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Ninguém assiste?

Por Alberto Goldenstein e Luiza Rosa Moreira de Castilho

Uma coluna de opinião só pode ser efetiva se ela tem posição. A verdade é que toda opinião tem lado, e o nosso é mostrar um outro lado do esporte. Um lado comercial, empresarial, inovador, social, igual.

Na coluna de hoje o objetivo é menos Alberto e mais Luiza. O objetivo é falar da importância da mulher como vetor desportivo e de entretenimento. E mais do que falar para Maitês, Natálias, Luizas, Fernandas, Anas, é aprender com essas e tantas outras que resistem diariamente para ter garantido o direito ao seu entretenimento por meio do esporte.

A palavra é da Luiza, que me deu o privilégio de ler em primeira mão essa exposição que deve ser lida e debatida por elas, e aprendido pelos demais que ainda acreditam que a desigualdade tem voz.

A coluna começa com perguntas, ninguém assiste ao futebol feminino? O futebol e as demais modalidades desportivas são vendáveis quando praticada por mulheres?

Para responder essas perguntas, será necessário entender que todo entretenimento é pautado em 3 pilares: a) produto com apelo de venda; b) público com vontade de comprar; c) pessoas dispostas a explorar comercialmente o produto.

Antes de mais nada tem que se dizer que no Brasil e no mundo as mulheres são maioria. Todos têm mãe. Todos são filhos. Alguns são pais, muitas são mães, alguns irmãos. Ou seja, existe público para um consumo das modalidades femininas. Existe comercialização. Mas existe o seu preconceito, velado ou não, que te impede de saber a quão necessária é exploração comercial do desporto feminino.

Destarte, como exemplo, o ano de 2020, o mais conturbado para todo o desporto, teve, apesar dos contratempos, no Futebol Paulista a consagração como maior da América. A decisão da Copa Libertadores masculina já nos mostrava o resultado de grandes esforços durante a pandemia, em uma final, não só brasileira, como paulista. No feminino, não foi assim tão diferente. A Associação Ferroviária de Esportes Futebol Feminino, fez jus ao título de ex-campeã, levando a taça de novo à locomotiva vermelha grená. Como bem sabido, a equipe feminina da Ferroviária nasceu em 2001, em Araraquara/SP e, desde então, tem se destacado como um dos melhores projetos de Futebol Feminino do Brasil. É mister destacar que, à época de sua criação, não havia a obrigatoriedade de se ter equipes femininas para o licenciamento dos clubes que disputavam as competições masculinas.

Além da infinidade de títulos alcançados pelo desempenho em campo, a agremiação está concorrendo, ao lado do Sport Club Corinthians Paulista, ao bi do prêmio CONAFUT de Melhor Departamento de Futebol Feminino, que será divulgado nesta semana. O clube é somente um dos exemplos de evolução e gestão dentro do futebol brasileiro.

Somos incansáveis em dizer que o futebol feminino está em constante crescimento no mundo, ultrapassando grande parte das adversidades contraídas na atual pandemia. No entanto, não nos restam dúvidas de que, no Brasil, poderíamos estar muito a frente. Afinal, atualmente, somos os maiores da América, não?

Parece que o que – ainda – nos falta é a compreensão da modalidade como um produto negociável e rentável, desvinculada dos formatos do futebol masculino.

Há pouco tempo, a Federação Inglesa de Futebol divulgou a concretização de um acordo de três anos para a transmissão da Super Liga Feminina através das emissoras BBC e Sky Sports, pela soma de 8,1 milhões de euros por temporada. É uma das maiores negociações domésticas no âmbito do futebol feminino que, muito provavelmente, será um marco para a WSL e para modalidade a nível mundial.

Alguns dias depois, a notícia de que a Globo estaria negociando os direitos de transmissão do Brasileirão A1 feminino veio à tona e foi muito comemorada pelos torcedores e torcedoras. A Band e a Plataforma MyCujoo também seguirão transmitindo as partidas. Porém, ainda temos muito o que aprender por aqui.

Durante a confecção deste texto, tivemos a oportunidade de ler um dos excelentes artigos da Fernanda Chamusca[1], que trouxe a possibilidade de aprendermos com a liga profissional da Inglaterra no que tange aos direitos de transmissão de partidas de futebol. Ela enfatiza que “a Premier League é um exemplo claro de que, só se modifica um modelo ultrapassado quando se assume o risco de tentar apostar na inovação e nos novos mercados”, cremos que é possível pensar de forma analógica quando falamos da WSL.

