*Leonardo Garcia[1]
Luighi tem apenas 18 anos. É um menino que sonha em construir uma carreira no futebol. Treinou duro para estar ali, vestindo a camisa do Palmeiras na Libertadores Sub-20, em um torneio que deveria ser sobre aprendizado, evolução e crescimento. Mas em vez disso, ele foi humilhado. Saiu de campo chorando, não pela derrota – porque o Palmeiras venceu o jogo –, mas pela violência que sofreu.
Um torcedor do Cerro Porteño o chamou de macaco. O insulto não foi um deslize, não foi um momento de provocação. Foi um ataque cruel e desumano.
Como se não bastasse, cuspiram nele enquanto se dirigia ao banco de reservas. E, mais uma vez, ninguém fez nada. Nenhum jogo de base deveria ser palco para isso. Aliás, nenhum jogo deveria. Mas quando acontece com um menino, quando acontece com um garoto em formação, o impacto é ainda mais brutal.
O futebol de base é um espaço de construção. De identidade, de personalidade, de caráter. Jovens atletas precisam de apoio, de estrutura, de um ambiente saudável para crescer.
Mas como um jogador negro pode se desenvolver quando sua existência dentro de campo é tratada como alvo? Como um menino de 18 anos pode se sentir seguro quando, em um torneio oficial, em outro país, ele é reduzido a um insulto racista e ninguém toma uma atitude imediata?
O mais revoltante é que Luighi precisou cobrar uma reação. Durante a entrevista, percebeu que queriam falar apenas do jogo, ignorando o que tinha acabado de acontecer com ele. Sua indignação foi um grito necessário: “Vocês não vão me perguntar sobre o racismo? O que fizeram comigo é crime!”. Ele não podia acreditar que, depois de ser atacado, cuspido, humilhado, o mundo simplesmente seguiria em frente.
E a pergunta que fica é: até quando? Quantos jovens negros precisarão passar por isso? Quantos meninos que sonham em jogar futebol terão que lidar com o racismo como se fosse parte do caminho? O que a Conmebol vai fazer além de soltar uma nota fria e sem efeito? O que a CBF vai cobrar além de palavras vazias? Quantos comunicados de repúdio ainda vamos ver antes de uma punição séria?
No Brasil, a Lei Geral do Esporte traz previsões claras sobre a necessidade de combate ao racismo. O artigo 201 considera crime promover tumulto, incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores. A pena é de reclusão de um a dois anos e multa. Mas o mais importante está no parágrafo sétimo: se o crime envolver racismo, a penalidade deve ser aplicada em dobro. Isso significa que, caso um ato como o que ocorreu com Luighi acontecesse em solo brasileiro, o agressor poderia ser condenado a até quatro anos de reclusão. E mais: o artigo 11 da mesma lei estabelece que as autoridades do esporte devem adotar todas as medidas necessárias para erradicar o racismo das competições.
Ainda que a Libertadores Sub-20 seja uma competição internacional, a CBF e as autoridades brasileiras não podem se omitir. O futebol é um reflexo da sociedade, e a impunidade em casos como esse só reforça o racismo estrutural.
O Cerro Porteño precisa ser responsabilizado. Enquanto atos racistas forem tratados como incidentes isolados, sem punições severas aos clubes mandantes, nada vai mudar.
Somente quando as equipes começarem a sofrer penalizações reais pelos crimes cometidos por seus torcedores – como perda de pontos, jogos com portões fechados, exclusão de competições e sanções financeiras pesadas – é que veremos uma mudança efetiva.
Quando o racismo afetar diretamente os resultados esportivos e a estabilidade financeira dos clubes, eles finalmente se preocuparão em tomar medidas concretas para educar suas torcidas e impedir que essas cenas lamentáveis continuem se repetindo.
O torcedor que cometeu esse crime deve ser identificado e nunca mais pisar em um estádio. O racismo precisa custar caro. Sem isso, nada vai mudar. A Conmebol precisa ir além de notas de repúdio e exigir que a Federação Paraguaia de Futebol tome medidas concretas para que esse agressor seja banido dos estádios para sempre.
Caso contrário, os clubes paraguaios e até mesmo a própria seleção do Paraguai devem sofrer sanções severas, incluindo exclusão de torneios e impedimento de participação em competições organizadas pela entidade. Somente com punições exemplares será possível acabar com essa vergonha que se repete no futebol sul-americano.
Luighi chorou porque sentiu na pele o que muitos fingem não ver. Ele chorou porque sabia que, na próxima semana, outro jogador negro pode passar pela mesma humilhação.
Ele chorou porque está cansado. Porque todos nós estamos cansados. Mas a pergunta que realmente importa é: quem tem o poder de mudar essa realidade está cansado o suficiente para agir? Ou vão esperar que mais um menino saia chorando de campo para, mais uma vez, prometer o que nunca cumprem?
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[1] Procurador do Estado do Espírito Santo, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, Pós-graduado em Direito Desportivo e auditor do TJD/ES. @professorleonardogarcia @leiseesportes