar o caso concreto narrado em uma singela coluna, o que será feito nos termos da lei pela Justiça brasileira, apontamos o caso como exemplo para reflexão sobre atletas midiáticos serem frequentemente alvo de acusações como essa. Robinho, Mancini, Marcelinho Paraíba e Jóbson encabeçam uma lista de futebolistas que foram denunciados. Até o astro português Cristiano Ronaldo já foi denunciado. Alguns nomes da lista realmente foram condenados após o devido processo legal, mas todos foram sumariamente condenados moralmente pela mídia e sociedade, sem que tivessem o direito à presunção de inocência garantido. Mesmo se absolvidos depois, as violações à honra e à imagem dificilmente serão reparadas.

“Pois que fogo devore tudo! Macunaíma exclamou. Não sou frouxo agora pra mulher me fazer mal! E uma luz vasta brilhou no cérebro dele. Se ergueu na jangada e com os braços oscilando por cima da pátria decretou solene: — POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA, OS MALES DO BRASIL SÃO!”²

O caso Neymar nos mostra que é preciso ter cautela para apurar os fatos. Em 2014 o site EGO, do Grupo Globo, publicou um artigo intitulado “Atuais e ex-‘Maria Chuteiras’ ensinam como conquistar os gatos da Copa”.³  O artigo trouxe “conselhos” de como se aproximar de jogadores de futebol, inclusive de utilizar as redes sociais para isso, como aconteceu no caso anteriormente mencionado.

Andressa Urach, modelo que ficou conhecida no mundo pelo affair com Cristiano Ronaldo, chegou a apontar que a investida pode dar certo, como aconteceu com a modelo Dani Souza, hoje mulher do jogador Dentinho, que era conhecida como a Mulher Samambaia do programa Pânico, da TV Bandeirantes. A modelo ainda completou: “Saibam que serão usadas, porque dificilmente os jogadores vão assumir a relação. Geralmente quando eles se envolvem num nível mais sério, que dão valor, é porque se trata de alguém que eles já namoravam antes da fama. Ou então buscam namoradas comuns, mulheres que nunca transaram com os amigos deles. Se eles forem assumir namoro, vai ser com alguma patricinha de família, com status, que não tenha fama de periguete ou que seja da novela das nove”.⁴ Ela ainda afirmou que poderia voltar a se encontrar com o jogador português, mas “desde que ele não me trancasse no quarto e me ameaçasse de morte. Seria muito bom”⁵. As afirmações aconteceram mesmo após ter feito várias acusações contra o jogador.

A modelo Andressa Tasquetto, no mesmo artigo, deu outras dicas: “Tem que ter um bom papo e falar sacanagem no ouvido, pois não tem homem que aguente. Se você quer se aproximar, outra boa ideia é ir até o vestiário. Mas se não quer se expor tanto, aí tem que frequentar as festinhas. A única coisa que você não pode fazer de jeito nenhum é expor o cara. Eu já fiz isso e não me dei bem”⁶.

Com essas “dicas”, é possível perceber como determinados valores morais e éticos estão distorcidos e evidenciam a vulnerabilidade social dos jogadores. A síndrome da mulher de Potifar, em que a rejeição da mulher pode se transformar em denunciação caluniosa buscando vingança, o que também é crime, pode ser a explicação de muitos desses casos anteriormente citados. Por esse motivo, clamamos por cautela na análise dos casos midiáticos de denúncia de crimes de conotação sexual envolvendo jogadores. Ser um atleta de expressão não outorga a condição de estar acima do bem e do mal, mas, da mesma forma, não tira o direito à presunção de inocência legalmente garantida, e que precisa ser também moralmente garantida por todos nós. Aos culpados, todos os culpados após o trânsito em julgado de um devido processo legal, seja astro, seja mero mortal, o rigor da lei!

Por fim, “Neymarcunaíma”, o herói/anti-herói do futebol brasileiro, por ironia do destino, mesmo com o momento turbulento, foi jogar a primeira partida amistosa de preparação para a Copa América, mas…  “Na frente abria a estrada das boiadas. Macunaíma isso vinha que vinha acochado pela sombra, nem turtuveou: meteu pelo estradão. (…) O herói deu um trompaço nele de tanta fúria. (…) Então Macunaíma quebrou por uma picada sem jeito e se amoitou por debaixo dum mucumuco. A sombra escutava a bulha do marruá galopeando e imaginou que era Macunaíma, foi atrás.”⁷

A Copa América acabou… Ao menos para o herói/anti-herói!

……….

1,2,3 e 7 – Trechos e termos do livro Macunaíma, de Mário de Andrade

4,5 e 6 – http://ego.globo.com/famosos/noticia/2014/05/atuais-e-ex-maria-chuteiras-ensinam-como-conquistar-os-gatos-da-copa.html

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