Entende-se que a realidade brasileira, em especial na atualidade, não é comparável ao que se enxerga no Reino Unido. A liga feminina soube contornar a ausência de público e fazer disso um produto, que acredita que será transformador, ou game-changing, como se refere constantemente a diretora de futebol feminino da Football Association.

Aqui, muito se esperava que houvesse demanda antes da oferta, a audiência na última Copa do Mundo Feminina nos mostrou que havia, a Copa Libertadores dos últimos anos também, isso sem falar dos campeonatos nacionais e estaduais. A detentora da Glória Eterna é brasileira. Quando trazemos à baila a ideia de comercialização, não é simplesmente em prol de uma causa social. Se não, porque a procura já existe e o produto é bom.

Refletir sobre esse espaço de visibilidade da modalidade não é querer que um futebol prevaleça sobre o outro. Temos que desmistificar a alegação de que as mulheres querem invadir um espaço “que não é delas”.

Neste sentido, não vemos melhor exemplo do que o coletivo de torcidas femininas em jogos de futebol masculino e feminino. Aqui poderíamos discorrer, inclusive, sobre a etimologia da palavra torcedora, mas o tema merece um texto específico. A ideia é extrair a essência desses movimentos, que é, em princípio, reivindicar os direitos das mulheres em espaços esportivos comuns e a elas permitidos (devido ao triste histórico, se faz necessário frisar).

Deste paralelo, contraímos a noção de que o esporte praticado pelas mulheres, seja qual for, é permitido. No entanto, a permissão, ou não proibição, não significa que todos os direitos são garantidos e, muito menos, que existem grupos que se importam em rentabilizar referido negócio.

Infelizmente, se nota que ainda há muito machismo e misoginia enraizados no esporte e, aqui sublinhando, no futebol. Frequentemente, a narrativa no “ninguém assiste” é levantada, em especial, nas redes sociais, por parte da sociedade que não se presta, minimamente, a conhecer a modalidade.

Redundante dizer que temos a liberdade de gostar e assistir apenas o que realmente nos apraz. Também é profuso discursar sobre os limites das liberdades individuais. A real meta é alcançar e valorizar a massa que se interessa, que assiste e que se beneficia disso, não impondo o futebol feminino aos que, por quaisquer razões, não apreciam.

A visibilidade não é sinônimo de resultados apenas positivos, é um caminho cheio de espinhos em meio as flores. Dito isto, é sempre importante lembrar que ao abrir o campo na mídia, estamos sujeitas a críticas e elogios comuns do esporte, dos quais não precisamos ser protegidas. Temos Edina Batista para nos

lembrar que erramos e acertamos, e também aceitamos, desde que os comentários sejam relativos ao desempenho a atitudes que interferem no campo e não ao gênero, raça, orientação sexual ou seja o que for.

A palavra ressignificar tem sido fortemente utilizada nos últimos tempos, de maneiras até inadequadas, mas ela pode se encaixar ao nosso contexto. Até porque, falamos da construção de um circulo virtuoso, já que além das vantagens financeiras percebidas com a comercialização do esporte, pode-se gerar o fomento da prática de modalidades por mulheres, através de, justamente, uma maior visibilidade. Não é à toa que a afirmação if she can see it, she can do it é sempre reforçada.

Podemos, portanto, redefinir a maneira de enxergar o esporte feminino?

Para se obter uma transformação factual, há que se metamorfosear toda a sociedade, em aspectos estruturais e muito profundos. Outra maneira é criar o espaço de renovação interna dentro do esporte, e fazer com que este cresça a ponto de ser um vetor para a mudança social.

É de se observar que esse tão esperado fluxo já tem acontecido, porém muito lentamente. A forma de driblar aqueles contextos e pretextos é aceitando a posição em que estamos e trabalhando pra chegar à configuração que desejamos.

Assim, quanto mais abrirmos os espaços de mídia para o desporto praticado por mulheres, mais elas terão oportunidades e ganas de se envolver, criando cada vez mais oportunidades de venda deste negócio para os players do mercado. Ao final, gera-se um absoluto ganha-ganha que responde por si, e que derruba a afirmação provocativa de que ninguém assiste.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

[1]PAES, Fernanda C. O que a English Premier League e o formato dos seus direitos de transmissão podem ensinar ao futebol brasileiro. Disponível em: <https://ibdd.com.br/o-que-a-english-premier-league-e-o-formato-dos-seus-direitos-de-transmissao-podem-ensinar-ao-futebol-brasileiro/>.

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